Anvisa confessa ser quase nula a sua
capacidade de garantir a qualidade, a segurança e a eficácia dos medicamentos
consumidos pelos brasileiros
Se quiser evitar novas surpresas como a da fraude na
vigilância sanitária, com risco real à saúde da população, o presidente Michel
Temer deveria refletir sobre algumas medidas preventivas. Uma delas seria a
demissão dos dirigentes de agências reguladoras e órgãos de controle e
fiscalização de consumo indicados por políticos. A lista dos patrocinados nos
governos Lula, Dilma e Temer está disponível no computador de Eliseu Padilha,
chefe da Casa Civil, um lance de escada acima do gabinete presidencial, no
Palácio do Planalto.
Outra providência é a revisão da megaestrutura da Anvisa. Moldada
na referência americana da FDA, essa agência estatal é responsável pelo
controle e vigilância sanitária da galáxia de medicamentos, alimentos,
cosméticos, sangue, produtos e serviços médicos, vendidos no país ou
exportados.
Sobram razões para revisão dessa superestrutura, mostram os
relatórios da agência ao Tribunal de Contas da União. Neles, a Anvisa confessa
ser praticamente nula a sua capacidade de garantir a qualidade, a segurança e a
eficácia dos medicamentos que estão no mercado.
Auditores passaram um ano examinando informações da agência.
Em outubro, confirmaram: “Análises de medicamentos não estão ocorrendo desde
2012”. Significa que há cinco anos os brasileiros consomem remédios sem
controle ou fiscalização depois que chegam às farmácias. A rede estatal de
laboratórios para testes é rarefeita (Alagoas, Mato Grosso do Sul, Paraíba,
Piauí e Sergipe não têm). Onde existe, quase sempre “não está em
funcionamento”.
As falhas da Anvisa começam na subnotificação de eventos
adversos no uso de medicamentos. Países com população e consumo menores
registram muito mais notificações que o Brasil — Chile três vezes mais e Peru,
dez vezes mais. A agência opera com dois bancos de dados, incomunicáveis e
desligados do sistema de São Paulo. Quem quiser saber por que 5.762
medicamentos novos, genéricos e similares tiveram seus registros cancelados
desde 2011, precisará fazer pesquisa manual no acervo de 126.902.000 de páginas
de documentos. A Anvisa é um repositório de registros de remédios, mas não
analisa mudanças no perfil de segurança dos produtos que possam motivar, ou
não, alterações no registro do medicamento ou ainda, sua retirada no mercado.
Dos 1.585 pedidos que recebeu em 18 meses de 2015 a 2016, só analisou dois.
Na prática, atua como guichê de renovação automática de
registros. Há situações estranhas, como a do Cicladol, usado em terapia de
dores agudas. Registrado em 2000, teve a renovação pedida em 2004. A Anvisa
rejeitou, a empresa recorreu, e o caso foi suspenso para “análise de eficácia e
segurança” do remédio. Mesmo com a desconfiança técnica, o registro foi
renovado automaticamente duas vezes, e o medicamento segue em circulação.
A Anvisa nasceu duas décadas atrás, na esteira do caso das
pílulas de farinha do laboratório Schering, cujos anticoncepcionais ineficazes,
Microvlar, chegaram aos consumidores. A boa ideia original, para controle e
fiscalização de medicamentos, acabou no loteamento político das agências
reguladoras. O resultado está aí: da carne ao remédio sobram burocracia,
ineficácia, insegurança e um histórico de impunidade aos que deixam em risco a
saúde coletiva.
José Casado, em O Globo
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O livro contém o texto original de Nicolai Gogol, a peça teatral “O inspetor Geral”. E mais um ensaio e 20 artigos discorrendo sobre a realidade brasileira à luz da magnífica obra literária do grande escritor russo. Dessa forma, a Constituição brasileira, os princípios da administração, as referências conceituais da accountability pública, da fiscalização e do controle - conteúdos que embasam a política e o exercício da cidadania – atuam como substrato para o defrontar entre o Brasil atual e a Rússia dos idos de 1.800.
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