A nova onda dos gestores - A indústria de fundos dobrou em cinco anos e viveu seu melhor semestre no início de 2021. Novas gestoras e novas estratégias das casas tradicionais mostram que a sofisticação não vai parar
Faria Lima e Leblon são o epicentro de uma revolução que não para no
Brasil. A avenida da capital paulista e o bairro carioca simbolizam o mercado
financeiro brasileiro por concentrar o endereço dos profissionais que fazem
essa roda girar.
A indústria de fundos brasileira alcançou em junho nada menos do que 6,6
trilhões de reais sob seus cuidados, mais do que o dobro dos 3,2 trilhões de
reais há cinco anos, no mesmo mês de 2016.
Nos seis primeiros meses deste ano, a captação de recursos alcançou um
volume recorde para um período de seis meses. Foram 206 bilhões de reais, 25%
mais do que a marca histórica anterior, registrada em 2019.
Os gestores dessas duas regiões decidem todos os dias como cuidar de uma
riqueza que é quase um Brasil inteiro. O produto interno bruto (PIB) nacional
foi de 7,4 trilhões de reais no ano passado.
Se o total de investidores diretos na bolsa explodiu, e já passa de 3,8
milhões de contas em corretoras, o mesmo vale para os fundos, com o detalhe que
a base aqui é muito maior.
Há cinco anos, havia 11,6 milhões de contas para aplicações em fundos e
agora já são 28,3 milhões. Esse número indica que há mais e mais pessoas
aplicando em fundos e em uma variedade cada vez maior de companhias.
Somente de janeiro de 2020 a maio deste ano, nada mais do que 166 gestoras
de recursos foram abertas — e 61 encerraram suas operações, de acordo com dados
da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
(Anbima). São 105 novas casas em 15 meses, uma média de seis inaugurações
mensais. O total no país subiu de 650 para 755.
Isso tem uma razão de ser, mesmo com pandemia, incerteza política e risco
de uma inflação mais consistente mundo afora. O Brasil passou a ser um país
considerado economicamente estável e com taxa de juro de um dígito — que chegou
aos impensáveis 2% ao ano. Uma legião de órfãos dos rendimentos da Selic se
formou e acelerou uma diversificação das aplicações.
A bolsa, com volatilidade gerada pela pandemia e uma infinidade de novas
empresas, trouxe um mar de oportunidades. Em março do ano passado, o Índice
Bovespa foi a 63.000 pontos e agora já navega em níveis recordes, acima dos
127.000 — indicando que a recuperação da atividade vem com força, se nada
atrapalhar.
A leitura é que nem a alta dos juros, que podem fechar dezembro em 6,5% ao
ano, muda o que o brasileiro já aprendeu sobre investimento. Pelo menos não
enquanto os juros continuarem de um só dígito e a recuperação seguir forte. O
mercado brasileiro está conquistando não só tamanho mas especialização. O
cenário inclui o aumento e o fortalecimento de gestoras independentes dos
grandes bancos.
Rubens Henriques, o ex-chefe da gestora de recursos do Itaú, que tem cerca
de 700 bilhões de reais em recursos aplicados, é o retrato integral de todas
essas tendências. Ele deixou uma das instituições líderes de mercado para
fundar o próprio negócio, a Clave. Sua empresa começa grande para padrões
independentes, com 3,5 bilhões de reais sob gestão.
O valor é a soma do que já captou desde a largada de seus produtos em
junho, mais o patrimônio que virá de uma associação com a gestora Vintage e
mais um aporte de recursos do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da
EXAME).
“É lógico que tudo isso é reflexo de uma combinação de fatores, que
incluem a queda da Selic e a tecnologia, mas que tem como motor algo de que se
fala menos: o protagonismo do cliente. Não existe mais espaço para não fazer o
melhor para o cliente”, diz Henriques.
“Acontecerá aqui o que se vê nos Estados Unidos: os maiores volumes de
dinheiro estarão fora dos bancos, nas mãos das casas independentes, que vão
ampliar a gama de produtos.” Lá, no maior mercado de capitais do mundo, os três
maiores não estão vinculados a nenhuma instituição financeira: BlackRock,
Vanguard e Fidelity estão no topo da lista, cada qual com seus vários trilhões
de dólares sob gestão.
Sara Delfim, que fundou a gestora Dahlia Capital em 2018, destaca que os
agentes autônomos, e a difusão dessa profissão, tiveram papel fundamental no
crescimento da indústria de fundos.
Em três anos, a Dahlia alcançou nada menos do que 13 bilhões de reais sob
seus cuidados. “Há cada vez mais informação e conteúdo disponíveis para o
investidor, e as pessoas percebem que hoje deixar aplicações no CDI é perder
dinheiro.” Esses elementos também ajudam os investidores a perder o medo e a
perceber que os fundos são menos voláteis do que os mercados. “Não é porque a
bolsa cai 50% que os fundos vão perder isso”, diz Delfim, uma das raras mulheres
a fundar o próprio negócio nesse ramo.
O movimento não apenas atrai novas gestoras mas fortalece aquelas que já
consagraram sua estratégia, como é o caso da Constellation, de Florian
Bartunek, criada há mais de 20 anos para gerir o dinheiro pessoal do trio 3G,
de Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.
Quando a casa, especializada em análises fundamentalistas, abriu seus
fundos nas plataformas de investimento, em 2017, o total gerido estava em 3,3
bilhões de reais. Em menos de quatro anos, portanto, multiplicou seu saldo por
6.
“O brasileiro tem compreendido melhor que retorno maior envolve mais
risco”, diz Bartunek, destacando que o país vive agora o que ocorreu há muitas
décadas no mercado internacional. “É um momento muito especial, de migração de
portfólio e aumento da exposição às aplicações em ações e outros ativos, em
busca de rendimentos maiores.”
Tudo isso tem um efeito enorme sobre a economia do país. Quando esses
gestores alocam as aplicações, levam o dinheiro do poupador até a economia
real. O recurso que durante anos financiou o estado brasileiro — com a compra
de títulos públicos, devido à Selic historicamente alta — agora vira
combustível para companhias fazerem investimentos.
“Quando o brasileiro investe em fundos imobiliários, ou em uma carteira
dedicada a energias renováveis, por exemplo, fica muito mais atento e
preocupado com as políticas públicas. Acompanha com mais atenção a reforma
tributária e outros debates”, destaca Bartunek. A sociedade, como um todo, fica
mais atenta ao país e ao governo.
Inovação A disputa pelo bolso do cliente resulta também em inovação.
Fundada em 2006 por Luis Felipe Amaral, a Equitas Investimentos, uma gestora de
5 bilhões de reais dedicada à renda variável, pediu à Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) o registro para fazer uma oferta pública inicial (IPO) de um
fundo de ações misto: venture capital, ou seja, investimento em startups ainda
fechadas, e ações de empresas já listadas na B3.
Trata-se de uma estrutura conhecida como crossborder e que ainda não
existe por aqui. Na prática, o modelo vai tornar a aplicação cada dia mais
cobiçada em startups um produto acessível para quem tem pelo menos 1 milhão de
reais em investimentos — hoje só os profissionais, ou seja, com mais de 50
milhões de reais, têm acesso a empresas fechadas, por meio de fundos
dedicados.
Além de trazer investimentos para empresas abertas e fechadas, a
sofisticação da indústria de fundos deve aumentar a oferta de crédito às
companhias. Exemplo disso é a Galapagos, gestora de recursos fundada por Carlos
Fonseca, ex-sócio do BTG Pactual.
A casa colocou o nariz na rua há um ano. Além da gestão de patrimônio, que
cuida de 2,3 bilhões de reais, completou seu primeiro bilhão nos fundos
tradicionais. Entre os diferenciais da proposta está não ter concentração em
nenhum mercado específico. Há um time que avalia e concede crédito dentro de
casa — dessa forma, o investidor acessa o tão desejado retorno de emprestar
dinheiro sem dividir com ninguém na cadeia financeira.
Mais de 400 milhões de reais foram alocados dessa forma. Evitar a
comparação com o mercado americano é impossível. “Lá, entre 65% e 70% do
crédito está fora do sistema financeiro tradicional, ou seja, dos bancos”, diz
Fonseca.
Por Graziella Valenti, Rodrigo Caetano,
Marcelo Sakate, Karla Mamona, Marília Almeida, Bianca Alvarenga, Revista Exame
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