O Brasil é o quinto maior país em extensão territorial,
com 8.515.767 km², e o sexto mais populoso do mundo, com 211.049.519 de
habitantes, só perdendo para China, a Índia, os Estados Unidos, a Indonésia e o
Paquistão.
O Brasil chegou a ser a quinta maior economia do mundo, mas foi sendo rebaixado
paulatinamente para sexto, sétimo, oitavo, até se situar, atualmente, no 12º
lugar no ranking mundial.
O orçamento anual do Brasil de 2021 é de R$ 4,324 trilhões.
O Brasil arrecada o equivalente a 35% do PIB, sendo que na década de noventa
tributava o equivalente a algo ente 26% e 27% do PIB, empatando com a
tributação dos demais países do Mercosul.
De lá para cá, a tributação foi crescendo ano a ano, até chegarmos ao ponto de
saturação acarretando o odioso fenômeno da sonegação de impostos e
inadimplências voluntárias e involuntárias com os planos de recuperação
judicial, que não param de crescer.
Apesar do crescimento da receita, os serviços públicos tendem a ser cada vez
mais claudicantes. Temos uma tributação de fazer inveja aos países adiantados e
uma prestação de serviço público de
um país subdesenvolvido.
A elite política elegeu os valores da solidariedade, da fraternidade, da
igualdade etc., mas continua indiferente aos 40 milhões de brasileiros que
vivem abaixo da linha de miséria. E a Constituição garante o emprego para
todos, o exercício de qualquer profissão e também uma vida condigna de acordo
com os ditames da justiça social; porém, temos mais de 14 milhões de
desempregados.
Apesar da pandemia, a economia vai bem sustentada, sobretudo, pelo agronegócio,
que neste ano bate novo recorde de produção e gera um superávit comercial
fantástico.
Como então se explica a falta de recursos financeiros para a implementação de
políticas públicas? Nem para fazer o censo demográfico programado para este ano
haverá verbas, por conta do sumiço de R$ 2 bilhões que estavam na proposta
originária de orçamento enviado pelo Executivo.
O orçamento anual, que deveria ser um instrumento de exercício da cidadania,
virou uma mera ficção jurídica, uma mera formalidade constitucional. Não
reflete, como deveria, o plano de ação governamental adiantado nas campanhas
eleitorais. O orçamento anual falece, pois, de legitimidade.
A proposta orçamentária é
desfigurada parcialmente com as emendas parlamentares, que somam 2,2% da
receita corrente líquida prevista na proposta. O orçamento nasce com vinculação
de 15% de receita corrente líquida para a Saúde e 18% para a Educação. Os
recursos destinados aos Poderes Judiciário e Legislativo, bem como, ao
Ministério Público e Defensoria Pública, devem ser disponibilizados em
duodécimos no dia 20 de cada mês. Essas verbas são, pois, de execução obrigatória,
o que não acontece com as dotações do Executivo cujas verbas podem ser
contingenciadas, provocando a piora dos serviços públicos essenciais.
Logo, cerca de 50% dos recursos orçamentários já nascem com destinação certa de
obrigatória execução.
Por fim, temos o grande instrumento demolidor do orçamento anual, a DRU
(Desvinculação das Receitas da União), sucessora do FEF que, por sua vez,
sucedeu ao FSE criado no governo FHC, porque no ano de 1994 o país ficou sem
orçamento em razão do tempo tomado pelo processo de impeachment do Presidente
Collor.
A causa cessou, mas, o gosto pelo gasto discricionário, sem obediência ao
princípio da legalidade das despesas públicas, fez com que os congressistas
encampassem as sucessivas propostas do Executivo de promulgar, periodicamente,
uma emenda para não deixar findar esse terrível instrumento que promove a
desmontagem do orçamento anual de até 30% das verbas fixadas, que vem
dificultando, senão impossibilitando o controle e a fiscalização da execução orçamentária, por ausência de
indispensáveis elementos de despesas. Essa DRU representa, pois, um cheque
assinado em branco e entregue ao governante para gastar à sua discrição.
Antes, essa DRU era de 20% do total da arrecadação tributária. Ao mesmo tempo
em que pregava necessidade de fazer a Reforma de Previdência para evitar a sua
quebra, a União retirava mensalmente 20% da arrecadação da contribuição
previdenciária, fato que mereceu sucessivas críticas externadas na nossa obra
Direito Financeiro Tributário, hoje na 30ª edição, até que foi, finalmente,
promulgada a Emenda 93/2016, poupando os recursos da Previdência Social, mas elevando o
percentual de desvinculação para 30%, além de estender a DRU para os estados e
os municípios. Estava plantada a semente da quebradeira financeira dos estados.
Hoje, temos seis deles quebrados, dentre os quais Rio, Minas e Santa Catarana.
Por falta de vontade política, falta de planejamento e falta de gestão fiscal
responsável, na contramão da Lei
de Responsabilidade Fiscal, o governante não consegue cumprir com as
suas obrigações até o final do exercício, lançando mão, de forma sistemática,
do expediente de "restos a pagar", que consiste em transferir as
despesas empenhadas e não pagas até o dia 31 de dezembro para serem executadas
no exercício seguinte. Assim, o orçamento subsequente já nasce desequilibrado
materialmente.
Qual a real causa desse desequilíbrio das contas públicas?
Na década de noventa, constituí dois grupos de pesquisas com os meus alunos de
Direito Financeiro. O primeiro grupo deveria levantar os dados concernentes às
receitas previstas e às receitas realizadas nos cinco últimos orçamentos. O
segundo grupo ficou encarregado de confrontar no mesmo período o montante das
despesas consignadas para os diferentes ministérios e o real montante das
despesas executadas em cada ministério.
O resultado foi estarrecedor. O primeiro grupo concluiu que em nenhum dos
exercícios analisados a arrecadação de receitas ficou aquém do montante
estimado na Lei Orçamentária Anual (LOA).
O segundo grupo concluiu que nenhum dos ministérios havia executado totalmente
a verbas consignadas, situando-se em média em 70% das despesas fixadas na LOA.
Pergunta-se: onde foram os 30% das verbas consignadas, considerando que não
houve, no período pesquisado, queda de arrecadação situando-se abaixo do
estimado? Ninguém sabe, nem se descobre - melhor dizendo, ninguém se esforça
para descobrir os desvios orçamentários rotineiros.
Descobrimos que um dos grandes ralos por onde desaparece o dinheiro público são
os fundos que não contêm elementos de despesas; portanto, não permitem o
controle e fiscalização dos
gastos.
Por isso, o legislador constituinte estabeleceu que lei complementar deveria
estabelecer condições para instituição e funcionamento fundos (artigo 165, §
9º, II da CF). Esse artigo jamais foi regulamentado pelo Parlamento Nacional.
E mais, o artigo 36 do ADCT prescreveu que os fundos existentes na data da
promulgação da constituição (5/10/1988) deveriam ser ratificados pelo Congresso
Nacional no prazo de dois anos, sob pena de extinção.
Nenhum dos inúmeros fundos existentes foi ratificado pelo Congresso Nacional e
nenhum deles foi extinto conforme determinação do legislador constituinte.
Ao contrário, periodicamente, novos fundos são criados, como o Fundo Nacional
de Segurança Pública, o
Fundo Nacional do Idoso, o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, só para citar
alguns. O pior desses fundos é o Fundo Eleitoral, que consome a cada eleição
mais de R$7 bilhões retirados da sociedade para financiar as ricas campanhas
eleitorais, a pretexto de democratizar o processo eleitoral, permitindo a
participação de candidatos pobres, como se estes conseguissem receber qualquer
centavo por conta desse fundo eleitoral que beneficia apenas os "donos"
de partidos políticos. Onde está o critério objetivo para a distribuição de
verbas desse fundo? A desfaçatez só encontra resposta na absoluta ausência de
ética de políticos que se posicionam dessa forma, entretanto o baixo índice de
esclarecimento da população em geral não permite detectar o mau caratismo
desses "legítimos" representantes do povo.
Como é possível manter esses ralos por onde desaparecem os recursos financeiros
tomados dos particulares para que o Estado possa retribuir em forma de
políticas públicas planejadas, implantadas e executadas de forma a atender às
necessidades basilares da população?
Todos os males da elaboração e execução do orçamento resultam da contribuição
conjunta dos três Poderes. Como detectado pelo TCU, no orçamento de 2020 R$3 bilhões do Ministério da Integração
Regional foram desviados pelos senadores e deputados por meio de "emendas
do relator", conhecidas como "orçamento secreto".
Se fosse para simplesmente favorecer o estado representado pelo senador, ou o
eleitorado que o deputado representa, como alegam os parlamentares, o mal não
assumiria uma dimensão tão grave. Mas não, tratores foram comprados por valores
que superam em 279% aqueles que o governo vinha gastando dentro dos limites das
dotações orçamentárias próprias.
E mais, esses mesmos parlamentares desviaram R$ 1,6 bilhão destinados à
Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf) para execução de obras em municípios que distam mais de 1,5 mil
quilômetros das águas do São Francisco - isto é, em atividades alheias à
finalidade da Codevasf. A auditoria do TCU revelou ainda indícios de irregularidade nas licitações para execução de obras em locais que nada têm a
ver com as obras contempladas pela Codevasf.
Para reverter esse quando é preciso ter uma mudança cultural radical.
Substituir a cultura do individualismo, do egoísmo arraigado na nossa sociedade
desde o tempo do Império, pela cultura do coletivismo e da empatia. Vale dizer,
é preciso ética no agir de cada um. Ética vem da palavra grega ethos, que
significa ação, comportamento, atividade. Daí o conceito de ética como parte da
filosofia que estuda os valores morais e os princípios da conduta humana. É
preciso que o agir de cada um no dia a dia esteja voltado para a prática do
bem, a fim de promover o bem-estar social, ou seja, direcionar o seu
comportamento para o bem da coletividade.
Por isso, é preciso ética no ato de legislar; ética no ato de executar; e ética
no ato de julgar.
Somente, assim estaremos abrindo o caminho para, aos poucos, materializar os
direitos e garantias enumerados no artigo 5º e esparsos em outros dispositivos
constitucionais.
Recursos financeiros para consecução de grande parte desses direitos e
garantias nunca faltaram. É preciso que os recursos arrecadados sirvam única e
exclusivamente para satisfação do interesse público exteriorizado na LOA e não
desapareçam pelos ralos, para satisfação de interesses individuais dos
detentores do poder político.
É preciso que haja efetivo controle e fiscalização da execução orçamentária pelos mecanismos de controle interno, controle externo e controle
privado ou social.
Quando os integrantes do Congresso Nacional, órgão incumbido de efetuar o controle externo com auxílio
do TCU, estão envolvidos
nos desvios de verbas orçamentárias,
só resta o exercício da cidadania fiscal por intermédio do controle social da
execução orçamentária,
sempre dependente de conhecimentos técnicos especializados na área do Direito
Financeiro.
Daí a reversão desse triste quadro financeiro-orçamentário por via de alteração
da cultura do egoísmo, do individualismo, do materialismo, subsituindo o verbo
"ter" pelo verbo "dar", o que demanda a postura ética de
que falamos.
Por Kiyoshi Harada, no Consultor Jurídico
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