Cadeia
negativa de acontecimentos climáticos penaliza a agricultura. Onda de frio e
seca históricas devem aumentar a inflação, afetar a posição do País no cenário
internacional e impactar o PIB deste ano
“Em 79 anos, eu nunca vi nada parecido”, diz Roberto Rodrigues,
coordenador do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Um
dos principais especialistas do campo brasileiro, ele se refere à cadeia
negativa de acontecimentos climáticos que atinge lavouras do Sul, do Sudeste e
do Centro-Oeste desde março. Primeiro, foi a ausência dramática de chuvas.
Depois, uma rara e intensa massa de ar frio que avançou sobre o País. “Uma
sequência de seca e geada nessa magnitude é raríssima de acontecer”, afirma o
ex-ministro da Agricultura, que prevê impactos significativos para a economia,
estruturada em torno do desempenho do agronegócio. “Os preços certamente vão
subir, afetando cadeias de fornecimento, chegando ao mercado internacional, mas
também ao bolso dos consumidores internos”, completa. As produções mais
atingidas são as do café, cana de açúcar e milho.
A surpresa dele, dessa vez, diz respeito à segunda onda de frio em menos de um
mês que atingiu algumas das áreas mais produtivas do Brasil. A primeira, no fim
de junho, fez com que 30% do café do Sul mineiro — uma das principais regiões
cafeicultoras do País — fosse perdido, segundo a Empresa de Pesquisa
Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Foram os maiores prejuízos desde a onda
histórica de frio que atingiu o Estado em 1994. Por causa disso, nas últimas
semanas, o preço da libra-peso do café tipo arábica chegou a subir mais de 30%
na Bolsa de Nova York. A massa polar atual, no entanto, é ainda pior. Para o
head da consultoria paranaense Funcional, Alexandre Mori, se a seca já havia
prejudicado cerca de 70% da produção local de milho, a geada pode destruir o
pouco que havia se mantido para as próximas safras. “Sem contar os efeitos
sobre outras culturas, como de frutas e hortaliças”. Com tudo isso, o
agronegócio, único setor do PIB que subiu em 2020 (2%), pode não sustentar um
novo crescimento neste ano. “São produções fundamentais para o agro. Quando vão
mal, o resultado geral é afetado”, diz o economista Alessander Vieira, da
consultoria mineira Exagro. Os impactos são vários: da inflação, que cresce com
a alta demanda de produtos mais escassos, até a ameaça de não conseguir
entregar as encomendas, o que muda a posição brasileira no jogo internacional.
Esta é a terceira — e mais intensa — massa de ar frio a atingir o Brasil neste
ano. Ela afetou primeiro o Sul, fazendo as temperaturas irem abaixo de zero em
áreas rurais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Em algumas cidades até
nevou. Depois foi a vez do Paraná. Então, o frio chegou ao Sudeste e ao
Centro-Oeste, as regiões mais produtivas do agronegócio. Antes da geada, todos
esses estados já vinham sofrendo com a falta de chuvas. “Foi um período que
lembrou secas históricas do País, como a dos anos 1960”, afirma Rodrigues,
relembrando a estiagem gravíssima que atingiu metade do País entre 1963 e 1964.
Essa onda de frio, somada aos estragos da seca, deixará um prejuízo que pode
chegar à casa dos bilhões. Só no Paraná, o Departamento de Economia Rural
(Deral) estima que a receita dos produtores de milho ficará R$ 11 bilhões menor
em 2021. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, declarou que o governo
ajudará os produtores prejudicados.
Prejuízos futuros - Mais do que a crise presente, a preocupação é que o
frio intenso prejudique as safras futuras. “A cana sentirá os efeitos adversos
do período atual pelos próximos três anos, no mínimo, porque se trata de uma
planta mais sensível”, argumenta o professor da FGV-SP. A agência de preços
britânica AgriCensus é mais pessimista, estimando que Estados como Paraná e o
Mato Grosso do Sul não terão capacidade de exportar milho já a partir de
setembro. Em Minas Gerais, parte da produção cafeeira ficará paralisada no ano
que vem, segundo o engenheiro agrônomo José Donizeti Alves, da Universidade Federal
de Lacras (UFLA).
As geadas vão impactar no bolso dos consumidores. Para Alexandre Mori, da
Funcional, as perdas nas lavouras de milho terão reflexos nos custos da
pecuária, que depende do grão para alimentar os animais. Em 2021, a inflação da
carne já é de 17,6%, segundo a consultoria LCA. A elevação também vai chegar às
gôndolas nos casos do açúcar e do café. É uma má notícia também para o governo
Bolsonaro, que contava com a retomada econômica puxada pela agricultura. “Fazia
tempo que não víamos uma sequência tão negativa para o setor. Os números do PIB
deste ano vão refleti-la”, finaliza Vieira.
Por Vinícius Mendes, Revista Isto é
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