Mesmo com a
pandemia, aplicações crescem R$ 539 milhões, para R$ 5 bi; entidade do Sistema
S nega que haja falta de crédito
As aplicações
financeiras do Sebrae, órgão do Sistema S que dá suporte a micro e pequenas
empresas, alcançaram o marco de R$ 5 bilhões em meio a dificuldades de pequenos
negócios para se sustentar durante a pandemia da Covid-19.
Mesmo com a crise desencadeada pela doença, entre dezembro de 2019 e fevereiro
de 2021, os valores das aplicações do Sebrae nacional e de suas unidades nos
estados cresceram R$ 539 milhões, de acordo com dados que constam nos
balancetes analíticos do órgão.
Esse dinheiro vem do que sobra da arrecadação compulsória da entidade.
Eventualmente, pode ser gasto com pagamento de despesas correntes, como
salários, mas sem ultrapassar os limites orçamentários.
Metade dos R$ 5 bilhões é referente ao nacional, seguido pela unidade de São
Paulo, com R$ 1,1 bilhão. Além dessas aplicações, em fevereiro a entidade tinha
mais R$ 647 milhões em imóveis.
O Sebrae é isento de imposto de rendas e de contribuição social sobre lucro
líquido, por ser considerada uma sociedade civil, sem fins lucrativos. A
instituição é mantida com contribuições sobre a folha de pagamento de
funcionários das empresas com alíquotas que variam de 0,3% a 0,6%.
O dinheiro do Sebrae é arrecadado aos cofres do
governo federal, que repass aos valores à entidade. Os recursos destinados ao
Sebrae que acabam virando aplicações têm incomodado pessoas que estiveram em
cargos de chefia na entidade.
Em reservado, dizem que o órgão pratica "entesouramento" de
contribuições compulsórias e lembram que já houve questionamentos a respeito
disso no TCU (Tribunal de Contas da União).
A entidade chegou aos R$ 5 bilhões em aplicações meses depois de o ministro
Paulo Guedes (Economia) ter anunciado um pacote de medidas econômicas que
incluía um corte nas alíquotas pagas pelas empresas ao Sistema S.
De acordo com o Sebrae, toda essa verba é destinada ao plano plurianual da entidade
e para o Fampe (Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas).
O plano do chefe da Economia era reduzir em 40% as alíquotas que as empresas
pagam sobre cada salário acima de um salário mínimo, a chamada "facada no
Sistema S". Para quem ganha até esse patamar, a contribuição seria
suspensa.
No ano passado, devido à pandemia, chegou a haver por dois meses uma redução
das contribuições empresariais ao Sistema S, entre abril e junho. Ainda assim,
o crescimento de aplicações do Sebrae não frearam.
Para o economista Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal),
qualquer política pública precisa levar em conta custo e benefício, mesmo que
os recursos públicos sejam
usados para financiar outras entidades.
"No fundo, é dinheiro público. Se é ruim ou não, depende dessa avaliação
de custo e benefício para a sociedade. Essa discussão certamente precisa
incluir o Sistema S, é alocação de recursos
públicos", diz Appy, um dos autores da proposta de reforma
tributária da Câmara.
Ao mesmo tempo que o caixa da entidade está positivo, microempreendedores
relatam dificuldades em obtenção de crédito em bancos públicos.
"Com essa pandemia, houve uma oferta de crédito aos microempreendedores.
Até me prevení, abri uma conta jurídica no Banco do Nordeste. Aí dizem: Ah,
você tem que preencher um cadastro na Caixa Econômica. Eu lhe confesso, eu
preenchí umas 20 vezes", disse Gean Souza Sampaio, que faz tiaras e
revende roupas infantis com a mulher e a filha.
Morador de Feira de Santana (BA), afirma ter suas contas em dia e diz que fez
os cursos oferecidos pelo Sebrae para conseguir crédito, mas sua situação não
foi resolvida.
Em São Paulo, o indicador de abril para a atividade da micro e pequena
indústria do Simpi, sindicato do setor, mostra que 72% das empresas que
realizaram uma consulta para obter empréstimo ou financiamento não conseguiram
o dinheiro. Das mais de 300 empresas de pequeno porte consultadas, 40% estavam
inadimplentes.
"Qual o papel do Sebrae? Apoio à micro e pequena empresa. É preciso pegar
esse dinheiro e direcionar. Se você considerar todas as exigências para usar o
fundo garantidor do Sebrae para acessar crédito com os bancos, vê que é para
quase ninguém usar mesmo", diz Joseph Couri, presidente do Simpi.
"O dinheiro não está chegando à
ponta."
Couri refere-se ao Fampe, o fundo às micro e pequenas empresas que coloca o
Sebrae como avalista complementar de financiamentos. A entidade não empresta
dinheiro, mas atua como gerenciadora junto aos bancos.
Segundo o Sebrae, 58% dos clientes que tiveram acesso ao Fampe foram assistidos
pela entidade após receberem o crédito, em 2020.
"De janeiro de 2020 a 30 de abril deste ano, já foram liberados mais de R$
5 bilhões pelas instituições financeiras para o empresário de pequeno negócio.
Desse valor, R$ 4 bilhões foram garantidos pelo Fampe", afirmou a entidade
em nota.
Uma pesquisa do órgão mostra que o volume de crédito de bancos concedido
apequenos negócios foi de R$ 85 bilhões no segundo trimestre de 2020, período
crítico da pandemia, uma alta de 35% em relação ao mesmo trimestre do ano
anterior.
O levantamento diz que o valor não foi acompanhado pelo crescimento do número
de pequenos negócios tomadores de crédito, ou seja, os bancos emprestaram mais,
mas não necessariamente a novos comerciantes.
De acordo com declaração de Carlos Melles, presidente do Sebrae, foram
favorecidas as empresas que já tinham um relacionamento bancário anterior à
crise.
As empresas de pequeno porte ficaram com 83% das novas concessões, ante 12% das
microempresas e 5% dos MEI (microempreendedores individuais).
No setor de restaurantes, um dos mais afetados pela crise de Covid-19, muitas
empresas contaram com auxílio de crédito via Pronampe (Programa Nacional de
Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), embora estejam endividadas
com bancos e sem perspectiva de pagar as contas. A imprevisibilidade para sair
do vermelho é grande diante do recrudescimento de Covid e da lenta vacinação.
As mais necessitadas, no entanto, ficaram de fora.
"O Pronampe ajudou milhares de empresas, mas os filtros dos empréstimos
deixaram de lado quem dava menos segurança. Muitas empresas foram recusadas
pois não tinham fiadores, lastro ou estavam endividadas", afirma Percival
Maricato, presidente da Abrasel São Paulo.
A reportagem também ouviu queixas de microempreendedores de São Paulo que
seguiram orientações do Sebrae, mas reclamam de excesso de exigências e de
falta de transparência para obter crédito. Eles não querem se identificar
porque ainda tentam obter esses recursos.
Em nota, o Sebrae destaca que os R$ 5 bilhões são de disponibilidades
financeiras, R$ 3 bilhões para o PPA (plano plurianual)
e R$ 2 bilhões para o Fampe.
"Vale lembrar, o valor de R$ 332 milhões foi de incrementos ao Fampe,
durante a pandemia, fruto da MP 932/2020."
Pessoas ligadas ao Sebrae afirmam, entretanto, que está alocado em contas para
o Fampe R$ 1,3 bilhão - ou seja, segundo eles, dos R$ 5 bilhões, ao menos R$3,
7bilhões estariam livres e poderíam ser usados, imediatamente, para socorrer as
MPEs.
"O Sebrae prevê uma série de ações voltadas a apoiar os pequenos negócios
na abertura de novos mercados (digitalização das empresas), melhorar as finanças
do negócio e desenvolver ações no Congresso e no governo para melhoria das
políticas públicas", afirma o órgão, em nota.
Em relação à melhoria das finanças das empresas, diz que tem orientado os
empreendedores sobre a renegociar os empréstimos adquiridos via Pronampe no ano
passado, assim como efetuar a portabilidade de dívidas e acessar crédito junto
à Caixa ou por meio de fintechs.
"Vale lembrar que, entre os compromissos assumidos, estava a reedição da
MP 936/ Benefício Emergencial. Apenas esses dois programas do governo (Fampe e
Pronampe) foram responsáveis pela concessão de quase R$ 40 bilhões de
empréstimos para os pequenos negócios. As operações de crédito no âmbito desses
programas têm prazos de carência que foram extremamente relevantes para as
empresas que obtiveram o empréstimo", diz.
A entidade ainda afirma que a carência de grande parte das operações de crédito
do Pronampe termina no primeiro trimestre e que os pequenos negócios passarão
efetivamente a começar a pagar os empréstimos contratados em 2020.
"Somente a partir daí poderemos avaliar melhor o comportamento da
inadimplência e sua evolução em 2021", diz o Sebrae.
Qual o papel do Sebrae? Apoio à micro e pequena empresa. É preciso pegar esse
dinheiro e direcionar. Se você considerar todas as exigências para usar o fundo
garantidor do Sebrae para acessar crédito com os bancos, vê que é para quase
ninguém usar mesmo Joseph Couri presidente do Simpi Sindicato das Micro e
Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo
Por José Marques e Paula Soprana, na Folha de S. Paulo
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