Polícia Federal alega que um refinador italiano comprou ouro de uma empresa que o adquire ilegalmente na região da floresta amazônica.
Garimpeiro busca por ouro em
área desmatada da floresta amazônica na cidade de Itaituba, no Pará 05/08/2017
— Foto: Nacho Doce/ Reuters
A Polícia Federal alega que
um refinador italiano comprou ouro de uma empresa que o adquire ilegalmente na
região da floresta amazônica, de acordo com documentos policiais, enquanto
divulgações corporativas mostram que o refinador forneceu o metal precioso para
quatro das maiores empresas de tecnologia do mundo.
Registros públicos de
Amazon.com, Apple, Microsoft e da controladora do Google, Alphabet, nomeiam a
empresa privada italiana Chimet como fonte de algum ouro usado em seus
produtos. As empresas de tecnologia costumam usar pequenas quantidades do metal
em placas de circuito para eletrônicos de consumo.
Segundo documentos policiais
obtidos pela organização de jornalismo investigativo Repórter Brasil e
analisados pela Reuters, a Polícia Federal alega que a Chimet comprou milhões
de dólares em ouro da empresa CHM do Brasil, que supostamente adquiriu o metal
precioso ilegalmente de garimpeiros.
A CHM do Brasil, respondendo
a perguntas por meio de um advogado, disse que todo o seu ouro foi adquirido
legalmente com documentação adequada.
O garimpo ilegal aumentou no
Brasil desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo em 2019,
defendendo os invasores e buscando legalizar a mineração em terras indígenas.
Minas não regulamentadas
destroem as terras da floresta tropical na Amazônia ao mesmo tempo em que
poluem rios com mercúrio. Grileiros têm entrado em confronto violento com as
comunidades indígenas que protegem suas terras, deixando um rastro de morte,
doenças e intimidações.
A entidade brasileira de
sustentabilidade Instituto Escolhas estimou que o país produziu 84 toneladas de
ouro ilegal nos primeiros dois anos de mandato de Bolsonaro, um aumento de 23%
em relação aos dois anos anteriores e equivalente a quase metade da produção
total de ouro do Brasil.
"Uma empresa que está
comprando ouro que vem do Brasil, ela já sabe que ela tem um risco muito grande
de estar comprando ouro com irregularidade --um ouro de sangue da
Amazônia", afirmou Larissa Rodrigues, autora do relatório do Instituto
Escolhas.
Um representante da Chimet
disse que a empresa cortou relações com a CHM ao saber das alegações em outubro
de 2021, quando a polícia realizou operações em nove Estados brasileiros e no
Distrito Federal visando a CHM e outros supostamente envolvidos no comércio
ilegal de ouro.
Um documento policial
resumindo a investigação datado de agosto de 2021 afirma que a Chimet
supostamente comprou 2,1 bilhões de reais (385 milhões de dólares) em ouro da
CHM entre 2015 e 2020.
Um porta-voz da Polícia
Federal no Pará se recusou a comentar a investigação porque ela está em
andamento e permanece sob sigilo. Indiciamentos provavelmente serão anunciados
quando a investigação for concluída ainda este ano, disse ele.
Promotores federais teriam
então que decidir se vão apresentar denúncias, acrescentou.
As quatro empresas de
tecnologia dos Estados Unidos listaram a Chimet entre mais de 100 refinarias de
ouro em suas cadeias de abastecimento durante o período de cinco anos da
investigação e nas divulgações mais recentes de 2021.
A Chimet não tem um
relacionamento direto com as quatro grandes empresas de tecnologia, mas vende
ouro para bancos que podem revendê-lo para diversos usos, disse o representante
da empresa, Giovanni Prelazzi, em comunicado à Reuters. Ele não citou os
bancos.
A Apple não abordou
especificamente a Chimet, mas afirmou em comunicado que suas políticas proíbem
o uso de minerais extraídos ilegalmente. As empresas que descumprem essa
determinação são removidas de sua cadeia de suprimentos, disse a fabricante do
iPhone.
Amazon, Alphabet e Microsoft
se recusaram a comentar.
A Chimet disse que, após
tomar conhecimento da investigação sobre a CHM, contratou a empresa de
contabilidade Deloitte para realizar uma auditoria de seus outros fornecedores
e em abril de 2022 foi novamente certificada pela associação de mercado de
barras LBMA como atendendo aos padrões de fornecimento responsável de ouro.
Um representante da LBMA
disse à Reuters que as ações da Chimet mostraram que problemas semelhantes não
existiam com outros fornecedores e que os métodos de verificação estavam sendo
fortalecidos.
Não registrada
Os documentos policiais
informam que a CHM não estava registrada no Banco Central do Brasil como uma
entidade legalmente autorizada a comprar e vender ouro, conhecidas como DTVMs.
A CHM não aparece no
diretório online do Banco Central de DTVMs registradas. É ilegal para qualquer
um, exceto mineradores e suas associações, comprar e vender ouro no Brasil sem
tal registro.
A CHM disse que não comprou
ouro como instrumento financeiro e que não é necessário registro para comprar
ouro como mercadoria.
O Banco Central afirmou que
não regulamenta "operações com ouro classificado como mercadoria".
Uma análise de 2020 das leis
relevantes por promotores federais mostrou que esse registro é necessário para
qualquer um que não seja mineradora para comprar e vender ouro,
independentemente de seu uso.
Registros financeiros de
transferências bancárias mostram que a CHM comprou ouro de cooperativa e
diretamente de vários indivíduos no sul do Pará, que faz parte da Amazônia
brasileira.
A cooperativa COOPEROURI tem
licença para realizar mineração em uma área próxima à reserva indígena Kayapó,
que é protegida, mas a polícia descobriu que tanto a CHM quanto a cooperativa
compravam de garimpeiros independentes sem licença, de acordo com os documentos
da investigação.
A COOPEROURI não foi
encontrada para comentar.
Segundo relatório da
polícia, cooperativas e garimpeiros individuais estariam extraindo minério
ilegalmente na reserva indígena, embora não tenha indicado a base para essa
alegação.
No relatório policial,
imagens de satélite da reserva Kayapó --uma região maior que a Bélgica--
mostram vastas faixas de mineração lamacentas e pistas de pouso clandestinas
para acessá-las.
Reuters, Jake Spring
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