Está difícil viver, trabalhar,
estudar, comer e respirar o ar contaminado da corrupção, da falta de
fiscalização e da pior doença brasileira: a impunidade
Quando a política e a Lava Jato pegavam fogo, a surpresa
foi 2017 abrir já no primeiro dia com os massacres em prisões, que começaram
com decapitações em Manaus e contaminaram Boa Vista e Natal, com cerca de 125
mortes no total, chamando a atenção para um descalabro nacional e mostrando ao
mundo o lado das trevas numa das dez maiores economias do planeta.
Quando o pacote do procurador Rodrigo Janot foi
entregue ao Supremo Tribunal Federal e passaram a vazar as listas dos ilustres
citados nos 83 pedidos de abertura de inquérito para os que têm foro privilegiado
e mais 211 para quem não têm, a semana terminou com a operação “Carne Fraca”,
sobre as carnes podres que comemos e a carne fraca de corruptos insaciáveis.
Quando inflação e juros caem, o leilão de quatro
aeroportos é um sucesso e a The
Economist prevê que o
pior da crise passou, cabeças de porco, ácidos e papelões em mortadelas e
linguiças pioram ainda mais a imagem do Brasil e jogam um ponto de interrogação
nas exportações de carne brasileira. O País é o campeão de vendas do produto.
EUA e União Europeia já exigem explicações.
Quando o Planalto e o País comemoram a reversão de
expectativa no emprego, com o fim da sangria e o saldo positivo na criação de
vagas depois de 22 dois meses de horror, as revelações sobre os frigoríficos
chacoalham também o mercado interno, e a agropecuária é importantíssima para o
PIB e para a geração de empregos.
Quando o presidente Michel Temer começa a falar em
ganhar alguma popularidade e já se assanha para incluir a questão tributária no
pacote de reformas, a citação de seis ministros e as cúpulas do Congresso e dos
partidos na Lava Jato joga o foco do Congresso na reforma política e tira da
reforma da Previdência, vital para investimentos, credibilidade e destino da
transição.
Quando os governos do Rio de Janeiro, de Minas
Gerais, do Rio Grande do Sul e de todos os demais, em fila, tentam
desesperadamente negociar acordos com Brasília e enxugar as contas, eis que
aquele velho, insidioso, cruel e sarcástico inimigo público, o Aedes aegypti,
anti-herói da ruína, sai matando por aí. As filas de vacinas para febre amarela
conseguem superar as de emprego. Oswaldo Cruz e Emílio Ribas devem estar se
remoendo no túmulo.
É assim que vivemos todos numa montanha russa que
atravessa de boas a más notícias em velocidade estonteante, sem sossego, sem
tempo para respirar. Temer comemora juros e inflação num dia e sofre a queda de
ministro no outro; o aparente fim da sangria dos empregos num dia, seis
ministros na “lista do Janot” no outro; o leilão de aeroportos num dia, o
desmascaramento dos frigoríficos no outro; uma vitória no Congresso num dia, o
recuo na reforma da Previdência no outro; uma manchete internacional positiva
num dia, várias negativas no outro.
Mas o pior é a população brasileira, que acumula e
sofre com uma epidemia de corrupção, 13 milhões de desempregados no setor
privado e o empreguismo deslavado no público, Estados falidos e irresponsáveis,
febre amarela, zika, chikungunya e dengue, antes o leite de idosos e crianças
temperado com água sanitária, agora carne podre, linguiças nojentas e
mortadelas assassinas. Sem contar nas muitas dúvidas sobre o excesso de
agrotóxicos.
Está difícil viver, trabalhar, estudar, comer e
respirar o ar contaminado da corrupção, da falta de fiscalização e da pior
doença brasileira: a impunidade. Mas a boa notícia é exatamente essa: nunca
antes na história deste País tanto descalabro foi exposto à sociedade, tanta
gente foi desmascarada por instituições antes passivas e hoje na linha de
frente da reconstrução nacional. Implodir para construir.
O Estado de
São Paulo
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