O ano já conta três meses, e o país não tem previsão de gastos. Uma sequência de erros iniciada em 2020 explica a crise
O Orçamento de 2021 é descrito por técnicos
experientes da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, como o mais
difícil, duro e “caótico” de ser feito e executado em anos. O texto deveria ter
sido aprovado em dezembro, como em anos anteriores, mas esse processo atrasou
por uma sequência de erros que vão desde decisões técnicas que se mostraram equivocadas,
desarticulação entre membros do próprio governo na hora de negociar com o
Congresso e uma guerra de versões que tomou conta de Brasília para responder a
uma pergunta: de quem é a culpa pela proposta orçamentária inexequível?
Até o fim da semana, não havia uma resposta clara, mas
a reconstituição dos fatos mostra que o texto que gerou tanta confusão é
resultado de uma soma de erros e circunstâncias que começaram a se acumular
ainda no ano passado, quando o país e o mundo mergulharam na maior crise
sanitária da História recente.
A saída defendida pelo ministério é vetar todas as
emendas do relator —infladas em R$ 26,4 bilhões, chegando a R$ 29 bilhões —,
recompor os gastos obrigatórios e devolver o restante para o Congresso. A
solução é rejeitada por parte do Palácio do Planalto, que defende que tudo seja
sancionado.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira
(PP-AL), quer que um acordo para ampliar as emendas em R$ 16,5 bilhões, fechado
em fevereiro, seja cumprido. Lira ficou irritado com declarações de Guedes nos
últimos dias, afirmando que o problema ocorreu porque o time estava jogando
junto pela primeira vez. O deputado entendeu que Guedes dizia que sabia jogar
com Rodrigo Maia (DEM-RJ), ex-presidente da Câmara, e fez esse recado chegar ao
ministro.
Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro passou a
atuar diretamente para resolver o impasse. Uma solução que ganhou força foi
vetar parcialmente as emendas. O tamanho do corte e a forma como isso será
feito ainda estão sendo discutidos.
A cicatriz que a crise deixará na relação de Guedes
como Congresso é incerta e vai depender do tamanho do corte que o governo
fizer.
ENTENDA A SUCESSÃO DE PROBLEMAS QUE LEVARAM AO IMPASSE
EM TORNO DA PROPOSTA ORÇAMENTARIA
O ORÇAMENTO SEM META
Enquanto discutiam as medidas urgentes contra os
efeitos econômicos da recém-declarada pandemia de Covid-19, em abril do ano
passado, os técnicos da equipe econômica precisaram começar a pensar no
Orçamento deste ano. Sem qualquer perspectiva sobreo futuro, a decisão foi
enviar ao Congresso um projeto sem definir qual deveria ser o resultado para as
contas públicas no ano seguinte, algo inédito.
Depois de pressão do Tribunal de Contas da União (TCU).o governo acabou recuando e propondo um rombo de R$ 247 bilhões
como meta. Mas a falta de clareza sobre a arrecadação e um teto de gastos—
regra que limita o crescimento das despesas da União - cada vez mais
pressionando marcaram desde o início o desenho do Orçamento.
O TETO BAIXO
Em meados de 2020, o Ministério da Economia começou a
receber uma chuva de ofícios, ligações e e-mails de toda a Esplanada dos
Ministérios. Eram pedidos das pastas por mais verbas para suas áreas. A
resposta era a mesma: não há espaço no Orçamento. A margem de manobra estreita
se deu por uma questão técnica da regra que estabeleceu o limite de gastos em
2016.O teto foi corrigido em 2,13%de2020 para 2021. Muito pouco para acomodar
todos os interesses em Brasília. Os ministros com mais traquejo político sabem
que uma solução para esse tipo de problema é buscar emendas dos parlamentares —
o que acabou estourando no colo da equipe econômica meses depois. Com pouco
espaço para investimento, com mais recursos reservados para os militares e sem
considerar qualquer necessidade de gastar mais para conter a Covid-19 em 2021,
o Orçamento desteano foi encaminhado ao Congresso em agosto de 2020.
AS ELEIÇÕES NO CAMINHO
No segundo semestre de 2020, quem ligasse para
integrantes do time de Guedes para saber sobre o andamento da agenda econômica
recebia a mesma resposta: está tudo parado. O motivo eram, segundo integrantes
da pasta, as eleições municipais e, especialmente, a disputa pelo comando da
Câmara.
O ambiente hostil dificultou o avanço do Orçamento no
Legislativo.
A principal consequência foi que a Comissão Mista do
Orçamento (CM0) sequer chegou a ser instalada em 2020. No colegiado - o
primeiro passo para a proposta orçamentária tramitar —, os grupos rivais de
Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Arthur Lira (PP-AL) protagonizaram a queda de braço que
antecipou a disputa pelo controle da Câmara. A equipe econômica se viu de mãos
atadas. Em reuniões em setembro e outubro, os técnicos da pasta reconheceram
que dificilmente qualquer proposta econômica iria avançar, assim como o próprio
Orçamento, enquanto Maia e Guedes discutiam publicamente a responsabilidade
pelo atraso na agenda. Não havia um mínimo de consenso. Em uma reunião no
gabinete do Ministério da Economia realizada poucos dias antes do Natal,
aliados de Maia chegaram a propor a integrantes da equipe econômica um acordo:
apoiara proposta de reforma tributária do Congresso em troca da aprovação da
autonomia do Banco Central. Guedes não topou. Sem diálogo, nada avançou.
O ERRO TÉCNICO
O impasse na CMO empurrou a discussão sobre o
Orçamento para depois de fevereiro, após as eleições para as presidências do
Congresso. E depois de uma disparada nos índices de inflação.
O repique inflacionário observado no fim de 2020
obrigou o governo a reajustar as aposentadoria se o salário mínimo muito acima
das previsões iniciais. Os gastos obrigatórios subiram mais que o teto. O
resultado: seria necessário cortar investimentos.
Quando é preciso fazer um ajuste grande no Orçamento
ainda não aprovado, a praxe é encaminhar a chamada "mensagem
modificativa", uma alteração com o carimbo do presidente da República. Não
foi o que aconteceu. Prevaleceu o entendimento do secretário de Fazenda,
Waldery Rodrigues Júnior, de que esse processo levaria ao menos 30 dias, porque
exigiria rodar modelos complexos sobre um Orçamento com milhares de páginas. O
governo optou por indicara os parlamentares a necessidade de cortar R$ 17
bilhões para adequar o Orçamento aos novos parâmetros. O Congresso ignorou.
O ACORDO PELA PEC
No início de março, durante uma reunião de líderes do
Senado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) sugeriu retirar o Bolsa Família do
teto de gastos. A medida seria inserida na proposta que permitiu a renovação do
auxílio emergencial e estabeleceu regras para controle de despesas. Havia por
trás disso a intenção de aumentar as emendas parlamentares. Bolsonaro chegou a
dar aval à ideia. Guedes reclamou, o presidente recuou, e o Senado também. Mas
o ministro topou um acordo que agora está sendo cobrado por Lira e pelo
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG): elevar em R$16,5 bilhões o
valor das emendas parlamentares logo após a aprovação da proposta de emenda à
Constituição (PEC) Emergencial. O aumento também tinha por trás a necessidade
de cumprir acordos que fizeram parte das campanhas de Lira e Pacheco.
As emendas seriam colocadas em nome do relator, Márcio
Bittar (MDB-AC), mas indicadas por aliados do governo. O ministério mais
beneficiado foi odo Desenvolvimento Regional,
chefiado por Rogério Marinho, desafeto de Guedes. Pressionado por todos os lados,
Bittar se reuniu com assessores do então ministro da Secretaria de Governo,
Luiz Eduardo Ramos. No quarto andar do Palácio do Planalto, as equipes de
Bittar e Ramos escreveram o relatório da discórdia. As emendas do relator
dispararam e subiram R$26,4bilhões.
Para isso, Bittar cortou recursos da Previdência, do
seguro-desemprego e do abono salarial. Confusão formada: o Orçamento não
ajustado pelo governo teve as despesas obrigatórias subestimadas. Tornou-se
inexequível. Integrantes da equipe econômica se queixam do sumiço de Bittar na
reta final da votação do Orçamento. Segundo relatos, o senador chegou a deixar
de atender telefonemas de auxiliares de Guedes para discutir a proposta. É essa
a narrativa que fontes próximas a Guedes têm passado nos bastidores para
afirmar que foram surpreendidos com o aumento considerado excessivo no volume
de emendas.
O BECO SEM SAÍDA
A equipe técnica do Ministério da Economia fez as
contas e concluiu que seria necessário contingenciar(bloquear recursos) mais de
R$ 30 bilhões para garantir os pagamentos dos gastos obrigatórios. Um corte
dessa magnitude pode paralisar a máquina pública.
A sanção do Orçamento então se transformou numa crise.
Numa reunião tensa, Bittar aceitou devolver R$10 bilhões, valor considerado baixo
por Guedes. No encontro, Lira foi o primeiro a falar, dizendo que a Câmara
cumpriu sua parte do acordo. Ramos afirmou que o Executivo também tinha feito
tudo certo. Todos então se voltaram para Bittar e afirmaram que o problema foi
no Senado, segundo um dos presentes. Inicialmente, Bittar ofereceu devolver R$
6 bilhões em emendas. 0 valor de R$ 10 bilhões só foi alcançado depois de mais
pressões. No fim, o relator saiu chateado do encontro, antes mesmo do término
da reunião, alegando ter outro compromisso.
Por Manoel Ventura, em O Globo
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