Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou na quarta-feira um
contundente relatório de avaliação acerca do trabalho do Ministério da Saúde no combate à pandemia de covid-19. Trata-se da mais
nítida radiografia já produzida até aqui acerca da irresponsabilidade do
governo federal na administração da crise. Conclui-se que o Ministério da Saúde empenhou-se mais em
livrar-se de suas obrigações do que em organizar o combate à pandemia, que
obviamente é sua atribuição precípua.
Quadro semelhante se observa na ação que o Ministério Público Federal (MPF) moveu, também na
quarta-feira, contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello. Depois de uma investigação de três
meses, o MPF decidiu acusar o intendente e mais cinco dirigentes do Ministério
de improbidade administrativa por 'omissões sucessivas' e lentidão na tomada de
decisões, num cenário de recrudescimento da pandemia.
Recorde-se que Pazuello já é objeto de inquérito da Polícia Federal, que apura sua parcela
de responsabilidade, como ministro da Saúde, pela falta de cilindros de oxigênio para o tratamento de
doentes de covid-19 em Manaus, o que resultou em dezenas de mortes por asfixia.
E o intendente provavelmente será chamado a depor na recém-instalada Comissão Parlamentar de Inquérito que
investigará as ações e omissões do governo na pandemia.
Aos poucos, portanto, o governo do presidente Jair Bolsonaro começa a ser
finalmente pressionado a responder, nos âmbitos judicial e político, por seu
comportamento inconsequente, quando não delinquente, diante da pandemia. Os
mais de 360 mil mortos e o total descontrole do vírus, com efeitos dramáticos
sobre a economia, não são fruto do acaso.
'Envergonha-nos a gestão que o Ministério da Saúde vem realizando com relação a esse quadro tenebroso da
crise da covid-19', disse o ministro Bruno Dantas, do TCU,
durante a apresentação do relatório. Ele cobrou a responsabilização imediata
dos gestores do Ministério arrolados no processo, a começar por Pazuello, mas
sugeriu que a atribuição de culpa pode atingir o chefe do então
ministro: 'Até o rei pode ser responsabilizado'. Não seria absurdo, uma vez que
o intendente Pazuello - aquele que manifestou publicamente obediência total a
Bolsonaro - não agiria do modo infame como agiu se não contasse ao menos com o
aval do presidente, que desde sempre se comportou como se não tivesse nada a
ver com a crise.
O resultado de tamanha omissão foi detalhado pelo relator do processo, ministro Benjamin Zymler: 'A segunda onda (da
pandeTmia) era anunciada e exigia preparo, o que não aconteceu. À comunicação
não ocorreu. A testagem não ocorreu'. Também não ocorreram ações de estímulo ao
distanciamento social, ao mesmo tempo que o Ministério fez campanha para 'o uso
de medicamentos com eficiência duvidosa ', menosprezando seus efeitos adversos,
como destaca o Ministério Público em
sua ação.
O conjunto de investigações sobre a conduta do governo Bolsonaro ganha especial
importância no momento em que uma CPI se
dedicará ao assunto. O presidente demonstrou preocupação com o cerco, ao subir
o tom de suas ameaças contra outros Poderes.
Fora a gritaria, Bolsonaro provavelmente conta com a proteção do Centrão, mas
deveria saber que essa proteção não é garantida, pois, à medida que a crise se
amplia e o cerco se fecha, o preço do apoio do Centrão sobe. Bolsonaro pode se
tornar politicamente insolvente se resolver contrariar os senhores de seu
governo e, por receio de cometer crime de responsabilidade, vetar o Orçamento
maquiado para acomodar emendas parlamentares. Conforme noticiou o Estado, o
presidente da Câmara, Arthur Lira, prócer do Centrão, avisou Bolsonaro que, se
houver veto, o governo não aprovará mais nada no Congresso. Ou seja,
anuncia-se, com todas as letras, que após o tombo virá o coice.
Assim, mesmo tendo se empenhado nos últimos tempos em construir uma rede de
apoio no Supremo, no Congresso e nos órgãos de fiscalização e controle, o presidente enfrenta o desgaste de
quem decidiu abrir várias frentes simultâneas de guerra. A única guerra que ele
deliberadamente decidiu não lutar é contra o vírus - mas o País começa a se
mobilizar para responsabilizá-lo por sua deserção.
O
Estado de S. Paulo
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