Não
faz sentido o banco, que tem elevado potencial de contribuição para o país, ser
tratado como uma sanfona, com vaivéns violentos de suas políticas.
Na esteira do boom das commodities, o BNDES desembolsou uma média anual de R$ 282 bilhões entre
2009 e 2015 (a preços de 2021, considerando uma inflação de 10% do deflator do
PIB em 2021), frente a R$ 145 bilhões/ano de 2001 a 2008, na mesma base de
preços. Essa política foi uma decisão de governo. Depois, houve uma mudança de
180 graus. Agora, está na hora de ter uma conversa sobre a instituição definida
como 'principal instrumento de execução da política de investimentos do Governo
Federal' (Artigo 23 da Lei 4595/1964), submetida a executar as políticas mais
díspares nos últimos 20 anos.
Cada uma dessas fases, individualmente, teve suas razões. No conjunto,
configuram uma atitude esquizofrênica - do país, não da instituição. Afinal,
qual deve ser o papel do banco? Uma instituição grande ou pequena? Banco de
financiamento, de serviços ou ambos? O que a sociedade espera dele? E, que
fique claro desde o começo: é um órgão que, sob o bordão de 'é preciso abrir a
caixa preta do BNDES', foi
objeto de uma gigantesca fraude intelectual,
perpetrada com fins políticos e que gerou sérios danos de imagem, com prejuízos
para a instituição em geral e para dezenas dos seus funcionários em particular.
A queda de uma marca
O BNDES foi, durante
anos, uma 'ilha de excelência'. Na década de 2010, porém, houve uma mudança
nessa percepção. Boa parte das críticas feitas ao BNDES, a rigor, eram voltadas para as políticas concebidas pelos
governos do PT, avalizadas pelas urnas e previstas em atos oficiais, diversos
deles com aprovação do Congresso. Muitos dos que questionavam o BNDES estavam querendo, na luta política,
denunciar as falhas do governo de então.
O fato é que essas políticas foram definidas com pleno amparo legal pelas
autoridades da época. O banco canalizou, durante um período histórico muito
específico, a raiva de parte da população, na suposição de que, ao se pesquisar
supostamente com mais atenção suas operações, seria descoberta uma espécie de
'matriz da corrupção'.
Aqui há pontos a considerar. Primeiro, o BNDES não começou em 2003: ao longo da história, ele teve um
papel chave como órgão financiador de atividades importantes no desenvolvimento do país. Segundo,
mesmo no século XXI, a ação do BNDES esteve
longe de ser focada apenas nos 'campeões nacionais': entre 2003 e 2015, por
exemplo, 74% da capacidade adicionada de geração elétrica foi financiada com
recursos do BNDES e,
em 2020, o banco passou a ocupar o segundo lugar no ranking da Bloomberg de
líderes globais em energia renovável. Terceiro, bancos de desenvolvimento (BDs)têm uma
função relevante, mesmo em economias desenvolvidas, corrigindo falhas de
mercado. Falhas de acesso ao crédito ou apoio a projetos com retornos sociais
maiores que os privados podem justificar a existência de BDs. O próprio banco
tem um histórico de sucesso de iniciativas de cooperativas que podem ser polos
importantes de desenvolvimento regional.
Além disso, a capacidade de atuação anticíclica está na natureza dessas
instituições. Ter tais bancos favorece a agilidade da resposta diante de
circunstâncias como as que vivemos na pandemia. Quarto, o BNDES ampliou muito, com os anos,
o acesso do público às suas informações, sendo hoje uma instituição totalmente
transparente na relação com a sociedade.
O mais importante, para quem zela pela ética, é que com oito anos de intensa
investigação da Polícia Federal,
do Ministério Público,
do TCU, da CGU, de quatro CPIs, das Comissões
Internas de Apuração e da imprensa, não apareceu um só indício de prática
de corrupção por parte
de um único funcionário do BNDES no
exercício de suas atividades profissionais no banco. Insisto: houve algum dos
funcionários em relação a quem tenha havido indícios de ter levado dinheiro
para aprovar um projeto? A resposta é categórica: nenhum. Não é 'apenas 2 ou 3'
ou 'só 1 ou 2' e sim, reitero: nenhum. Nada. Zero!
A importância do contexto e o caráter dual do BNDES
Há um elemento que precisa ser considerado em qualquer Julgamento: o contexto e
as informações disponíveis à época. As críticas à atuação do BNDES em meados da década passada
por vezes desconsideravam que as informações sobre atividades ilícitas de
algumas empresas financiadas não eram então de conhecimento público. Pode-se
questionar se emprestar para grandes empresas dos setores X ou Y deveria ser a
função de um banco de desenvolvimento.
Entretanto, do ponto de vista dos funcionários do BNDES incumbidos de realizar a análise das operações, não
havia elementos que levassem a invalidar esses financiamentos a empresas de
setores que eram citados na política industrial oficial. No momento em que as
operações foram originadas, primeiro, o banco seguiu seus procedimentos
de governança; e segundo,
na época nenhum elemento do aparelho de fiscalização estatal indicava sinais de preocupação ou reparos
em relação às operações que estavam sendo estruturadas. Só vários anos depois
aquelas empresas passaram a ser objeto de questionamentos legais.
O BNDES tem um caráter
dual, como órgão de Estado e de governo. Uma vez que o governo define as
políticas, cada funcionário, a despeito de suas preferências, deve seguir a
orientação oficial, desde que esteja em consonância com a legislação e melhores
práticas bancárias. Se há uma política de apoio às exportações, com
instrumentos de assunção de risco pelo Tesouro, não cabe a um indivíduo
questioná-la ao sabor de suas crenças. O mesmo vale para as políticas de
desestatização e desinvestimento em curso. O que cabe ao BNDES, a posteriori, é avaliar a
efetividade das ações para, tecnicamente, sugerir eventuais aprimoramentos das
políticas, se necessário.
O potencial
O BNDES tem um elevado
potencial de contribuição para o Brasil. A instituição tem 2, 5 mil funcionários
selecionados em concursos públicos disputados. Não há, entre eles, qualquer
traço de indicação política para o ingresso na instituição. Destaca-se também o
alto nível de expertise e conhecimento acumulado dos especialistas do banco nos
mais diversos ramos.
Na agropecuária, que virou um setor representativo na carteira do banco, com a
demanda crescente por alimentos da China e da Índia, a sustentabilidade se
torna uma oportunidade excepcional para o agronegócio, com grandes perspectivas
de apoio do banco. Na infraestrutura, o BNDES continuará a ser um financiador relevante, com prazos
superiores a 20 anos, em muitos casos. No estímulo às micro, pequenas e médias
empresas, o banco cumpre um papel para suprir as deficiências de acesso ao
crédito por parte desses segmentos e estimular a desconcentração bancária.
É importante, também, apoiar a inovação, através de instrumentos adequados. Se
as questões ambientais e de sustentabilidade forem peças centrais de um novo
modelo de desenvolvimento,
num futuro governo, o BNDES tem
tudo para ser um pivô das políticas públicas para caminhar na direção de uma
economia mais verde. Ainda recentemente, a instituição, como parte do desenvolvimento do mercado de
'títulos verdes', foi a primeira instituição financeira brasileira a emitir
Green Bonds no mercado internacional e a realizara primeira emissão de Letra
Financeira Verde no mercado doméstico, além de financiar o primeiro projeto
híbrido eólico-solar para avaliar um futuro regulamento de usinas híbridas.
Mesmo se o desembolso for menos importante que antes, quando financiava 80% ou
90% do empreendimento, ter o BNDES como
parceiro ou âncora do projeto, com participação menor no 'pacote' de apoio,
pode ser importante. Não apenas por se tratar de parcela expressiva de um
sindicato financeiro, como pelo que representa de endosso oficial, com a
chancela da análise técnica e o comprometimento do governo na iniciativa.
Trata-se de um ponto importante para convencer outros participantes a entrar no
financiamento. Tal mandato não difere em relação aos congêneres que atuam na
Europa ou na Ásia.
Adicionalmente, o BNDES tem
expertise para lidar, ao mesmo tempo, com temas do século XXI- como o
financiamento à 'internet das coisas' (IoT)-e com a 'agenda do século XIX',
como a solução da falta de saneamento. O BNDES pode ter um papel- como, de fato, já está tendo - tanto
como órgão de assessoramento das operações, como de financiador de novos
projetos, destinados a melhorar o abastecimento de água e a rede de esgotos.
Quando se pensa que, no Norte e no Nordeste, há estados nos quais a coleta de
esgoto cobre apenas 10% dos domicílios, as potencialidades de ter um tratamento
técnico no encaminhamento dessas questões por meio de concessões é óbvia. Nessa
função, o BNDES age
como articulador, atuando em nome do governo como agente de desenvolvimento, operando como fábrica
de projetos, banco de serviços e promotor de projetos nas mais variadas áreas.
O futuro - Uma ideia a pensar
O BNDES completará
sete décadas em 2022. É uma instituição que pertence ao país. Há políticas que
deveriam ser consideradas sob a ótica dos interesses do Estado, ficando menos
expostas ao pêndulo da história. Entre 1984 - quando ingressei nele - e 2021,
em 37 anos, o BNDES teve
26 presidentes da instituição, que passou por todo tipo de guinadas. Nesse
período, o BID teve quatro presidentes. Quatro! Em termos dos desembolsos
reais, o BNDES de 2010
era três vezes o BNDES de
2003 e, em 2021, deverá ser um sexto do de 2010. Considerando que em 2023
poderemos ter nova mudança de orientação governamental, está na hora de
discutir o que o país quer do BNDES.
Da mesma forma que o Congresso aprovou uma lei que concede autonomia ao Banco
Central, mesmo reconhecendo que empresas públicas estão sujeitas a um arcabouço
legal diferente, talvez caiba começar a debater uma 'Lei do Desenvolvimento', que defina o papel
do BNDES e das demais instituições
federais ligadas a esse propósito. Essa lei poderia apontar princípios da atuação
e estabelecer mandatos intercalados para a composição da diretoria, para
blindar as entidades contra oscilações extremas.
No caso do BNDES, nesse
cenário, ele ancoraria sua atuação numa visão pluralista, procurando considerar
as questões do interesse da sociedade. Além da governança, o que cabe discutir é: o que o Brasil quer dos seus
bancos públicos e como eles podem complementar o papel do setor privado? O
arranjo diferiria em relação ao atual, de supervisão quase exclusiva pelo
Executivo, cujos objetivos tendem a variar conforme o governo. Se houvesse um
presidente e um conjunto de diretores, cada um deles com mandato de quatro
anos, representando a federação, escolhidos com base em critérios de
competência e aprovados pelo Congresso, haveria uma linha de atuação legitimada
pelo Parlamento, que se manteria, com suaves correções em função de
modificações que fossem ocorrendo com o tempo, à medida que os mandatos
vencerem. A institucionalidade poderia envolver uma ampliação do instrumento de
prestação de contas ao Congresso, da forma estipulada na legislação.
Outros bancos de desenvolvimento,
como o KfW, possuem atuação com sistemas de governança específicos, prestando contas a instâncias
superiores. Vale a pena explorar essa ideia. Em face das mudanças de condução
política de 180 graus que o país tem tido e poderá vir a ter, o que não faz
sentido é o BNDES ser
tratado como uma sanfona, com vaivéns violentos de suas políticas e com seus
funcionários ficando expostos à execração pública, se acontecer de uma gestão
de governo, à qual serviram como burocratas weberianos, cair politicamente em
desgraça tempos depois.
Fabio Giambiagi, economista, é técnico do BNDES. As opiniões do artigo são de responsabilidade exclusiva do
autor e não representam a posição da instituição em que trabalha.
Por Fabio Giambiagi, Valor Econômico
- - - - - - -
|
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |
|
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |
|
Para saber mais sobre os livros, clique aqui. |
|
Para saber mais sobre a Coleção, clique aqui.
|
|
Para saber mais sobre o livro, clique aqui.
- - - - - -
No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui. O autor: No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui.
-----------
| Clique aqui para saber mais. |
| Click here to learn more. |
| Para saber mais, clique aqui. |
|