A confiança
como ingrediente para a gestão pública
A
conferência International Society of Public Law (ICON) de 2020 - cancelada por
causa da pandemia - teria como tema central a (des)confiança nas instituições.
'Public Law, (Dis) Trust and Dissent' seria o mote do mais importante evento de
direito público do mundo, que teria ocorrido na Polônia[1], não fosse a
COVID-19. O escopo do encontro era bem amplo, alcançando até mesmo a cada vez
mais disseminada descrença na democracia e em suas noções e instituições mais
elementares.
Embora o evento não tenha ocorrido, o tema nos coloca para refletir sobre o
papel da confiança na interação entre controle e gestão pública.
A literatura internacional procura colocar em evidência, de um lado, o papel da
confiança pública como um item indispensável para o funcionamento dos governos,
sendo vista como a peça que dá 'liga' ao sistema; e, de outro, a necessidade de
uma dose de desconfiança para manter a democracia em 'boa forma'[2].
Estudos mostram que a correlação entre controle e confiança não é simplória. Em
certa medida, o controle público pode ajudar a estimular a confiança da
sociedade na Administração; mas, ao mesmo tempo, só haverá aprendizado e
evolução organizacional na gestão pública onde e quando o controle não encarnar
a figura de um 'dedo acusatório'[3].
No Brasil, os órgãos de controle parecem excessivamente movidos pela
desconfiança. O TCU, por
vezes para justificar intervenções para as quais não tem competência formal,
argumenta que reguladores são capturados, que órgãos e entidades públicas são
mal estruturados[4], que a gestão pública não tem a mesma maturidade
institucional encontrada nos controladores[5], levantando, assim, suspeitas
genéricas sobre a idoneidade de agentes públicos e sobre a capacidade de
instituições.
O argumento de que o controlador possuiria maior capacidade institucional do
que os gestores públicos parece embutir uma visão em certa medida idealizada de
si próprio, como já apontado nesta coluna.
Essa postura tem o efeito de minar, e não de estimular, a confiança da
sociedade e de outras instituições na Administração Pública.
A desconfiança, então, passa a funcionar não mais como um ingrediente
necessário para o controle, mas como o próprio fundamento da ação controladora.
E, com isso, procura-se naturalizar a inversão de presunções básicas, como a de
inocência, boa-fé e legitimidade dos atos administrativos.
Não podemos deixar de almejar um controle independente e atuante, mas
precisamos encontrar um caminho para equilibrar a dose de (des) confiança, em
prol do bom funcionamento do Estado.
[2] GREILING, Dorothea. Accountability and Trust. In: BOVENS, Mark; GOODIN,
Robert E.; SCHILLEMANS, Thomas. The Oxford Handbook of Public Accountability.
Oxford, 2014.
[3] Idem.
[4] Cf. Acórdão nº 1.174/2018, rel. min. Bruno Dantas.
[5] Cf. GRIN, Eduardo. A atuação do TCU no policy making da administração pública federal:
modernização gerencial ou expansão dos papeis do controle externo? In: CAVALCANTE, Pedro Luiz Costa; SILVA, Mauro
Santos (orgs). Reformas do estado no Brasil: trajetórias, inovações e desafios.
Rio de Janeiro: IPEA, 2020.
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