A Conferência do
Oceano acontece nesta semana em Lisboa, cinco anos depois do último encontro de
alto nível promovido pela ONU para abordar a proteção dos ecossistemas
marinhos.
Adiado dois anos pela
pandemia, o evento busca acelerar um consenso quanto à importância de um acordo
global para proteger os ecossistemas marinhos, a exemplo de outros temas
ambientais que chegaram a tratados entre os países, como o clima.
A última grande conferência
da ONU sobre o assunto tinha acontecido em 2017, e esta agora é a apenas a
segunda. Mas esse quadro está se revertendo, inclusive no âmbito da ONU. A
relevância do tema é cada vez menos questionada: os oceanos cobrem 70% da
superfície do planeta e geram mais de 50% do oxigênio que os seres vivos
respiram sobre a Terra.
"A emergência climática
só não está mais grave porque o oceano foi barrando isso enquanto conseguia,
removendo CO2 da atmosfera”, ressalta o professor Ronaldo Christofoletti, do
Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e presente em
Lisboa. "Mas enquanto ele segurou, ele começou a cansar. Já começamos a
ter sinais muito claros disso: o oceano está pedindo ajuda. E ainda há tempo de
fazermos diferente."
A Década da Ciência Oceânica
para o Desenvolvimento Sustentável, fixada pelas Nações Unidas entre 2021 e
2030, foi crucial para aumentar a mobilização em torno do assunto. Mas um amplo
acordo global sobre o oceano ainda parece distante.
"Quem sabe na próxima
conferência, em 2025. Acho que todos os arranjos necessários para que esse acordo
vá sendo construído coletivamente estão sendo feitos”, avalia Christofoletti.
"A gente teve um exemplo recente, sobre os plásticos, com um acordo
especificamente para o lixo no mar. Já é um grande avanço, mas ainda teremos de
trabalhar mais um pouco por um tratado global.”
Áreas protegidas
Em março, os países reunidos
na Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente no Quênia chegaram às
bases de um texto para limitar a poluição por plásticos, que mata a cada ano
100 mil mamíferos marinhos. A expectativa é de que um pacto formal sobre o tema
seja assinado em 2024.
A cúpula em Lisboa, com
representantes de cerca de 100 países, empresas e a sociedade civil, também
pretende avançar rumo a um compromisso para frear a pesca excessiva. Hoje, um
terço das espécies selvagens de peixes são pescados além dos limites que
garantem a sua sobrevivência.
Passar dos atuais menos de
10% de áreas marinhas protegidas para 30% é outro grande desafio, que a ONU se
coloca para 2030. Nesta quarta-feira (29), uma centena de países se
comprometeram com este objetivo em Lisboa – pouco mais da metade dos 193 que
compõem as Nações Unidas.
"São tantas frentes:
plásticos, produtos químicos, fertilizantes, que chega a dar um desespero. Mas
tudo isso tem duas raízes: as atividades humanas, que podem ser regulamentadas,
e colocar em prática o que a gente combinar, pelas leis”, observa Alexander
Turra, professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São
Paulo e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano no
Brasil. "Não há antagonismo entre a natureza e a economia, o
desenvolvimento. Outro aspecto é a pobreza: ela é um sintoma de um modo
insustentável da sociedade”, sublinha o especialista.
“Racismo oceânico"
A maneira como o oceano é
tratado reflete o nível de desenvolvimento de cada país. O velho embate entre
nações desenvolvidas e em desenvolvimento também emerge nos temas relacionados
aos oceanos: como exigir dos países pobres mais cuidado com a gestão do mar sem
ajudá-los a financiar os mecanismos mais adaptados, menos nocivos ao ambiente
marinho?
“A gente precisa de um
sentimento de empatia, de cooperação. A vulnerabilidade a que milhões de
pessoas estão expostas precisa ser combatida, inclusive aquelas que estão
morando no que chamamos de aglomerados subnormais, que são áreas de risco como
encostas, áreas de manguezal – que são, também, mais sujeitas aos efeitos das
mudanças do clima”, salienta Turra. “Isso nos remete ao racismo oceânico, o
racismo ambiental. As pessoas que acabam sofrendo desproporcionalmente mais com
essa situação são as pobres, as negras, todas as que estão à margem da
sociedade hoje.”
AFP
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