Às vésperas do envio da proposta de Orçamento de 2022, Ministério da Economia recebeu diversos alertas da Advocacia-Geral da União nos últimos meses sobre a execução de dívidas judiciais
O 'meteoro' de dívidas judiciais que 'surpreendeu' o
Ministério da Economia às vésperas do envio da proposta de Orçamento de 2022 já
vinha sendo alvo de alertas feitos pela Advocacia-Geral da União (AGU) nos
últimos meses, segundo documentos obtidos pelo Estadão/Broadcast. O impasse em
torno do crescimento explosivo dos chamados precatórios deflagrou um jogo de
empurra entre a equipe econômica e o órgão jurídico do governo.
Enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a despesa pegou a equipe 'de surpresa', integrantes da AGU afirmam que os riscos de execução das dívidas judiciais não só foram informados, mas estavam mapeados no anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Um dos documentos obtidos pela reportagem mostra que, em 19 de março de 2021, a AGU enviou um ofício à Secretaria do Tesouro Nacional 'para ciência e adoção de eventuais providências' diante da possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) emitir um precatório de R$ 8,5 bilhões em favor do Estado da Bahia em uma ação que questiona os repasses do Fundef, fundo para o desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério que vigorou até 2006. O texto alerta que o precatório poderia ser expedido ainda em 2021, ou seja, para pagamento em 2022 - o que de fato acabou ocorrendo.
Segundo apurou a reportagem, o mesmo ofício foi
encaminhado à Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e à Procuradoria-Geral da
Fazenda Nacional (PGFN), órgão jurídico da Economia. Alertas adicionais foram
feitos em 17 de maio e 14 de junho deste ano.
Outro documento mostra que, em 24 de novembro de 2020,
a AGU solicitou ao Ministério da Economia informações sobre valores antecipados
à Bahia para que pudessem ser descontados da dívida da União com o Estado.
'Tais informações são necessárias para fins de liquidação do valor devido pela
União', diz o ofício.
Na última terça-feira, 3, já sob críticas pela
proposta de parcelar o pagamento das dívidas judiciais da União, Guedes disse
que foi pego de surpresa pelo aumento nessa despesa, estimada em R$ 89,1
bilhões para 2022. O valor é 61% maior que os R$ 55,4 bilhões previstos para
este ano. 'Devo, não nego, pagarei quando puder', disse o ministro durante
evento, em uma declaração que repercutiu mal entre investidores.
O Estadão/Broadcast também teve acesso a dois
documentos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) da Economia, em que os
técnicos se manifestam sobre comunicado de possível expedição de precatório em
favor de Pernambuco (R$ 3,8 bilhões) e Ceará (R$ 2 6 bilhões). Nos ofícios, de
maio e junho de 2021, a área diz que a cobrança dessas dívidas 'elevaria o
risco de comprometimento da capacidade operacional de unidades administrativas
federais e de desobediência a normas constitucionais e legais voltadas à uma
gestão fiscal responsável, prejudicando o desenvolvimento de outras políticas
públicas'.
Desde 2019, técnicos da área fiscal do ministério da
economia já vinham alertado o então secretário especial de Fazenda, Waldery
Rodrigues, para o problema, que estava concentrado em outros temas com os
leilões de concessão para exploração de petróleo na área do pré-sal.
Fatura surpresa
Ao mostrar-se surpreso com a fatura, Guedes empurrou o
problema para a AGU, que não teria avisado com antecedência sobre o passivo
judicial que estouraria em 2022. A declaração gerou reação do órgão jurídico,
que emitiu nota dizendo que 'não houve qualquer atuação da AGU que pudesse ser
considerada aquém daquela necessária'.
Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o
Ministério da Economia disse que a conta de precatórios a ser paga no ano
seguinte é apresentada 'somente em julho' e que o valor de 2022 'foi, sim,
inesperado e atípico'. A pasta defende o parcelamento das dívidas como uma
'maneira perene e previsível' de lidar com essa questão.
O dinheiro do Fundef devido aos Estados responde por
R$ 15,6 bilhões do aumento dos precatórios em 2022, segundo dados do STF.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a Advocacia-Geral da União tentou buscar
acordos com os governos estaduais nesses processos, inclusive para fazer um
'encontro de contas', usando o dinheiro para abater dívida desses Estados com o
governo federal. Mas houve uma série de obstáculos, o maior deles a necessidade
de desenhar um acordo aplicável a todos os credores, sem vantagens para um ou
outro. Como alguns Estados credores não tinham dívida significativa com a
União, um acerto nessa direção ficou mais difícil.
Havia também um temor de que, em eventual
parcelamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) questionasse a demora para
repassar o recurso, que segundo a própria sentença do STF foi indevidamente
subtraído da educação nas últimas décadas. Outro obstáculo era a vinculação da
verba à educação, o que colocava entraves para negociar um 'desconto' na dívida
para pagamento à vista. Na avaliação de um integrante da AGU, apesar das
tentativas, o Fundef era um dos casos mais difíceis para obter acordo.
Dentro do órgão jurídico do governo, há o entendimento
de que o STF é mais 'benevolente' com Estados, que recorrem à Corte para
parcelar débitos com a União ou suspender pagamentos e são atendidos. O
desconforto, porém, veio com a sugestão feita pelo Ministério da Economia de
que não houve tentativa da AGU de propor solução ao problema.
A fonte cita que ainda há outros R$ 3,7 bilhões
devidos à Bahia e que a AGU ainda está questionando no STF por discordar do
cálculo feito pelo Estado. O valor é alvo de controvérsia e, se a União for
condenada, vai gerar nova fatura a ser paga em precatório, desta vez para 2023.
'Falhas'
Na área econômica, a avaliação é que há muitas
'falhas' a serem corrigidas, entre elas o acompanhamento mais tempestivo das ações
em que a União é derrota (e que estão crescendo), a obtenção de informações com
antecedência da AGU e a criação de regras para o pagamento, com parcelamento de
valores elevados, mas sem parecer algo 'casuístico', ou seja, com interesses
políticos.
Uma das motivações para o envio da PEC dos precatórios
é a necessidade de deixar espaço no Orçamento de 2022 para ampliar o programa
Bolsa Família, o que será peça-chave para as pretensões eleitorais do
presidente Jair Bolsonaro.
Segundo essa fonte da área econômica, é preciso tomar
cuidado para que o parcelamento não tire do radar das autoridades jurídicas o
aperfeiçoamento da defesa da União junto aos tribunais, nem das autoridades
econômicas a necessidade de planejar a despesa, sob pena de as prestações de
precatórios virarem uma 'bola de neve' impagável.
Entre as empresas que atuam no mercado de precatórios,
a defesa é para que o governo chame os credores dos precatórios para uma grande
negociação, como permite a legislação, sem a necessidade de uma PEC. Os
críticos avaliam que a PEC, se aprovada, cairá 'no dia seguinte' no STF, que já
manifestou o contrário. Guedes, porém, não tem simpatia pela negociação
proposta. O ministro defende a aprovação da PEC para o parcelamento dos
chamados superprecatórios com valores acima de R$ 66 milhões em 10 anos.
A interlocutores, o ministro tem dito que prefere leis
gerais, que garantam previsibilidade a essas despesas no futuro. Guedes prefere
não seguir o que foi feito pelos ministros das fazendas anteriores que fizeram
acertos de precatórios: Pedro Malan, Guido Mantega e Henrique Meirelles. A
crítica do ministro é que, toda vez que um precatório muito grande caiu 'na
cabeça' dos ex-ministros, eles fizeram acertos e empurraram o problema para
frente. A proposta agora é fazer uma regra para frente para ajustar a
capacidade de pagamentos sobre uma despesa que estava fora de controle.
Estadão Conteúdo, na Exame
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