A Constituição da República,
promulgada em 1988, estipula, para salvaguardar os princípios regentes da
Administração e promover o interesse público como norteador da atuação
governamental, a adequada organização e o funcionamento de um sistema de
controle interno em âmbito municipal...
... conforme determinado
em seu artigo 31, com atribuições fundamentais definidas no artigo
70: fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional
e patrimonial, quanto a legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das
subvenções e renúncia de receitas.
Assim, interessa a todos os cidadãos que as prefeituras contem com estruturação
adequada do seu controle interno, de modo a possuírem condições reais para
incentivar a eficiência, prevenir irregularidades, promover transparência,
zelar pela probidade e reduzir os riscos da nefasta corrupção, sempre tão
presente e renitente.
Para a concretização desse salutar propósito democrático, a tendência observada
em nosso país é a de organização do controle interno no formato de
controladoria-geral, a contemplar, em sua estrutura e atividades, as chamadas
"quatro macrofunções do controle interno": ouvidoria, auditoria,
correição e controladoria, essa a envolver as tarefas de promoção da
integridade, da transparência e da prevenção da corrupção.
Daí a importância de se considerar a experiência em curso na cidade de Ribeirão
Preto (SP), tida por muitos como a capital do agronegócio, e conhecer os
caminhos percorridos para a implementação de uma controladoria municipal, desde
a sua criação na lei local até as primeiras providências adotadas em
seus dois meses iniciais de funcionamento, com diagnóstico, atualizações
normativas e planejamento das atividades operacionais.
A Controladoria-Geral do Município de Ribeirão Preto (CGM-RP) foi instituída
pela Lei Complementar Municipal nº 3.062, de 29 de abril de 2021. Órgão inédito
na organização administrativa ribeirão-pretana, a CGM assumiu a atribuição de
unidade central do sistema de controle interno do Poder Executivo e compôs-se,
no seu organograma, de quatro departamentos, cada qual incumbido de uma
macrofunção do controle interno: auditoria-geral do município,
corregedoria-geral do município, ouvidoria-geral do município e departamento de
promoção da integridade.
Há, também, o conselho de controle interno do município, colegiado máximo de
deliberação da controladoria e investido do status de instância recursal final
para procedimentos correcionais e requerimentos de acesso à informação,
integrado pelos diretores de departamento da CGM-RP e presidido pelo
controlador-geral do município.
A citada norma municipal bem definiu as balizas institucionais para o
funcionamento da CGM, subordinando-a diretamente ao prefeito e contemplando-a
da prerrogativa de requisitar documentos, informações ou quaisquer providências
aos órgãos e entidades da Administração municipal direta e indireta, com
prioridade em sua tramitação, sob pena de responsabilidade funcional grave dos
responsáveis em caso de não observância do prazo fixado. Há requisitos de
formação, além da exigência de notório conhecimento e reputação ilibada, para o
provimento de todos os cargos em comissão e funções de confiança de direção da
CGM. controlador-geral, auditor-geral, corregedor-geral e ouvidor-geral devem
ser servidores públicos ocupantes de cargo efetivo e terão mandato de dois
anos, permitida uma única recondução por igual período.
Em 30 de junho, o prefeito Antônio Duarte Nogueira Júnior empossou a primeira equipe
dirigente da CGM-RP: o advogado Renato Cláudio Martins Bin, controlador e
corregedor-geral do município; a contadora Cibelle Maria do Amorim Ferreira,
auditora-geral do município; o técnico em contabilidade João Paulo de Brito,
ouvidor-geral do município; o advogado Óthon Castrequini Piccini, diretor do
Departamento de Promoção da Integridade. Compondo os recursos humanos do órgão,
há a secretaria de gabinete do controlador-geral, servidores públicos (agentes
de administração) na auditoria e na corregedoria, que também cooperam com o
Departamento de Promoção da Integridade, e sistemas terceirizados, sob a
supervisão da ouvidoria, contratados para a gestão de canais de comunicação com
o munícipe.
Em dois meses de trabalho, a CGM-RP concentrou-se em realizar diagnósticos
circunstanciados das respectivas áreas de atuação, com o objetivo de mapear as
demandas, providências e ajustes normativos ou operacionais necessários à plena
consecução de suas finalidades legais. Para tanto, o principal vetor foi a elaboração
do regimento interno da controladoria-geral do município, produzido a partir de
referências e parâmetros normativos da legislação federal e em instituições de
reputação global, observando-se comando expresso da LC nº 3.062/2021.
Aprovado pelo conselho de controle interno do município no último dia 11, o
texto-base do regimento interno da CGM-RP foi encaminhado para se tornar parte
integrante de decreto municipal, que lhe conferirá força regulamentar do topo
da hierarquia dos atos normativos secundários. Em formato inédito no Direito
Municipal brasileiro, o regimento interno da CGM-RP tem o condão de
disciplinar, num documento único, os procedimentos de auditoria, ouvidoria,
correição e integridade pública, proporcionando notável salto qualitativo ao
ordenamento jurídico.
No regimento interno, incorporou-se o método das três linhas de defesa, em
sintonia com as melhores práticas internacionais de controle interno, a
conferir perspectiva sistêmica e integrada ao controle interno, sob a
coordenação da CGM (terceira linha de defesa), com fulcro no artigo 169 da Lei
Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Para a Auditoria Geral do município,
trouxeram-se referências da Instrução Normativa nº 03
da Controladoria-Geral da União (CGU), de 9 de junho de 2017, das
Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) e das
Instruções nº 01/2020 do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP),
com a previsão de um Plano Anual de Auditoria Interna (Paint), bem como das
formas de apoio ao TCE-SP no processo de fiscalização das contas
anuais, monitoramento de alertas e cumprimento da Lei de Responsabilidade
Fiscal, partindo-se da estrutura e rotina de auditoria interna até então
existentes na Secretaria Municipal da Fazenda.
Para a ouvidoria-geral do município, previu-se a adequação dos fluxos
informacionais dos canais de comunicação com o munícipe aos trâmites da Lei
Federal nº 13.460, de 26 de junho de 2017 - Código de Defesa dos Usuários de
Serviços Públicos -, consolidou-se a plena supervisão do ouvidor geral sobre o
desempenho dos sistemas informacionais e de comunicação com o cidadão,
determinou-se a publicação da Carta de Serviços ao Usuário, estabeleceu-se o
conselho de controle interno do município como a última instância recursal para
requerimentos de acesso à informação - Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro
de 2011 -, e criou-se o Plano Municipal de Ouvidoria, a ser aprovado pelo
conselho de controle interno em um ano, e cujo conteúdo versará, dentre outros
assuntos, sobre transparência ativa e dados abertos.
Em relação à corregedoria-geral do município, o regimento interno
compatibilizou os procedimentos correcionais às classificações empregadas pela
Instrução Normativa nº 14, de 14 de novembro de 2018, da CGU, a saber,
sindicância investigativa, sindicância patrimonial, sindicância acusatória,
processo administrativo disciplinar e processo administrativo de
responsabilização. A LC nº 3.062/2021, além de criar as comissões permanentes
sindicante e processante e transferir as atribuições da Lei Anticorrupção à
CGM, já havia promovido alterações no Estatuto dos Servidores Públicos de
Ribeirão Preto - Lei Municipal nº 3.181/1976, que tornaram o conselho de
controle interno do município competente para apreciar recursos e autorizar a
instauração de processos administrativos disciplinares e de responsabilização
de pessoas jurídicas. A CGM-RP também iniciou estudos para viabilizar a
digitalização e tramitação eletrônica de sindicâncias e processos
administrativos disciplinares, em atendimento ao programa Prefeitura Sem Papel.
O Departamento de Promoção da Integridade, por sua vez, ficou regimentalmente
autorizado a formular programas de compliance para órgãos e entidades do
município, a partir de informes da auditoria-geral. É a unidade incumbida da
produção de normas técnicas da CGM, devendo estabelecer uma grade anual de
capacitação nos temas de controle interno e respectivas atualizações
legislativas nas áreas de Direito Público, Administrativo e Financeiro, além de
propor regulamentações da Lei de Proteção de Dados Pessoais e Lei do Governo
Digital. Coordenará a interlocução da CGM com instituições públicas de notória
expertise em controle interno, para fins de iniciativas cooperadas de
capacitação, intercâmbio de experiências e aprimoramentos institucionais.
No bimestre inaugural, a CGM-RP providenciou solicitação de adesão à Rede
Paulista de Controladorias Municipais (REPAC), encarregou-se da comunicação do
município com o Tribunal de Contas da União (TCU), no âmbito do
Programa Nacional de Prevenção à Corrupção (PNPC), e agendou visita técnica à
Controladoria-Geral do Município de São Paulo, a ser realizada no mês de
setembro. O site da CGM-RP também já é acessível ao público, pela página
oficial da prefeitura de Ribeirão Preto, sendo o veículo pelo qual o cidadão
poderá ter acesso às atas das sessões do conselho de controle interno do
município e acompanhar, na íntegra, os trabalhos desempenhados.
Portanto, à vista da experiência encontrada no município de Ribeirão Preto, a
implementação de uma controladoria municipal depende, antes de tudo, de
corretas premissas na sua lei instituidora: vinculação direta ao
prefeito municipal, exigência de requisitos técnicos para provimento dos cargos
e funções, previsão de mandato para seus dirigentes, prerrogativas e garantias
efetivas para a independência e autonomia técnica de seus membros, assim como a
centralização das macrofunções (auditoria, ouvidoria, correição e integridade
pública) nas atribuições da unidade de coordenação do sistema de controle
interno.
Essas providências demandam uma observação acurada do cenário jurídico local e
capacidade interpretativa do redator para atingir o intento de suprir lacunas,
promover atualizações e, ao mesmo tempo, conceber uma arquitetura normativa factível
à realidade administrativa do município, provendo disciplina concreta e eficaz
dos procedimentos a permearem a atuação da controladoria. Convém, também, ser
proativa na interlocução institucional, integrando-se às redes intermunicipais,
aos fóruns de debates, às iniciativas de capacitação e aos programas nacionais
de cooperação e prevenção à corrupção.
Centralização das macrofunções do controle interno e vinculação direta ao
prefeito, premissas corretas na lei instituidora, diagnóstico
circunstanciado, atualização normativa, disciplina de procedimentos,
interlocução institucional e transparência: essas são as palavras de ordem dos
primeiros passos para a implementação de uma controladoria municipal, e a
experiência de Ribeirão Preto bem ilumina esse virtuoso caminho.
Gustavo Ungaro é advogado, doutor e mestre pela USP, professor da Graduação e
Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho, vice-presidente da Comissão
Científica do Conselho Nacional de Controle Interno, membro da Comissão de
Direitos Humanos da USP, da Congregação da Faculdade de Direito da USP e da
Comissão Justiça e Paz de SP, foi controlador geral do município de SP, ouvidor
geral e corregedor geral do Estado de SP, dentre outras funções públicas
exercidas.
Óthon Castrequini Piccini é doutorando em Direito Financeiro pela FD-USP,
advogado licenciado, diretor do Departamento de Promoção da Integridade da
Controladoria Geral do Município de Ribeirão Preto/SP (CGM-RP), foi bolsista da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela qual
desenvolveu iniciação científica sobre o controle interno na administração
municipal.
Por Gustavo Ungaro Óthon Castrequini Piccini, na revista Consultor Jurídico
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