Alta de insumos encarece projetos, e concessionárias tentam rever contratos
A INFLAÇÃO DA INFRAESTRUTURA
A alta de até 80%, desde o
início do ano passado, no preço de insumos fundamentais para projetos de
infraestrutura virou um problema para concessionárias de rodovias, ferrovias e
aeroportos e uma dor de cabeça para o governo a menos de três meses da eleição.
Asfalto, aço e diesel, entre outros itens ligados à construção civil,
dispararam em meio ao processo inflacionário global agravado pela guerra na
Ucrânia. A alta nos custos ameaça frear obras das concessionárias, que falam em
revisão de contratos num momento em que o governo está mais interessado em
mostrar máquinas trabalhando. Construtoras que tocam obras públicas têm as
mesmas dificuldades.
As concessionárias têm
alertado o governo de que os custos mais altos podem atrasar obras e até
prejudicar serviços de manutenção, com consequências para usuários. Esperam
algum tipo de compensação para cumprirem metas assumidas nos leilões.
A lista de aumentos - bem
acima da inflação oficial acumulada em 12 meses até junho, de 11, 89% - com
forte peso no caixa das empresas do setor é encabeçada pelo cimento asfáltico
de petróleo, um dos materiais mais usados em qualquer projeto de rodovias. O
insumo subiu 80% nos últimos 18 meses. Mas a alta de preços da construção civil
se espalhou para itens como aço, tubos de PVC, ligantes betuminosos, madeira,
cobre e óleo diesel. As empresas de construção também reclamam dos preços de
insumos, como vergalhões, arames de aço ao carbono e cimento. Este último,
somente no primeiro semestre deste ano, teve reajuste médio de 16, 84%.
Em geral, as empresas tentam
convencer o governo sobre a necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro
dos contratos. Isso pode significar, na prática, aumento de tarifas e de prazos
estabelecidos nos contratos, entre outras medidas. Há problemas em concessões
antigas e também nas celebradas no governo de Jair Bolsonaro (PL), que busca a
reeleição em outubro.
- Existem, sim, problemas
detectados no fluxo de caixa das concessionárias. O importante é que haja a
construção da solução -diz Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da
Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), reforçando que
obras podem atrasar. -Sem dúvida, sem mudanças, é possível falar em atraso,
porque não tem conta que se pague. O risco que corre é o cronograma ficar
comprometido.
JURO COMPLICA SITUAÇÃO
Uma onda de revisão de
contratos pode atingir em cheio uma das possíveis vitrines de Bolsonaro no ano
eleitoral: a área de infraestrutura, que alçou o ex-ministro Tarcísio Gomes de
Freitas (Republicanos) à condição de candidato bolsonarista ao governo do Estado
de São Paulo.
Em 2021, por exemplo, o
governo federal assinou três concessões de rodovias: BR-116/101, entre São
Paulo e Rio de Janeiro; BR-153/ 080/414, que abrange regiões de Goiás e
Tocantins; e BR-163/230, cuja área contempla Mato Grosso e Pará.
O remédio aplicado pelo
Banco Central para combater a inflação, a alta dos juros, dificulta ainda mais
a situação com o aumento do custo dos financiamentos.
- A situação é muito
difícil, até porque o problema dessa inflação não se resolve com taxas de juros
elevadas. O caso de rodovias é bastante significativo. Serviços de manutenção e
conservação de estradas são afetados, assim como projetos em andamento - diz o
presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base
(Abdib), Venilton Tadini.
Fernando Paes,
diretor-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários
(ANTF), conta que a alta do diesel levou a entidade a pedir à Agência Nacional
de Transportes Terrestres (ANTT) uma revisão extraordinária dos tetos
tarifários. Ele afirma que o setor é muito impactado pelos 'fortes e
inesperados aumentos do preço do diesel', que move as máquinas nos canteiros de
obras, e cobra resposta rápida da agência: - O impacto da alta dos principais
insumos para investimentos em ferrovias, assim como rodovias, portos e
aeroportos, certamente demandará revisão dos contratos com previsão de
investimentos.
Paes explica que um dos
argumentos das concessionárias é o de que os reajustes anuais dos tetos
tarifários seguem o IPCA ou o IGP-DI. Esses índices, ele enfatiza, não refletem
a real inflação de custos do setor, cujos insumos estão subindo bem acima da
média.
- Temos a nossa inflação,
que não é a inflação do dia a dia. O preço do aço subiu cerca de 70% em 2021 -
exemplifica Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira da Indústria
Ferroviária (Abifer).
ROMARIA EM BRASÍLIA
Ao GLOBO, o Ministério de
Infraestrutura e a ANTT confirmaram que têm tratado do tema com as
concessionárias. Mas essa escalada de preços não cria um problema só para os contratos
de concessões.
Também encarecem as
operações de construtoras que executam obras públicas. As empresas do setor têm
feito romaria em Brasília em busca de reajustes nos contratos.
'O Ministério da
Infraestrutura acompanha as eventuais variações de preços de insumos que possam
afetar o setor. O sistema de orçamentação do Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit) é baseado no Sistema de Custos
Referenciais de Obras (Sicro), cuja atualização é periódica e é amplamente
utilizado como referencial de custos para obras rodoviárias', informou a pasta
em nota.
A Associação Nacional das
Empresas Administradoras de Aeroportos (Aneaa) informa que acompanha com
apreensão a escalada dos preços dos insumos para a construção civil, com
aumentos expressivos desde meados de 2020. 'As concessionárias do setor têm de
cumprir metas contratuais de investimento em ampliação da infraestrutura, e a
alta, em alguns casos de mais de 50%, observada nos preços de materiais pesados
impacta fortemente as previsões de custos estabelecidas nesses contratos de
concessão' afirma em nota.
AEROPORTO FOI DEVOLVIDO
Parte dos aeroportos
administrados pela iniciativa privada conseguiu reequilibrar contratos neste
ano, após o forte impacto dos primeiros anos da pandemia. Uma das empresas que
pediu revisão e não teve êxito, a Changi decidiu partir para uma medida mais
drástica: devolver a concessão do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio. A
decisão acabou levando o governo atirar o Aeroporto Santos Dumont, no Centro do
Rio, do pacote de terminais a serem concedidos no mês que vem, atrasando ainda
mais investimentos no setor. Os terminais cariocas só devem ir a leilão em
2023.
O advogado Frederico
Favacho, sócio do escritório Santos Neto, acredita que o cenário pode gerar disputas
na Justiça: - Quando há inflação no custo das obras, normalmente, não há espaço
para repasse automático nos contratos firmados com os poderes públicos, que
estão amarrados nos termos dos editais que os precederam. Isso pode levar a uma
onda de judicialização desses contratos em busca do reequilíbrio econômico.
Especialista em contratos de
infraestrutura, Giuseppe Giamundo Neto defende revisão.
- Trata-se de uma
problemática que atinge boa parte das concessões de infraestrutura com obras em
desenvolvimento. Houve descolamentos inesperados dos padrões históricos de
índices relacionados a materiais como asfalto, aço galvanizado, cimento
Portland, dentre outros. É algo extraordinário e absolutamente imprevisível,
que tem onerando demasiadamente o fluxo de caixa, daí a necessidade de imediata
correção - argumenta o sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.
Ernesto Tzirulnik,
especialista em contratos de infraestrutura e doutor em Direito Econômico e
Financeiro pela Faculdade de Direito da USP, avalia que a alta nos insumos se
encaixa no critério de fator 'imprevisível ou de consequências incalculáveis',
com entendimento, segundo ele, já consolidado do Tribunal de Contas da União
(TCU).
'Sem mudanças (nos
contratos), é possível falar em atraso, porque não tem conta que se pague.
Oriscoéo cronograma ficar comprometido'
Marco Aurélio Barcelos,
diretor-presidente da ABCR
'Serviços de manutenção e
conservação de estradas são afetados, assim como projetos em andamento'
Venilton Tadini, presidente da Abdib
Jornal O Globo, Eliane Oliveira
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