Que o Orçamento de 2021, aprovado
semana passada no Congresso Nacional, é impossível de ser cumprido ninguém tem
dúvida.
Além do corte em gastos que já estavam subestimados,
houve postergação de despesas que precisam de lei ainda inexistente para permitir o adiamento. Sem falar em
transferências de gastos públicos para o setor privado, como no caso de auxílio
doença, sem regra aprovada para tanto.
No Congresso, o relator da Lei
Orçamentária Anual (LOA) de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC)
recorreu à contabilidade criativa, a manobras contábeis e a pedaladas fiscais
para conter as despesas dentro do teto de gastos e manter o saldo de despesas e
receitas nos limites da meta de resultado primário fixado. Os golpes fiscais
também foram usados para abrir espaço a emendas de parlamentares, prevendo
obras em seus redutores, num inédito total próximo a R$ 50 bilhões.
As manobras que resultaram na aprovação desse volume excepcional de emendas produziram
também uma lei orçamentária que não garante
recursos suficientes para a manutenção da máquina pública, sem aportes
posteriores. Além disso, diante do momento mais crítico da pandemia de
COVID-19, cometeu-se o absurdo de nem sequer manter os montantes de recursos
destinados em 2020 para as áreas de saúde e assistência social.
No projeto de lei orçamentária que enviou ao
Congresso, ainda em agosto de 2020, o Executivo previa emendas parlamentares
pouco superiores a R$ 15 bilhões, 70% menos do que o aprovado. Ao ser discutido
e votado às pressas, já em fins de março, os parâmetros e bases numéricas do
Orçamento estavam defasados, mas o ministro Paulo Guedes, responsável pela
elaboração da proposta orçamentária,
não fez a tempo a devida correção, permitida pela legislação.
O Orçamento aprovado, com esses e muitos outros problemas, deflagrou um
empurra-empurra em busca de "culpados". Na Economia, técnicos
avisaram que a peça orçamentária de
2021 era "inexequível". Tesouradas sem critério, de fato, tinham,
entre outras falhas, reservado montante insuficiente de recursos para a manter
a máquina pública em funcionamento, além de inviabilizar o Censo Demográfico de
2020, que já estava atrasado em razão da pandemia. Detalhe: o relator Bittar
diz que nada fez sem a concordância de técnicos da Economia.
Do outro lado, um grupo de parlamentares de dez partidos, numa frente ampla
incluindo base aliada e oposição, encaminhou carta ao presidente Jair
Bolsonaro, indagando como o governo pretende cumprir o Orçamento, respeitando
as regras fiscais de controle, particularmente o teto de gastos, sem pedaladas
e manobras. O objetivo, no fundo, é lembrar Bolsonaro das sombras de um
impeachment, por crime de responsabilidade.
Os alertas de técnicos do governo e de parlamentares dão bem a ideia da
barafunda em que se encontra a administração pública. Tanto uns quanto outros
estão preocupados com problemas que eles mesmos ajudaram a criar. Os deputados
que enviaram a carta a Bolsonaro ingressaram com uma representação no TCU (Tribunal de Contas da União), solicitando um parecer técnico do
órgão de fiscalização do
governo. Querem saber, oficialmente, se houve pedaladas.
Mas, se é possível apontar o dedo para Executivo e para Legislativo, no caso do
inviável Orçamento de 2021, a culpa estrutural não é exatamente deles. É de uma
teia superposta e redundante de regras rígidas de controle fiscal. Esse
emaranhado de leis e
normas contraditórias acaba tornando os Orçamentos impossíveis de serem
cumpridos. E, muito pior do que isso, transforma-os em instrumentos de
consolidação de desequilíbrios, barreiras ao crescimento econômico e
desigualdades sociais.
Em janeiro de 2018, a IFI (Instituição Fiscal Independente), órgão de
acompanhamento das contas públicas vinculado ao Senado Federal, listou 11 regras de controle. Agora, com a
aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, transformada
na EC (Emenda Constitucional) 109, mais três regras foram adicionada ao
conjunto. No total, portanto, o país dispõe de 14 regras para conter
desequilíbrios fiscais. Mas os desequilíbrios só se aprofundam.
Várias dessas regras vêm da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), como
é o caso da meta de resultado primário, que estabelece o superávit ou déficit
fiscal anual a ser perseguido pelo governo, e da regra de ouro, também inscrita
na Constituição de 1988, que proíbe o governo de contrair dívida para cobrir
despesas correntes. Outras, caso do teto de gastos, nasceram de PECs próprias,
ou de PECs com múltiplos dispositivos de controle, tipo a PEC Emergencial.
Das quase duas dezenas e meia de regras, meia dúzia impõem limites. Limites a
despesas de pessoal, limites de dívida consolidada e mobiliária, limites de
operações de crédito e de garantias em operações de crédito. Há ainda
proibições de que despesas correntes superem receitas correntes, despesas
obrigatórias passem de 95% das despesas primárias totais e de aumentos de
despesas sem fontes definidas de custeio.
A Assecor (Associação dos Servidores da Carreira do Planejamento e Orçamento)
divulgou nota no fim de semana em que reitera a posição de que é urgente
substituir as "inexequíveis e contraditórias regras fiscais atuais".
Técnicos e analistas do governo defendem a necessidade de criação de um novo
sistema de controle fiscal, capaz de permitir que diretrizes e leis orçamentárias conduzam um planejamento democrático do gasto
público.
Do emaranhado de regras fiscais, lembra a nota da Assecor, emergem não apenas leis orçamentárias pouco transparentes. A macarronada de normas de
controle não só estimula e favorece a adoção de manobras contábeis. Dificulta
também o controle social do uso do dinheiro público.
Por José Paulo Kupfer, no UOL
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