Apesar do difícil quadro das contas públicas no Brasil,
alguns Estados e municípios têm perspectivas de ampliar a sua limitada
capacidade de investimento.
Contam, para tal, com recursos recebidos por concessões de serviços
delegados à iniciativa privada, caso, por exemplo, do Rio de Janeiro com a
privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Há ainda
situações em que os administradores públicos vão ter direito a compensações ou
reparações socioambientais bilionárias, como em Minas Gerais, a partir de
desembolsos feitos pela Vale como consequência da tragédia de Brumadinho, em
2019.
Só no Rio o Estado vai receber R$ 14, 4 bilhões pela concessão dos serviços da
Cedae, enquanto 29 municípios fluminenses terão â disposição R$7, 68 bilhões.
Os recursos serão pagos em três parcelas: em 2021, 2022 e 2025. Outros
prefeitos também podem se beneficiar, juntamente como Estado, caso a
relicitação do Bloco 3 da Cedae (Zona Oeste do Rio mais seis municípios), seêm
interessados no primeiro leilão, seja bem-sucedida.
O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), manifestou a intenção de usar os
recursos da Cedae para investir em obras de infraestrutura. Prefeitos da
Baixada Fluminense, na grande Rio, se mostram preocupados com a execução dos
projetos. Temem burocracia e exigências dos órgãos fiscalizadores do
Estado e da União.
As prefeituras, mesmo as mais sofisticadas em termos de gestão, têm limitações
para tocar sozinhas projetos complexos. Há no Brasil, historicamente, um
problema de má governança dos recursos, o que inclui falta de
planejamento, de programação, de bons projetos, de fiscalização ede
supervisão. Uma das piores coisas que podem acontecer a uma obra, seja ela
pública ou privada, é parar antes da conclusão, o que aumenta custos e prazos
previstos em orçamento.
O Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou essa realidade. Em 2018,
foram identificados mais de 38 mil contratos de obras com recursos da União,
sendo que desse total havia mais de 14 mil contratos, que somavam R$ 144
bilhões, 'paralisados'. Deficiência técnica, problemas no fluxo orçamentário e
financeiro e abandono das obras pelas empresas contratadas foram algumas das
razões apontadas para essa 'paralisia'.
Especialistas dizem que falta aos municípios condições para elaborar projetos
de qualidade, o que também é um fato para alguns Estados. Não adianta ter
dinheiro se não conseguir usá-lo de forma eficiente. O desafio é como evitar o
desperdício de dinheiro público. Até porque não há muitas oportunidades de
venda de grandes ativos estatais como a Cedae.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
deve apoiar mais os municípios na estruturação de projetos a partir de 2022. O
banco tem conhecimento nessa área e presta serviços nas três esferas: União,
Estados e municípios.
Pelo porte, porém, o BNDES está acostumado a fazer grandes operações,
o que se reflete na carteira do banco, hoje mais concentrada na União e nos
Estados e menos nos municípios. Os investimentos previstos pelo banco na área
de serviços somam R$273, 2 bilhões. O número considera investimentos em
projetos e o pagamento de outorgas por concessões que o BNDES vem
modelando, desde 2019, para a União, Estados e municípios na área de
infraestrutura socioambiental, o que inclui parques florestais, educação, saúde
e segurança pública.
Na modelagem de projetos, o banco tem privilegiado, sempre que possível, um
desenho que estimula o investimento direto pela empresa privada, como
concessionária, ou a modicidade tarifária no lugar da outorga (pagamento feito
no ato da privatização). O banco entende que assim pode gerar maior eficiência
na ponta uma vez que o recurso investido, no fim, vai para o usuário, via
desconto de tarifa, ou mediante a realização de obras de infraestrutura, das
quais o Brasil é tão carente.
A ideia do BNDES é replicara experiência bem-sucedida de modelagem de
concessão dos parques florestais para outros setores, com ênfase na agenda
social, incluindo as áreas de educação e saúde. Na visão do banco, porém,
trata-se de um esforço de longo prazo (dez anos ou mais) que não deve sofrer
interrupção e precisa envolver outras instituições, entre as quais estão os
bancos regionais de desenvolvimento.
'Acreditamos muito nesse trabalho como estruturador de projetos para
atrair recurso privado e permitir o bom uso do dinheiro público', diz Sergio
Gusmão Suchodolski, presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas
Gerais (BDMG). Ele afirma que o banco vem oferecendo serviços de estruturação
de projetos para municípios levando em conta recursos que estão chegando dentro
acordo firmado entre autoridades de Minas Gerais e a Vale no caso Brumadinho. A
mineradora fechou no começo deste ano acordo de R$ 37, 7 bilhões para compensar
e reparar a tragédia de Brumadinho, ocorrida em janeiro de 2019. A Assembleia
Legislativa de Minas Gerais aprovou este mês projeto de lei que autoriza o uso
pelo governo de R$11 bilhões do acordo com a Vale. Uma emenda ao projeto do
governo prevê a transferência direta de R$ 1, 5 bilhão aos municípios.
O presidente do BDMG diz que o uso de bancos de desenvolvimento para
estruturar projetos permite combinar dinheiro público e privado. Se traz assim
o setor privado para participar dos projetos, mas é preciso ter regulação
adequada para garantir a operação dos serviços com qualidade, diz.
O consultor Claudio Frischtak, especialista em infraestrutura, tem proposta para
garantir a boa aplicação do dinheiro público. Ele defende que os municípios
favorecidos por um 'choque' positivo de caixa a partir de eventos como o da
concessão da Cedae deveriam constituir três tipos de fundos - de desenvolvimento econômico,
territorial e ambiental e social -, e aportar neles os recursos recebidos. A
maior parte do dinheiro seria preservado com visão de longo prazo, mas o gestor
pegaria um percentual para gasto imediato. A gestão dos fundos seria feita pelo BNDES e,
depois, o banco faria concorrência para selecionar gestores, que liberariam
somente o retorno das aplicações para investimento em projetos. Seria uma forma
de perenizar os recursos pensando em gerações futuras, diz Frischtak.
Francisco Góes, Valor Econômico
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