Em ano eleitoral,
Congresso privilegia repasses diretos para estados e prefeituras
Na distribuição do orçamento
secreto em ano eleitoral, parlamentares priorizaram repasses diretos para
estados e prefeituras e deixaram de lado licitações e obras, que têm um trâmite
mais demorado de liberação e envolvem maior fiscalização. A estratégia gera
apoio político, mas já foi questionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Dados divulgados pelo
Congresso e compilados pelo GLOBO mostram que investimentos estruturantes foram
mais negligenciados neste ano em prol das transferências 'fundo a fundo',
modelo em que cofres estaduais e municipais são abastecidos diretamente. O
Fundo Nacional de Saúde (FNS) ficou com R$ 8 bilhões em indicações, por
exemplo, enquanto o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) teve direito a
R$1 bilhão.
Os números representam um
aumento em relação ao ano passado, quando o FNS teve R$ 7, 5 bilhões liberados
para pagamentos, e o FNAS, R$ 303 milhões. As transferências ocorrem dos fundos
nacionais para os fundos municipais e estaduais e, por isso, são chamadas de
'fundo a fundo'.
Em parecer sobre a prestação
de contas do governo em 2021, a área técnica do TCU afirma que, privilegiando
repasses desse tipo, a administração federal deixou de lado investimentos em
áreas obrigatórias. O relatório aponta que essa estratégia também deixa de lado
critérios técnicos para os gastos, mas gera vantagens eleitorais.
O volume de verbas
apadrinhadas foi turbinado na semana passada, às vésperas da proibição imposta
pela lei eleitoral de transferências no período de três meses antes da eleição,
o que passou a vigorar no sábado. Os pedidos de direcionamento de verbas também
ocorreram em meio a um momento de pressão no governo, que lidava com as
tentativas de evitar ou, ao menos, postergar a CPI do MEC - líderes no Senado
entraram em acordo para que o colegiado passe a funcionar só depois do pleito -
e de aprovara PEC Eleitoral, pacote bilionário de benefícios com o horizonte da
eleição.
O Congresso divulgou
anteontem a distribuição de R$ 6, 1 bilhões das emendas de relator, que compõem
o orçamento secreto, na última leva antes do pleito. Ao todo, R$ 12 bilhões já
foram distribuídos em 2022.
Para o deputado Luis Tibé
(Avante-MG), que já pediu R$ 28 milhões neste ano ao Fundo Nacional de Saúde,
os repasses evitam a 'morosidade' da Caixa Econômica Federal, responsável pela
aprovação de obras financiadas pelas emendas de relator:
- Já tive problemas com a
Caixa, de demorar dois anos, e valor não ser mais suficiente para executar a
obra. Quando é fundo a fundo, libera o caixa do município, que faz a ação mais
rápido.
Em 2021, o Ministério do
Desenvolvimento Regional (MDR) representou 36% da verba autorizada para
pagamento (empenhada) das emendas de relator, o equivalente a R$ 6 bilhões.
Neste ano, apenas 15% das indicações já encaminhadas pelo Congresso foram
direcionadas à pasta.
Os dados da execução do
Orçamento de 2022 reforçam os motivos da preferência de deputados e senadores:
até o momento, R$ 6, 2 bilhões do valor destinado para a Saúde já foram pagos,
ou seja, já estão na conta dos fundos municipais e estaduais. Por outro lado,
no caso do MDR, onde há mais obras, apenas R$ 97 mil chegaram aos
beneficiários.
Deputados e senadores foram
instruídos a obedecer a seguinte divisão nas verbas neste ano: 51% para o
Ministério da Saúde, 33% para o Desenvolvimento Regional, 7% para Cidadania, 5%
para Agricultura e4% para a Educação.
Segundo essa conta,
parlamentares já praticamente esgotaram o limite que poderiam enviar para a
Saúde, distribuindo R$ 8, 1 bilhões dos R$ 8, 3 bilhões autorizados. Essa verba
é usada para adquirir equipamentos, pagar contas de luz e combustível para veículos,
fazer obras e reformar imóveis, entre outros gastos classificados como
'custeio'.
LIMITE ESGOTADO
Técnicos na Câmara dos
Deputados ouvidos pelo GLOBO dizem que a maioria dos municípios já atingiu seu
teto em transferências na área de saúde e, muitas vezes, deputados não têm nem
municípios o suficiente em suas bases para gastar.
O uso do FNAS, vinculado ao
Ministério da Cidadania, se tornou uma opção para esses casos. A verba é usada
para custeio da assistência social, o que envolve pagamento de material de
consumo, ferramentas, locação de espaços, contratação de terceirizados, entre
outros.
Por outro lado,
parlamentares previram um investimento menor no Ministério de Desenvolvimento
Regional: de R$ 6 bilhões para R$ 4, 3 bilhões neste ano. Embora a Codevasf não
tenha diminuído seu orçamento em 2022, ela foi deixada de lado por
parlamentares. Foram R$ 665 milhões em pedidos de 'emendas de relator' para o
órgão, cerca de metade do R$ 1, 2 bilhão previsto. Sob investigação da CGU e
com contratos suspensos sob suspeita de superfaturamento recentemente, o órgão
conseguiu R$ 122 milhões em empenhos.
Jornal O Globo, Natália Portinari
e Dimitrios Dantas
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