A poucos dias da abertura do Festival de Teatro de Avignon (7 a 26 de julho), o anúncio da morte do professor de teatro britânico Peter Brook, um dos diretores mais influentes do século 20, gera homenagens comoventes na França. Brook faleceu no sábado (3) aos 97 anos, em Paris, onde morava há 50 anos.
O professor de teatro de
origem britânica, que passou grande parte de sua carreira na França dirigindo o
teatro parisiense Les Bouffes du Nord, reinventou a arte da direção teatral ao
privilegiar uma estética sóbria nos palcos ao invés de cenários tradicionais.
"Brook é muito mais do
que um diretor de teatro, é uma verdadeira lenda", disse com emoção na voz
Oliver Py, diretor do festival de Avignon, o maior evento teatral do mundo.
"Ele aplicou em sua vida a fórmula de Shakespeare – o palco é um mundo e o
mundo é um palco", lembrou o dramaturgo francês. "Muito antes da
diversidade entrar na moda, Brook, que era um cidadão do mundo, integrou em
seus elencos pessoas de todas as nacionalidades", recordou Py.
No Twitter, o também diretor
Clément Mao-Takacs escreve: "Querido #PeterBrook, criado com o leite da
sua arte – feita de exigência, humanidade, amor, humor e de encontros entre
culturas – eu me lembro de cada momento; prometo a você que continuaremos a
recusar o teatro morto e a celebrar o espaço vazio, onde a sua sombra agora vai
e vem".
A imprensa repercute o
falecimento de Brook apontando momentos marcantes de sua carreira. O jornal
Libération fala em um diretor "com uma obra imensa, marcada por
Shakespeare, teórico de uma escrita cênica sem artifícios, reduzida à
quintessência do texto e quase sem cenário".
De acordo com o Le Monde,
"Brook leva com ele uma das mais importantes aventuras teatrais da segunda
metade do século 20, que fez do teatro um instrumento fabuloso para explorar o
ser humano em todas as suas dimensões, através de espetáculos lendários".
Nas redes sociais,
admiradores do britânico postam citações do diretor morto: "Se quisermos
falar do ser humano, não podemos reduzi-lo ao ser branco e burguês de nossas
sociedades".
Nascido em Londres em 21 de
março de 1925, filho de imigrantes lituanos judeus, Brook assinou sua primeira
produção aos 17 anos. Durante sua carreira, dirigiu importantes instituições
como o Royal Opera House de Covent Garden e o Royal Shakespeare Theatre, ou os
franceses Les Bouffes du Nord e o Centro Internacional de Criações Teatrais
(CICT). Ele salvou o Bouffes du Nord, que estava destinado à demolição, e
deixou o local intacto, com as paredes descascadas, incorporando a memória dos
que passaram pela sala às suas criações.
Artista com experiência em
ópera, cinema e crítica teatral, ele se estabeleceu em Paris em 1971. Muitas
vezes comparado a Stanislavski (1863-1938) que revolucionou a atuação, Peter
Brook é o teórico do "espaço vazio", uma espécie de bíblia para o
mundo do teatro, publicado pela primeira vez em 1968.
"Posso pegar qualquer
espaço vazio e chamá-lo de palco. Alguém atravessa esse espaço vazio enquanto
outro assiste, e isso é o suficiente para começar o ato teatral": essas
famosas primeiras linhas se tornaram um "manifesto" para um teatro
alternativo e experimental.
"O ator é um
criador"
Sua obra mais conhecida é
"O Mahabharata", um épico de nove horas da mitologia hindu, criado em
1985 e apresentado pela primeira vez em Avignon. O espetáculo foi adaptado para
o cinema em 1989.
No teatro dirigiu atores
como Laurence Olivier e Orson Welles.
"O ator que é um
verdadeiro criador (...) explorou os aspectos de seu personagem (...) apesar de
ser constantemente obrigado, pela honestidade de sua pesquisa, a se despojar do
que possui e recomeçar tudo de novo", dizia o britânico. "No teatro,
até que o público esteja presente, o objeto não está terminado", lembrava.
Depois de uma aventura de
mais de 35 anos no Bouffes du Nord, Peter Brook deixou a direção do teatro em
2010, aos 85 anos, continuando a assinar produções.
"A palavra que
atravessa toda a minha experiência é tocar. Ninguém consegue definir o que
significa, nem os cientistas, mas a gente sabe quando é tocado por alguma
coisa", disse o britânico, em uma longa entrevista à rádio France Inter,
em abril do ano passado.
O carismático diretor sofreu
um grande baque em 2015 com a morte de sua esposa, a atriz Natasha Parry.
"Tentamos negociar com o destino dizendo: 'Traga ela de volta por apenas
30 segundos...'"
Em 2019, Peter Brook foi
homenageado na Espanha com o Prêmio Princesa das Astúrias das Artes, na
condição de "mestre de gerações". "Considerado o melhor diretor
teatral do século 20", Brook "abriu novos horizontes na dramaturgia
contemporânea, ao contribuir decisivamente para a troca de conhecimentos entre
culturas tão diferentes como as da Europa, África e Ásia", afirmou o júri
ao fundamentar a sua decisão.
RFI e AFP
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