A compra de empresas de diversos setores por gigantes de tecnologia no Brasil vai exigir uma análise regulatória mais abrangente para evitar impactos nocivos na economia, disse o presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Alexandre Cordeiro.
"Isso
nos preocupa de várias formas, porque pode aumentar os poderes de grandes
grupos de ditar preços, mudar condições de oferta e arrefecer a economia",
disse Cordeiro nesta segunda-feira em entrevista à Reuters.
A
autarquia também está atenta a movimentos de grandes investidores financeiros
comprando participações em empresas menores ou que compram startups inovadoras
com objetivo específico de eliminar a concorrência, interrompendo os processos
de inovação, estratégia chamada no jargão do mercado de "killer
acquisitions".
Os
comentários de Cordeiro, que assumiu na semana passada para um mandato de
quatro anos à frente do órgão antitruste, vêm na esteira de uma onda de
aquisições lideradas por negócios digitais no país, que cresceram velozmente
diante dos efeitos do isolamento social.
Na
quinta-feira foi anunciada a compra do ecommerce de tecnologia e videogames
Kabum! pelo Magazine Luiza, a 21ª aquisição feia pela companhia em pouco mais
de um ano. Além do Magalu, grupos como Lojas Americanas, Via Varejo, Mercado
Livre e Amazon têm desenvolvido rapidamente amplas estruturas intersetoriais de
logística, de serviços financeiros e de software organicamente ou com
aquisições.
"A
preocupação com a formação de conglomerados hoje é maior, porque as big techs
entram em áreas que não entravam antes", acrescentou Cordeiro, que é
advogado e economista.
Mas
segundo ele, embora o Cade tenha analisado no primeiro semestre um volume de
aquisições 33% superior ao da mesma etapa de 2020, o órgão não detectou conduta
anticompetitiva derivada dos efeitos da crise. Ele conta que, quando começou a
pandemia, a autarquia previu que poderia haver um salto em pedidos de falência
ou recuperação judicial e que muitas empresas domésticas poderiam ser compradas
por estrangeiras, o que não aconteceu.
E
até certo ponto, disse, o Cade não deve atuar para conter a concentração de
mercado, a não ser que isso implique abuso de poder econômico.
"Há
uma tendência mundial de concentração em alguns setores, o que não
necessariamente é ruim", afirmou Cordeiro. "Alguns mercados trabalham
melhor com três do que com seis empresas e o mais importante não é o tamanho,
mas a rivalidade entre elas."
Cordeiro
afirmou que o Cade deve ter atuação diferente da que tem sido exercida por
autoridades de defesa da concorrência em regiões como Europa e Estados Unidos,
que têm submetido big techs como Amazon, Google e Facebook, a multas pesadas,
obrigando-as a abrirem maior espaço para rivais ou mesmo avaliando exigir a
cisão de alguns ativos.
"Eu
tenho uma preocupação muito grande com mercados muito regulados", afirmou
Cordeiro, alegando que o Cade deve intervir até o limite para garantir a
concorrência, evitando o risco de inibir o crescimento do mercado e capacidade
de inovação.
Ele
acrescentou que órgãos antitruste em algumas geografias têm uma maior
competência para atuar, eventualmente abrangendo análises que não envolvam
unicamente a concorrência.
"A
decisão de outras jurisdições que têm essa característica mais intervencionista
vai cair num paradoxo", afirmou Cordeiro.
"Quando
alguém ganha market share por eficiência, não há ilícito concorrencial",
alegou. "Se a empresa ganhar mercado por eficiência e o governo pode
obrigá-la a se cindir, o recado vai ser: não cresça! "O Cade não vai
seguir esses modelos", acrescentou.
Em
vez disso, Cordeiro citou casos recentes de atuação do Cade como exemplos de
uma atuação mais preventiva e objetiva, como o da parceria entre Cielo e
WhatsApp em pagamentos, momentaneamente barrada em 2020, até que as empresas
conseguissem dirimir questões sobre limitação à concorrência.
Em
outro caso, em maio, o Cade proibiu o maior aplicativo de entrega de refeições
do país, iFood, de fazer novos contratos que exigissem acordo de exclusividade
de restaurantes parceiros.
Cordeiro
assumiu o comando do Cade nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro, semanas após
o órgão abrir investigação sobre eventual abuso no mercado em contratos de
exclusividade em contratos de TV do grupo Globo, que Bolsonaro tem como
inimiga.
O
presidente da autarquia rechaçou a hipótese de que o caso leve parte do mercado
a enxergar a autarquia agindo como instituição de governo, em vez de um órgão
de Estado.
"Estou
no Cade há sete anos e passei por diferentes governos", argumentou
Cordeiro, que chegou ao órgão em 2015 sob indicação da ex-presidente Dilma
Rousseff.
Segundo
ele, o Cade investiga indícios de abuso de posição dominante do grupo Globo e o
caso passará pelo julgamento de sete conselheiros do órgão.
"Por
envolver quem envolve, o caso acaba ganhando repercussão", avaliou ele,
acrescentando que a empresa poderá se defender e, se conseguir provar que não
houve abuso de poder, o Cade arquivará o processo.
Por Aluisio Alves, Reuters
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