O governo que coleciona recordes negativos em proteção ambiental quer, em reunião organizada por Biden, convencer o mundo de que fará o contrário a partir de agora. A desconfiança é grande.
Depois de quatro anos de inanição na era Donald Trump,
o governo dos Estados Unidos busca um retorno marcante às negociações
internacionais para conter a crise mundial do clima. A conferência organizada
pelo presidente Joe Biden, que começa nesta quinta-feira (22/04), traz anúncios
de peso: além do anfitrião, países convidados devem apresentar metas mais
ousadas de corte de emissões de gases de efeito estufa, que têm acelerado as
mudanças climáticas num ritmo sem precedentes.
Do Brasil, por outro lado, não se espera muito. Sob
Jair Bolsonaro, um dos 40 líderes que participam do encontro virtual,
desmatamento, queimadas e crimes ambientais na Amazônia chegaram a índices
alarmantes. O cenário não gera expectativas positivas, apesar dos sinais vindos
do Planalto de que o Brasil se venderá ao mundo e a Biden como comprometido com
o meio ambiente .
"É verdade que as últimas declarações não são
muito animadoras”, comenta Frank Loyd, diplomata americano do governo Bill
Clinton, sobre a postura do governo brasileiro e sua credibilidade em
discussões na área ambiental.
Ainda assim, Biden estaria ansioso para envolver o
Brasil - e o maior número possível de países - numa ação construtiva. "Mas
vai depender se Bolsonaro fala sério sobre manter uma relação com os EUA, o que
envolve obrigações”, adiciona Loyd em entrevista à DW.
Parte do mundo parece duvidar que isso aconteça.
"Sob a perspectiva ambiental, Bolsonaro não tem qualquer credibilidade.
Ele também cuidou para que fosse assim. Ele provocou essa falta de confiança em
fóruns internacionais, como nas negociações do clima da ONU”, comenta Susanne
Dröge, pesquisadora da SWP (Fundação de Ciência e Política, na tradução em
português), com sede em Berlim, Alemanha.
Na última conferência do clima da ONU, realizada em
Madri, Bolsonaro foi acusado de ter enviado agentes secretos para monitorar
organizações não governamentais, o que chocou negociadores de outros países.
"Bolsonaro
não quer só dinheiro"
Indícios de que o governo americano estaria negociando
secretamente um acordo com Bolsonaro às vésperas da conferência de Biden
provocaram reações em diversos meios. Uma carta assinada por artistas,
incluindo Alec Baldwin, Leonardo Di Caprio, Mark Ruffalo, Kety Perry, Caetano
Veloso entre outros, pediu ao presidente dos EUA que não se comprometa com o
colega de cargo brasileiro.
Eles seguiram o apelo de um grupo de 199 organizações
brasileiras da sociedade civil que havia se manifestado dias antes. "Não é
sensato esperar que qualquer solução para a Amazônia resulte de reuniões a
portas fechadas com seu pior inimigo”, diz o texto encaminhado a Biden.
Acordos do tipo devem ser construídos a partir do
diálogo, defende o grupo. "Com a sociedade civil, governos subnacionais, academia
e, principalmente, com as comunidades locais que sabem proteger a floresta e os
bens e serviços que ela abriga”, diz sobre as demais partes que deveriam ser
consideradas.
Antes de ser eleito, Biden havia mencionado que
poderia destinar até 20 bilhões de dólares para salvar a Amazônia. Embora o
candidato que derrotou Trump pareça bastante generoso para financiar projetos
internacionais relacionados à proteção climática, o governo Bolsonaro não deve
ter grandes oportunidades, avalia Susanne Dröge. "Está claro que Bolsonaro
quer apenas o dinheiro”, opina.
Desconfiança
dentro e fora do país
Anders Haug Larsen, da Fundação Florestal da Noruega,
é cauteloso ao falar sobre a busca de Bolsonaro por financiamento internacional
para combater o desmatamento, intenção que o presidente demonstrou numa carta
enviada a Biden antes da conferência.
"Com a experiência que temos da Noruega, com a
colaboração que temos tido com o Fundo Amazônia, é crucial que o Brasil
apresente resultados, como redução desmatamento e melhora da politica ambiental
para ganhar qualquer apoio”, opina Larsen.
Criado em 2008 para apoiar projetos que combatem a
destruição da floresta, o fundo era mantido com doações principalmente da
Noruega e Alemanha. Desde que Bolsonaro chegou à presidência e Ricardo Salles
assumiu o ministério do Meio Ambiente, a iniciativa foi paralisada devido a
tentativa de mudanças nas regras por parte do Brasil.
"O Fundo Amazônia é importante para ajudar ou
facilitar que o Brasil atinja suas politicas próprias e objetivos. Foi criado
pelo Brasil, com políticas feitas pelo o país. Não é uma intervenção
estrangeira”, pontua Larsen.
Em paralelo, o desmatamento do bioma atingiu seu maior
patamar nos últimos 12 anos: em 2020, foram 11.088 km² de devastação. Em março,
a taxa registrada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe, foi a
maior dos últimos dez anos.
"O governo alemão não quer mais trabalhar em
cooperação com Bolsonaro. Não vejo chances de doações para o Fundo Amazônia
voltarem a acontecer nesse governo”, afirma Susanne Dröge com base no
desempenho da política ambiental do atual comando.
"Probabilidade
zero”
Além da desconfiança internacional, as ações de
Bolsonaro na área ambiental rendem pedidos de investigação dentro do país. No
Tribunal de Conta de União, o requerimento mais recente pede que a corte adote
medidas contra "indícios de omissão e de descaso do atual governo diante
dos aumentos na taxa anual de desmatamento da Amazônia”.
Há pelo menos dez representações do tipo encaminhadas
pelo subprocurador-geral do Ministério Público Lucas Rocha Furtado. Dentre as
medidas solicitadas, está o afastamento de Ricardo Salles.
Para as organizações mais atuantes na área ambiental,
as chances de que Bolsonaro convença o mundo de que está interessado em
proteger a Amazônia são mínimas. Numa carta a Biden, o presidente brasileiro
chegou até a mencionar que estaria disposto a dialogar com entidades do
terceiro setor, indígenas e comunidades tradicionais.
"A probabilidade de isso acontecer é
aproximadamente zero”, diz Claudio Angelo, do Observatório do Clima. "O
presidente já chamou as ONGs de câncer, não perde uma oportunidade de ser
racista contra indígenas e quilombolas. Ele vê a sociedade civil como um
inimigo a ser eliminado”, acrescenta o porta-voz da entidade, que analisou
detalhadamente o conteúdo do documento assinado por Bolsonaro e apontou
imprecisões e dados falsos.
A DW Brasil estou em contato por email e telefone com
a assessoria de imprensa do gabinete do presidente e o Itamaraty, mas não
obteve um posicionamento até o fechamento da reportagem.
Por Jonathan Allen e Nathan Layne, da Reuters
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