Em Barcelona, o MWC debate a sociedade do futuro, ancorada em modelo híbrido entre as tecnologias atuais, nuvem e 5G; no Brasil, expectativa é que as frequências da quinta geração sejam leiloadas até setembro
Esta semana,
na virada de semestre, começa a contagem regressiva para o evento mais
aguardado da indústria brasileira de telecomunicações nos últimos anos: o leilão da faixa de frequências
para operar a quinta geração da telefonia móvel, ou, simplesmente, 5G. Pelo
menos é que o garantiu publicamente o ministro das Comunicações, Fábio Faria, que não acredita em atrasos na
publicação do edital do leilão do
padrão 5G, apesar dos questionamentos que ainda travam o documento no Tribunal de Contas da União (TCU). A expectativa é que o TCU, que já obteve respostas da
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do próprio ministério, analise
o edital e que seja dada a largada para o leilão em algum momento do segundo semestre.
Também nesta semana, a partir desta segunda-feira, 28,
o Mobile World Congress (MWC) volta, em Barcelona, como evento híbrido, com a
permissão de 50 mil visitantes presenciais, ou metade do que recebeu em 2019.
Que tem no 5G um de seus maiores focos. Ou quase. Ante a pandemia, que cancelou
o evento no ano passado, as teles, no mundo todo, tiveram que se virar com as
tecnologias legadas, inclusive com o uso intensivo de cloud (veja box à pág 31)
para entregar infraestrutura o suficiente para a alta demanda global por
conectividade. Portanto, se 2020 seria o ano do 5G, agora, o evento destaca o
mundo híbrido das redes legadas-cloud-5G. Mas, o setor é um dos mais dinâmicos
da macroeconomia e o MWC coloca os holofotes, de novo, sobre a implantação
mundial da 5G e já prepara o planejamento da 6G (velocidades acima de 1 Tbps).
Se houve o gap dos últimos 15 meses, retoma-se o 5G
como catalisador do avanço da internet das coisas (IoT) em escala industrial, o
desafogamento de setores florescentes como as fintechs (e open banking, por
consequência), a alavancagem da inteligência artificial (IA), inovações na
criação de conteúdo e desenvolvimento de
games e e-sports para, finalmente, chegar às projeções da sociedade do futuro,
em que a tecnologia e a conectividade são chaves para circulação de notícias
(inclusive fa-ke news), saúde digital, o trabalho remoto e outras atividades essenciais para o ser
humano. Mas, trata-se de economia e um dos grandes debates do MWC é sobre a
jornada do cliente e como se chegar a ele por meio de mensagem e campanhas, ou seja,
a publicidade segmentada e personalizada.
O MWC debate
esses macrotemas sob a premissa de que as redes 5G estão em progresso. Por
isso, o Brasil, que está atrasado na tecnologia, tem razão de sobra para
correr. A ansiedade tem outros motivos, além desse. E altos: o leilão das redes 5G deve envolver
investimentos estimados entre R$ 33 bilhões a R$ 35 bilhões, conforme cálculos
preliminares da Anatel. Essa conta não considera as contrapartidas que as teles
terão como obrigação.
A agência
também prevê que, nos próximos 20 anos, além dos R$ 35 bilhões reservados às
faixas, as redes 5G demandarão investimentos que chegam a R$ 80 bilhões. Claro,
Vivo e TIM são as principais interessadas na aquisição das faixas. A Oi, embora
em processo de aquisição de sua unidade Oi Móvel pela Claro, TIM e Vivo, também
demonstrou interesse em arrematar licenças 5G por meio de sua empresa de fibra
óptica, a InfraCo. Assim como alguns provedores locais de internet, que têm a
expectativa de disputar faixas com as grandes operadoras. No caso da Oi Móvel,
o processo de aquisição está em análise pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade) e Anatel. Em março, durante evento do setor, o superintendente
de competição da Anatel, Abraão Balbino, afirmou que a agência deve esperar o
resultado do leilão do
5G para gerar as condições de aprovação da aquisição da Oi Móvel, já que o leilão deve mudar as dinâmicas do
segmento.
No horizonte, além dos bilhões que envolvem o negócio,
estão as possibilidades de exploração da rede 5G, que vão desde a massificação
da IoT, cidades inteligentes e aplicação em trânsito, segurança e saúde até à
criação de demandas que surgirão. Isso ocorreu com o 4G, que permitiu o
surgimento do ecossistema de aplicativos, que deu origem a empresas como Uber,
Airbnb e iFood, por exemplo. O 4G deu impulso global ao streaming de áudio e
vídeo e mudou radicalmente o mundo do entretenimento. Neste momento, o Brasil
está no centro da atração global de streamings (o HBO Max chega nesta
terça-feira, 29; o Star+ em agosto; e o Discovery+ em setembro) e isso é
consequência direta da infraestrutura 4G e da base de smartphones na mão dos
brasileiros (dos 242 milhões de celulares no Brasil, mais de 180 milhões usam
4G e a quase totalidade é de smartphones). Portanto, ainda que se imagine o
mundo 5G, é praticamente impossível ter dimensão lógica do que essas redes
farão surgir e virar algo imprescindível para o consumidor.
Impacto profundo
"A
expectativa é que a rede seja o diferencial e impacte profundamente diversos segmentos
- muitos deles em que já estamos testando a rede e levando a experiência do
5G", afirma o diretor de marketing da Claro, Mareio Carvalho. "A
Claro está se estruturando para o leilão de
frequências e aguarda que seja adotado modelo não arrecadatório {modelo mais
baseado em compromissos de cobertura do que em altos investimentos nas
outorgas), já que o investimento em obrigações é elevado", diz.
"Estamos bastante confiantes e ansiosos de que o
5G vai dar um salto importante não só na vida da TIM, mas em produtividade para
vários setores", afirma o CTIO da TIM, Leonardo Capdeville. Desde 2019, a
companhia vem realizando testes com a tecnologia de quinta geração no País. Os
planos para o futuro dos negócios com 5G incluem B2C, com aprimoramento da qualidade
do serviço móvel tradicional, mas também na banda larga fixa sem fio, ou fixed
wireless access (FWA). Essa iniciativa é amparada pelo 5G e pode trazer
conexões com maior velocidade do que as oferecidas pela banda larga com fio. A
maior ambição da companhia, no entanto, é no business-to-business-to-consumer,
em que grandes companhias de setores como saúde, agricultura, educação e
mobilidade devem buscar as teles para levar o 5G até os seus negócios. "É
onde deve acontecer a revolução 4.0", aposta Capdeville. "O Brasil
tem uma oportunidade única de suprir uma série de gaps em vários setores",
aponta o CTIO da TIM.
A Vivo, procurada, não respondeu à reportagem. Mas, em
abril deste ano, em entrevista a Meio & Mensagem, o presidente da
operadora, Christian Gebara, afirmou: "Vamos participar de maneira ativa
nessas frequências que vão ser leiloadas para o 5G. Já estamos nos preparando
para isso: entramos no Reino Unido, na Alemanha e vamos entrar na Espanha (em
redes 5G). Temos muita experiência de países que estão mais adiantados nessa
jornada e que nós vamos adaptar no Brasil. Agora, aguardamos o edital, que
ainda não está claro, mas estamos preparados sim. A plataforma se constrói
através de soluções sobre a tecnologia 5G: é o mundo da IoT, que terá muita
aderência no time-to-market, seja para soluções de agrobusiness, varejo,
indústria, cidades inteligentes ou carros autônomos."
"A expectativa é que o leilão aconteça no terceiro
trimestre, entre agosto e setembro, e estamos preparados para começar a
entregar e ativar as redes 5G com as operadoras parceiras ainda este ano, logo
após o resultado do leilão",
assegura o vice-presidente de redes da Ericsson para o Cone Sul da América
Latina, Marcos Scheffer. "Um fator importante que tem ajudado o 5G a ter
um crescimento muito mais rápido que o 4G - o 5G deve atingir a marca de 1
bilhão de usuários em todo o mundo dois anos antes do que foi o caso com o 4G -
é a grande disponibilidade de aparelhos que suportam a tecnologia. Temos 290
milhões de usuários 5G no mundo e, ao final do ano, devemos chegar a 580
milhões de usuários, um crescimento de 1 milhão de usuários por dia. Estes são
dados de publicação bianual nossa, o Ericsson Mobility Report, que também
estima que devemos chegar a 3,5 bilhões de usuários 5G ao final de 2026, ou
seja, 40% de todos os usuários de dados móveis celulares no mundo, provendo
cobertura para 60% da população global", detalha Scheffer.
A chinesa
Huawei, concorrente direta da Ericsson no fornecimento de infraestrutura de
redes, assim como a sueca, já realizou testes com TIM, Claro, Oi e Vivo para 5G
e aguarda o leilão. "A
perspectiva é muito positiva, visto que 5G significa não apenas mais
velocidade, mas também baixa latência e incremento dos dispositivos conectados,
propiciando a criação de aplicações mais inteligentes e levando mais eficiência
a diversos setores da economia como manufatura, agricultura, mineração, portos,
cidades inteligentes e muitos outros", afirma o diretor de cibersegurança
e soluções para a América Latina da Huawei, Marcelo Motta. A companhia tem
trabalhado na criação de ecossistema de empresas locais que possam fazer uso da
super conectividade para criar aplicações inteligentes e acelerar o processo de
transformação digital, assim como gerar oportunidades de negócios para as
operadoras.
Desafios local e global
Além dos
desafios práticos da aplicação do 5G e conectividade no Brasil, a Huawei
enfrenta embate global ainda maior que envolve relações institucionais,
política e segurança. Nos últimos anos, os Estados Unidos e o então presidente
Donald Trump, que deixou o cargo em janeiro deste ano, lideraram ofensiva
contra a Huawei e o uso de seus equipamentos pelas operadoras no 5G. Para o
ex-presidente, a Huawei representaria um risco à segurança nacional dos países,
que estariam suscetíveis à espionagem por parte do governo da China. A acusação
norte-americana estaria baseada em lei de segurança aprovada pela China que
permite, em tese, que o governo exija dados de companhia privadas, caso seja
necessário para a soberania chinesa. Dessa forma, durante seu governo, Trump
pressionou países, incluindo o Brasil, a adotarem licitações que excluam o uso de equipamentos da Huawei.
Apesar da pressão, até agora o governo brasileiro não apresentou nenhum veto à
contratação da chinesa pelas operadoras. No entanto, portaria publicada pelo
Ministério das Comunicações,
em janeiro, impôs às empresas vencedoras do leilão de quinta geração a obrigação de criar rede privativa
para atender o governo federal.
A estratégia dos fabricantes, com diferenças de
abordagem e culturais, tem similaridades. "A Ericsson vêm trabalhando já
há muito tempo com diferentes entidades - indústrias em diferentes segmentos,
centros de pesquisas de universidades, prestadoras de serviços de
telecomunicações e fabricantes de dispositivos IoT - para fomentar o
ecossistema completo do 5G. Ao longo dos últimos cinco anos, foram realizadas
muitas provas de conceito para amadurecer o que, hoje, são as aplicações 5G.
Com a tecnologia 5G disseminada, aplicações surgirão. Aplicações que
impulsionaram ou fizeram forte uso do 4G, por exemplo, ainda não existiam
quando o 4G foi implementado nas redes", recorda o vice-presidente da
empresa.
Scheffer ressalta que as qualidades das redes 5G -
maiores velocidade, capacidades das redes das operadoras, tempo de resposta
(latência) mais baixo - permitem serviços evoluídos para os usuários finais
como experiências imersivas de vídeo, com uso de realidade virtual (VR) e
realidade aumentada (AR). "Outro diferencial do 5G é que permitirá
aplicações para diferentes verticais da indústria: automatização de linhas de
produção sobre 5G, com robótica colaborativa, exames (e, eventualmente,
cirurgias) remotos na área de saúde, operação remota de maquinário pesado na
área de mineração ou em portos na movimentação de containers",
exemplifica.
Teles: de provedores a plataformas de nuvens
A pandemia intensificou a importância da conectividade
e, consequentemente, do cloud (nuvem). As restrições de mobilidade fizeram com
que, em meses, as teles passassem a receber demanda de tráfego que seria
esperada em anos.
Profissionais
adotaram o home Office e estudantes, a videoconferência.
Isso tudo incitou a ampliação de capacidades de
transmissão de dados de data centers e de nuvens, que suportam os serviços de
banda larga e internet, constata a líder de serviços de consultoria para a
indústria de mídia e telecomunicações da IBM para a América Latina, Marisol
Penante.
A fim de acompanhar as expectativas dos usuários em
direção a experiências mais tecnológicas, os provedores têm se posicionado como
plataformas de nuvem híbrida, ou seja, empresas capazes de combinar o âmbito
privado com o público, por meio de softwares proprietários que permitem conexão
entre si. "É uma forma de unir o novo ao legado", afirma a executiva
da IBM. Na prática, explica, isso permitirá com que as teles modernizem suas
estruturas, de maneira gradual, em direção a plataformas virtualizadas e que
suportem novos modelos de rede.
"Como uma plataforma de nuvem híbrida, as
operadoras tomam controle sobre a criação e monetização de novos serviços,
protegendo sua posição na cadeia de valor da indústria", diz Marisol.
De acordo com a pesquisa "A Próxima Era das
Telecomunicações", realizada pela IBM Institute for Business Value (IBV) e
pela consultoria global Oxford Economics, 50% dos provedores de serviços de
comunicações de alto desempenho acreditam que devem se tornar plataformas de
nuvem estratégicas, que combinam um ecossistema de parceiros diversificado, e
59% concordam que devem se tornar nuvens seguras com inteligência artificial
(IA) e automação. O estudo entrevistou, neste ano, 500 executivos globais do
setor de telecomunicações, distribuídos em 21 países. Para 71% dos CEOs de
teles, a computação em nuvem é a tecnologia que mais ajudará na entrega de
resultados, dentro dos próximos dois a três anos; para 61%, será o 5G. Para
angariar a confiança dos clientes, 60% dos CEOs acreditam que é preciso
aprofundar-se na segurança e privacidade de dados.
Para Marisol, a transparência diante das informações
dos clientes é um dos fatores fundamentais na evolução para a nuvem híbrida.
"É preciso prover segurança a cada elemento que compõe a plataforma, como
servidores, softwares e roteadores, por meio da adoção de metodologia de governança de segurança, que
envolva pessoas e processos", afirma. "Uma vez implantada a solução
que provê a segurança de todo o ambiente, deve-se criar sistema contínuo de
monitoração de vulnerabilidades, o que garantirá a este ecossistema
confiabilidade aos dados dos clientes", diz.
À medida que as teles incorrem em enormes custos para
se prepararem para a computação de borda habilitada para 5G, como licenciamento
de espectro, construção de infraestrutura e gerenciamento em tempo real da
plataforma, essas empresas veem oportunidade crescente de gerar lucros: 91% dos
provedores de serviços de comunicações de alto desempenho esperam superar
expectativas financeiras atuais em cinco anos, como resultado do uso de
computação edge (de borda). "Essas perspectivas podem ser superadas com a
criação de aplicações, que aumentarão, diretamente, as receitas das
operadoras", diz a líder da IBM.
Por
Victória Navarro, Meio e Mensagem
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