A esta altura já
parece claro que faltou à Polícia Federal e ao Ministério Público, no caso da
Operação Carne Fraca, um sentido de estar a serviço do Estado brasileiro, o que
obriga a medir as consequências de denúncias tão amplas quanto as que foram divulgadas
em uma entrevista coletiva que anunciava ser aquela “a maior operação da
História da Polícia Federal”.
Justamente no dia
em que a Lava-Jato completava três anos, e havia uma coletiva da equipe de
policiais e procuradores em Curitiba para fazer um balanço das operações até o
momento. É inevitável a sensação de que houve no episódio uma disputa pelos
holofotes que não dignifica as instituições.
Não se discute a
necessidade de investigar e combater crimes como os que foram apurados, mas
tudo indica que faltou no caso uma assessoria técnica de especialistas para não
deixar as denúncias saírem do razoável. Esse caso tem peculiaridades que
escapam à normalidade.
Como a Polícia
Federal ficou dois anos assistindo a um festival de irregularidades, investigando
fraudes no setor de inspeção agropecuária, sem que tomasse providências para
evitar que carne estragada fosse vendida aos consumidores brasileiros ou
exportada?
É aceitável, embora
seja preciso muita boa vontade, a explicação de que o Ministério da Agricultura
não foi chamado para ajudar nas investigações porque vários de seus servidores
estavam envolvidos nas irregularidades. Não é possível que a Polícia Federal
considerasse que todo o alto escalão da Agricultura estava envolvido no
esquema, pois com meses de escuta telefônica daria para saber o que realmente
estava acontecendo.
Ou a PF tem
indícios graves de que a cúpula do ministério estava envolvida, no governo
Dilma e também nesse de Temer, ou fica difícil aceitar que uma assessoria
técnica não tenha sido agregada à equipe da Carne Fraca, para evitar que uma
conversa sobre embalagens de papelão se transformasse na acusação de que os
frigoríficos misturavam papelão à carne que vendiam.
PF e MP são órgãos
do Estado, e por isso têm autonomia. Mas, justamente essa característica
deveria dar a seus membros uma visão de conjunto dos interesses do país que
impediria, por exemplo, que o escândalo da carne, ao que parece restrito a uma
região e a alguns frigoríficos, fosse generalizado, prejudicando as exportações
que são fundamentais à economia brasileira. E dando margem a que os
competidores internacionais de nossas empresas ganhem espaços preciosos no
mercado internacional enquanto as coisas são esclarecidas.
O caso, desse ponto
de vista, é diferente do petrolão, que já do início deixou claro que havia um
cartel de empreiteiras atuando na Petrobras. Não havia, portanto, como salvar o
setor naquele primeiro momento, mas agora as instituições envolvidas,
notadamente o TCU e o Ministério Público, estão conseguindo chegar a um acordo
que permitirá às empreiteiras que fizeram acordos de leniência voltar ao
mercado, devidamente punidas e devolvendo aos cofres públicos o prejuízo que
causaram.
Mas esse caso da
carne tem uma perigosa semelhança com o petrolão no que se refere à influência
da classe política nas irregularidades. O Diário Oficial de ontem publica a
demissão dos superintendentes do Ministério da Agricultura no Paraná e em
Goiás, os dois estados alcançados pela Operação Carne Fraca.
Gil Bueno de Magalhães,
do Paraná, era apadrinhado pela bancada do Partido Progressista, especialmente
os deputados Dilceu Sperafico, Nelson Meurer e Ricardo Barros, esse atualmente
ministro da Saúde. Em Goiás, foi afastado o servidor Júlio César Carneiro,
apadrinhado do petebista Jovair Arantes, que já controlava a superintendência
goiana da Agricultura no governo petista. Relator do processo de impeachment de
Dilma, manteve a influência.
Osmar Serraglio, do
PMDB do Paraná, hoje ministro da Justiça de Temer, chamava Daniel Gonçalves
Filho, considerado pela Polícia Federal como o chefe do esquema criminoso, de
“grande chefe”. O que um deputado ou senador quer ao nomear um fiscal do
Ministério da Agricultura? O mesmo que o ex-presidente da Câmara Severino
Cavalcanti queria ao pedir a nomeação do diretor da Petrobras “que fura poço”.
Atribui-se ao
chanceler alemão Otto von Bismarck (1815-1898) a frase que diz que é melhor não
saber como se fazem leis e salsichas. Nada mais atual em relação aos problemas
brasileiros. Na Lava-Jato, e agora na Operação Carne Fraca, ficamos sabendo o
que acontece quando políticos vendem leis e impedem a fiscalização das fábricas
de salsichas.
Por Merval Pereira, em O Globo