Paulo Guedes e
equipe econômica tentam convencer o Planalto a vetar trechos da peça aprovada
pelo Congresso, com um nível de despesas muito acima das receitas. Aliados do
governo acusam ministro da Economia de ter se omitido durante as negociações
A peça orçamentária de
2021 aprovada pelo Congresso Nacional, na semana passada, coloca em xeque a
atuação da equipe econômica do governo e do ministro da Economia, Paulo Guedes.
O ministério da Economia tenta reverter o estrago deixado pelos parlamentares,
que reduziram verbas para gastos obrigatórios e, em contrapartida, aumentaram
os recursos destinados a emendas de parlamentares. Nesse impasse, o presidente
Jair Bolsonaro precisa decidir: vetar o texto para abortar um eventual processo
de impeachment por crime de responsabilidade fiscal, ou sancionar a medida e
evitar uma briga com a base de sustentação no parlamento, notadamente o Centrão.
Além do mal-estar instalado, Guedes e seus subordinados perderam pontos com o
Legislativo, que acusa o ministro de não ter participado das discussões sobre o
Orçamento e permitido toda a confusão. Caso Bolsonaro decida vetar parcialmente
o documento, alguns parlamentares afirmam que o governo precisará apresentar
boas razões para que mudem o seu posicionamento sobre a redação final do
Orçamento. No Congresso, 346 deputados e 60 senadores votaram pela aprovação do
texto sem qualquer objeção de líderes do governo nem da equipe econômica.
O economista Geraldo Biasoto, professor aposentado da Universidade de Campinas
(Unicamp) e doutor em economia pela instituição, afirmou que não há como chegar
a um meio termo, deixando sem veto alguns pontos apenas para agradar os
parlamentares. Ele disse que o presidente precisa vetar trechos, citando o fato
de a peça não prever algumas despesas que são obrigatórias, como gastos com a
Previdência, além de ampliar o montante previsto para emenda parlamentar.
"É um orçamento de ficção. Ficaram meses para aprovar uma peça que, de
fato, é de ficção. Não há dinheiro que pague todas as despesas que estão ali; e
existem outras que são obrigatórias, mas não estão previstas. Estão fazendo uma
presepada no Brasil que é inacreditável. O presidente tem que vetar",
afirmou.
Nesta semana, o relator do Orçamento, senador Marcio Bittar (MDB-AC), informou
ao governo que reduziria em R$ 10 bilhões o volume de emendas parlamentares que
havia criado, abrindo espaço para outras despesas. Secretário-geral da
Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco contabilizou R$ 46,3 bilhões em
emendas parlamentares. Com a retirada, o valor passaria para R$ 36,3 bilhões.
Biasoto não tem dúvida de que o Orçamento, mantido como está, provocará grande
insegurança no mercado. E este clima se reverte em menos investimentos. "O
presidente tem articulação no Congresso, tem partidos, aliados. Deixar chegar
aonde chegou é um absurdo monumental. Os dois (Congresso e presidência) têm
culpa. É um crime com a nossa política econômica", criticou.
Teto
de gastos
Biasoto pontuou ainda que é preciso redefinir o teto de gastos, retirando as despesas
com a Previdência para evitar que o restante da máquina pública fique
comprometido. Ele frisa que, por outro lado, a regra de ouro, que impede o
governo de contrair novas dívidas para bancar despesas correntes (como salários
de servidores e previdência), é extremamente valiosa, mas está sendo mal
avaliada há anos.
Líder do PSL na Câmara e ex-líder do governo, Major Vítor Hugo (PSL-GO) afirma
que sempre há uma "pressão" da Economia contra algumas medidas
aprovadas pelo Legislativo que não atendem às expectativas da equipe econômica.
Guedes e seu time alertam que Bolsonaro poderia incorrer em crimes de
responsabilidade. "Há divergências naturais entre os ministérios do
governo que seguram o cofre e os que são finalísticos. Mas essa contraposição
tem que ser solucionada dentro do parlamento, que faz o sopesamento entre as
duas necessidades. Às vezes, quando a equipe econômica não se vê contemplada,
cria algumas narrativas que podem retirar a real visão sobre esse equilíbrio
que é necessário não só para o governo, mas para o país", afirmou.
Segundo o deputado, a decisão do Congresso foi acompanhada pela equipe
econômica. Ele garante que as lideranças do governo informaram a base de que
havia um acordo com o governo para aprovar o Orçamento, e que todos votaram o
documento nesse sentido. "De todo modo, a responsabilidade final do
Orçamento é do Congresso Nacional. Nós vamos fazer uma análise com muito
cuidado, entendendo as motivações que podem levar o presidente a vetar a
matéria, e as intenções dele em relação ao orçamento do Brasil e as relações
com o parlamento", disse.
Para o deputado Vinicius Poit (Novo-SP), líder do partido na Câmara,
dificilmente o presidente ficará do lado de Paulo Guedes. "Não tenho
otimismo com a atitude do governo sobre o Orçamento. Mas a gente vai trabalhar
duro, apontar a solução e esperar o parecer do TCU (Tribunal de
Contas da União). Aí, ou o governo arruma ou pode ser caracterizado como
pedalada fiscal. Esse seria o caminho certo para o impeachment", comentou.
Professora do Curso de Administração Pública da Fundação Getulio Vargas
(EAESP-FGV), Élida Graziane afirmou que o governo está burlando o teto de
gastos por meio de crédito extraordinário para manter a narrativa de respeito à lei. Desta forma, ela avaliou que a
ferramenta disponível para impedir que as despesas superem a arrecadação perde
credibilidade.
"É uma peça fraudulenta. Enfrentar a pandemia por créditos extraordinários
é inconstitucional. As emendas foram colocadas no texto pensando no pleito de
2022", disse. A especialista também critica o fato de o Orçamento de
guerra ter sido aprovado com validade apenas até o fim de 2020. Segundo ela,
para enfrentar a crise nas contas públicas de forma eficiente, seria necessário
fazer um planejamento de médio prazo.
Pesquisador da Unicamp, o economista Felipe Queiroz explicou que, quando o teto
de gastos foi aprovado, em 2016, havia uma expectativa de que a União superaria
grandes dificuldades fiscais. A questão, segundo ele, é que essa emenda
constitucional não contemplava a possibilidade de uma crise nas proporções
atuais. Desta forma, para garantir as emendas, os parlamentares no Congresso
precisaram mudar a estratégia.
"Antes da criação da PEC do Teto, os parlamentares aumentavam suas emendas
projetando uma receita muito maior do que se esperava até então. Com um cenário
mais otimista, havia mais espaço no Orçamento para emendas. Com o relatório do
senador Marcio Bittar, foi diferente. Ele propôs algo heterodoxo: já que não
tem como superestimar as receitas, diminui-se a projeção de gastos
obrigatórios", esclareceu.
Augusto
Fernandes, Israel Medeiros e Sarah Teófilo, no Correio Braziliense
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