Desequilíbrio
entre receitas e despesas, ponto central no desgaste entre a equipe econômica e
o Congresso, revela falhas graves de planejamento. Governo poderia contar com
mais R$ 100 bilhões de recursos extras, afirmam especialistas
Um dos
problemas do Orçamento de 2021 é o desequilíbrio entre receitas e despesas,
pois a arrecadação prevista não é suficiente para fazer frente aos gastos. Essa
confusão poderia ter sido evitada se a equipe econômica tivesse feito projeções
de forma independente, focada em uma grade técnica de parâmetros
macroeconômicos, ao invés de uma premissa para atender às conveniências do
Palácio do Planalto e do Centrão.
Analistas
ouvidos pelo Correio são unânimes em dizer que a equipe econômica subestimou os
efeitos da segunda onda da pandemia no país. A desaceleração provocada pelo
avanço da covid levou a economia brasileira, na primeira metada deste ano, a
uma recessão técnica -- quando há dois trimestres consecutivos com queda no Produto
Interno Bruto (PIB). "O governo, ao subestimar a crise da saúde, gastou
mais do que devia e não deu contrapartidas à altura, porque não procurou
recursos para tantos gastos em um país com uma situação fiscal frágil e que
destoa dos países emergentes" destaca a economista consultora Zeina Latif.
De acordo com o economista Braulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro
de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), além de subestimar a segunda
onda da pandemia e não atualizar os parâmetros, o governo falhou ao não buscar
medidas compensatórias para o aumento inevitável de despesas neste ano. Segundo
ele, a busca de receitas extras poderiam gerar mais de R$ 100 bilhões no caixa
para cobrir despesas emergenciais. Uma delas é a inclusão da recuperação dos R$
55 bilhões apontados pelo Tribunal
de Contas da União (TCU)
como fraudes no auxílio emergencial.
Outra medida proposta por Borges é a taxação de fundos fechados, pois eles são
criados por milionários e não estão sujeitos a taxação como os demais fundos em
que a maioria da população de renda média aplica. "O governo deveria estar
mais empenhado em recuperar esses recursos do auxílio e dar uma satisfação para
a sociedade e incluir a Receita Federal nessa operação para uma restituição dos
valores recebidos indevidamente em 2020", afirma o economista.
Procurado pelo Correio, o Ministério da Economia foi sucinto na resposta.
Afirmou que o "auxílio emergencial não é um tributo". "As
providências quanto à recuperação desses valores são de competência do
Ministério da Cidadania. A Receita Federal auxilia aquele ministério no
cruzamento de informações e identificação de indícios de recebimento irregular,
desde a primeira versão do auxílio emergencial", acrescentou a pasta, em
nota.
Os especialistas ainda lembram que a peça orçamentária já prevê um rombo nas contas públicas de R$
247,1 bilhões, sem incluir as emendas adicionais dos parlamentares e outras
despesas extraordinárias previstas, como os R$ 44 bilhões para a nova edição do
auxílio emergencial que começou a ser pago neste mês. Inevitavelmente, esse
deficit primário, de 3,16% do Produto Interno Bruto (PIB), será maior por conta
de outras despesas que devem aparecer. Projeções do BNP Paribas, por exemplo,
indicam um saldo negativo para as contas públicas de 4,5% do PIB.
Planejamento falho
O economista Márcio Holland, professor e coordenador de Pós-Graduação em
Finanças e Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), também critica a falta de
coordenação do governo. Segundo ele, um dos principais problemas é a visível
interferência na Secretaria de Política Econômica (SPE), que vem deixando de
fazer uma grade de parâmetros mais realista para o desenvolvimento de uma estratégia de políticas públicas.
Na avaliação de Holland, o governo cometeu o mesmo erro com a nova edição do
auxílio emergencial, porque não fez um desenho mais focalizado do programa.
"Só para ter uma ideia, tem elegíveis que não vão receber o auxílio e não
elegíveis que vão voltar a receber", alerta. "Tanto governo quanto
Congresso fizeram ativismo com o benefício, mas não se preocuparam na discussão
sobre o público-alvo. Saíram gastando R$ 350 bilhões que, a médio e longo
prazos, terão impacto zero", lamenta. "São 10 anos de Bolsa Família
em um programa muito mal desenhado, porque as autoridades não acreditaram na
pandemia e apostaram no negacionismo", adiciona o acadêmico.
De acordo com Holland, a falta de um planejamento do governo é tamanha que, dos
R$ 20 bilhões previstos para a compra de vacinas, uma pequena parcela foi gasta
agora. "Diante do agravamento da pandemia, o governo deveria ter isso como
prioridade zero e estar comprando o máximo de vacinas possível", alerta.
Conforme dados do Tesouro Nacional, dos R$ 22,3 bilhões previstos para compra
de vacina, R$ 4,3 bilhões foram pagos, ou seja, 19,3%.
Para o professor da FGV, o volume de R$ 55 bilhões de fraudes no auxílio
identificados pelo TCU é
consequência de um desenho inadequado de política pública que poderia ter
impacto de longo prazo na economia. "Os policy makers erraram ao não
desenhar adequadamente uma política para o auxílio emergencial, sem utilizar
corretamente as informações do Cadastro Único, por exemplo. Não trabalham
corretamente porque não acreditavam que a pandemia era grave e negaram a
necessidade de uma política pública para a população mais vulnerável",
lamenta.
Holland alerta que o custo desses erros de gestão terá impacto negativo no
médio e longo prazos, pois custaram R$ 400 bilhões a mais nas despesas da União
do ano passado. "Esse dinheiro não caiu e será preciso um esforço maior
para cobrir isso", aponta. Ele lembra que haverá despesas adicionais que
devem ocorrer neste ano e podem agravar o quadro fiscal.
Assim como Borges, o professor da FGV não vê uma saída sem que o governo
aumente a carga tributária para pagar o aumento crescente do endividamento
público. Ele menciona países desenvolvidos que cogitam aumento de impostos para
custear os enormes pacotes fiscais em custo. Nesse sentido, Holland sugere, por
exemplo, uma revisão do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).
"Um país com o tamanho do Brasil arrecada muito pouco perto do que poderia
com o ITR", destaca.
Outra alternativa lembrada pelo especialista é uma alíquota temporária no
Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), elevando o teto de 27,5% para 30% por
pelo menos cinco anos. "Esse tipo de contribuição vai ter que ser
necessária e começar a cobrar mais imposto dos mais ricos parece fazer mais
sentido para recuperar receita", defende Holland.
Equívocos na LDO
Os
equívocos da equipe econômica não ocorreram apenas na falha das previsões sobre
os impactos da segunda onda da pandemia. Houve erros também na redação dos
projetos, como o da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021. Um dispositivo impede a emissão de despesas
temporárias sem receita e precisa ser corrigido para que o governo possa emitir
a medida provisória de recriação do Benefício Emergencial para a Manutenção do
Emprego e da Renda (BEm), uma das melhores políticas públicas da pandemia em
2020.
Por Rosana Hessel, no
Correio Braziliense
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