Estimativa
aponta que até 2050 os incentivos ao modelo em que os consumidores instalam o
próprio sistema de energia podem chegar ao valor de R$ 500 bilhões; quantia
equivale a quatro anos do Bolsa Família para 15 milhões de brasileiros
São Paulo - A expansão da geração distribuída -
modalidade na qual consumidores instalam seu próprio sistema de produção de
energia, normalmente painéis solares - pode provocar um impacto bilionário na
conta de luz nos próximos 30 anos, de pelo menos R$ 135 bilhões em subsídios
acumulados, trazidos a valores atuais, caso o projeto de lei 5.829/2019, em
discussão na Câmara dos Deputados, seja aprovado. A estimativa é das
consultorias PSR e SiglaSul. Em valores nominais, o valor chegaria a cerca de
R$ 500 bilhões até 2050, sem contar os impostos.
Segundo o diretor-presidente da PSR, Luiz Augusto Barroso, a estimativa pode
ser considerada um piso, uma vez que projeções de crescimento da modalidade em
todo mundo e também no Brasil têm se mostrado conservadoras diante da efetiva
expansão exponencial desses sistemas. O montante, destacou, equivale a quatro
anos do Bolsa Família para 15 milhões de brasileiros, ou valor suficiente para
pagar por três anos um auxílio emergencial de R$ 258 para 46 milhões de brasileiros.
O cálculo leva em conta a previsão de crescimento da geração distribuída
seguindo as projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que apontam para
uma capacidade instalada de 28,5 GW de sistemas de geração distribuída em 2030,
chegando a 34,7 GW em 2050, quando a potência seria suficiente para atender a
cerca de 7% do mercado cativo.
O valor estimado considera, também, a diferença entre a proposta apresentada do
PL 5.829/201, apresentado pelo deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG)
e que está para ser votado, e uma proposta com a retirada dos subsídios.
Os números foram apresentados hoje em evento virtual do qual participaram
representantes de diversos grupos de interesses dos consumidores, como o
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Conselho Nacional de
Consumidores de Energia (Conacen), Associação Brasileira dos Grandes
Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), Associação Nacional dos
Consumidores de Energia (Anace), além da Associação Brasileira de Distribuidores
de Energia Elétrica (Abradee) e da Associação Brasileira de Distribuidoras de
Energia de Menor Porte (Abrademp). Na evento, os participantes apresentaram o
slogan "A energia só é limpa se for justa" e a hashtag
#repenseosubsídio.
A intenção é buscar um debate mais amplo sobre a legislação proposta e em vias
de votação, que é objeto de pedido de urgência. Segundo o presidente da Abrace,
Paulo Pedrosa, o projeto de lei que está sendo discutido no Congresso não
atende o objetivo de garantir competitividade ao País, permite a captura de
benefícios por determinados grupos, e "não está maduro para ser
votado".
"Sabemos que o deputado escutou o setor, escutou todos nós, escutou Aneel,
o TCU, o Ministério de
Minas e Energia e o Ministério da Economia, mas não levou em consideração o que
escutou", afirma Pedrosa. "O projeto atual, apesar dos alertas que
todos esses interlocutores fizeram, provoca de maneira equivocada a
concentração de renda do setor, e precisamos de um setor de oportunidades, e não
de um setor de oportunismo."
Compensação
Atualmente, os sistemas de geração distribuída (GD) funcionam pelo modelo de
compensação (net metering), em que o volume de energia produzido e não
consumido é injetado na rede de distribuição e posteriormente utilizado, nos
momentos em que não há geração suficiente pela GD, cobrindo custos totais dos
serviços de distribuição, incluindo as parcelas de custo da rede e encargos.
Com o aumento do número sistemas de GD, há uma menor arrecadação tarifária por
parte das distribuidoras, levando a uma necessidade de redistribuição dos
custos fixos associados à rede e aos encargos para consumidores que não possuem
geração distribuída, no que corresponde a um subsídio cruzado. "Esse
conceito leva a uma espiral da morte", comentou Barroso, citando que o
custo adicional redistribuído aos consumidores provoca um aumento geral das
tarifas que resulta em maior competitividade dos sistemas, levando novos
contingentes de consumidores a investir nos sistemas de autoprodução.
Para a PSR, apenas a parcela da conta de luz correspondente efetivamente ao
custo de energia deveria ser utilizada na compensação, enquanto os componentes
relacionados aos custos da rede e encargos deveriam ser cobrados dos detentores
de sistemas de GD.
Essa proposta chegou a ser discutida pela Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) quando a autarquia propôs revisão das regras que regem esse modelo
(Resolução 482), a chamada alternativa 5. A indicação foi, no entanto, motivo
de fortes críticas por parte do segmento de GD e fez os empreendedores em mini
e micro usinas solares se mobilizarem em torno do mote "taxar o sol,
não", que ganhou apoio do presidente Jair Bolsonaro e provocou a
interrupção das discussões na Aneel e uma mobilização de parlamentares em torno
de uma legislação para o segmento.
"Há uma conhecida ineficiência na estrutura de incentivos do mecanismo
atual do net metering, essa estrutura de incentivos não é a solução adequada,
tão pouco a necessária, para o desenvolvimento da mini e microgeração", disse
Barroso.
Ele salientou que considera que a geração solar seguirá como "grande opção
ao consumidor solar", mas afirmou que é possível fazer os investimentos em
geração distribuída com rentabilidade "boa", sem a existência de
subsídios. "Hoje o mundo inteiro desenvolve renováveis sem existência de
subsídios", disse.
Alta
renda
O coordenador de energia do Idec, Cláuber Leite, apresentou estudo realizado
pelo instituto procurando mostrar que o subsídio à GD corresponde a um
"Robin Hood às avessas", uma vez que acaba beneficiando consumidores
residenciais, comerciais e industriais que não precisariam do benefício.
Ao cruzar dados da Aneel com informações do IBGE e da Receita Federal, a
instituição constatou a presença mais significativa de sistemas de geração
distribuída em regiões nobres das principais capitais brasileiras, chegando a
31% em São Paulo e 42% em Belo Horizonte, enquanto as áreas mais pobres
respondem por respectivamente 4% e menos de 1%. "Isso demonstra que as
instalações estão sendo feitas em bairros mais ricos, onde não necessariamente
esses optantes precisariam desse subsídio, e quem precisaria não está
tendo", disse Rocha, citando que o subsídio cruzado acaba pesando para as
famílias mais pobres, que em média comprometem 4% do orçamento com energia.
No caso de projetos empresariais, 20% da potência instalada por pessoas
jurídicas (ou 10% de toda a capacidade de GD instalada no País) pertence a
empresas com capital social superior a R$ 100 milhões. "O subsídio cruzado
custeado pelas tarifas dos consumidores de energia elétrica tem servido mais como benefício a grandes
empresas do que como incentivo a pequenos empreendedores", disse
Pedrosa, da Abrace, também considera que os subsídios à GD e o projeto de lei
proposto são "concentradores de renda". "Ele retira a renda do
conjunto de consumidores da sociedade, pelo aumento do custo da produção
nacional e pelo aumento do custo da energia, e concentra renda em segmentos da
sociedade, juntamente dos consumidores residenciais de mais alta renda - A e AA
, onde estão 90% dos beneficiários da geração distribuída, cada um deles
recebendo entre R$ 10 e R$ 18 mil por ano de subsídios - e segmentos da
economia, grandes corporações de bancos, do comércio varejista, que através da
geração distribuída ampliam seus resultados em um modelo que não leva à
eficiência no setor", disse.
O presidente da Abradee, Marcos Madureira, salientou que, com o aumento das
tarifas dos consumidores, com maior pressão para os consumidores de mais baixa
renda, há um impacto do aumento da inadimplência, além de problemas de fluxo de
caixa das distribuidoras.
"O modelo que propomos é pagar pelo uso da rede, pagar pelos encargos
correspondentes e excedente de energia ser comercializado, de forma competitiva
dentro do mercado, tudo está em linha com modernização que está acontecendo no
mundo inteiro. Permanecer com condições tratadas dentro do projeto de lei,
caminha para perpetuar reserva de mercado para determinado grupo que vai
continuar mantendo subsídio elevado", reforçou.
Por Luciana
Collet, em O Estado de S.Paulo
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