Valor equivale a 75% do PIB e inclui
União, estados e municípios; reforma tributária está parada no Congresso, sem
previsão de votação.
Em um sistema tributário
caótico e que afasta investimentos, há uma cifra que chama a atenção: a disputa
judicial entre Estado e contribuintes já soma R$ 5,4 trilhões, montante que
equivale a 75% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os números integram um estudo do Núcleo de Tributação do Insper, que mapeou e
detalhou boa parte das disputas existentes nos tribunais brasileiros até o fim
de 2019. Além da União, o levantamento engloba os 26 estados e o Distrito
Federal, 24 capitais e cerca de 4 mil municípios.
"Esse número (de 75% do PIB) é bastante representativo do quão oneroso e
desafiador é investir no país", afirma Lorreine Messias, pesquisadora do
Núcleo de Tributação do Insper e uma das autoras do levantamento. "É
claramente uma medida de insegurança jurídica, de disputas bilionárias, de gastos
acima da média com advogados e contadores, aos quais essas empresas têm de
incorrer para operar no país."
"Esse número (de 75% do PIB) é bastante representativo do quão oneroso e
desafiador é investir no país", afirma Lorreine Messias, pesquisadora do
Núcleo de Tributação do Insper e uma das autoras do levantamento. "É
claramente uma medida de insegurança jurídica, de disputas bilionárias, de
gastos acima da média com advogados e contadores, aos quais essas empresas têm
de incorrer para operar no país."
E quanto maior o gasto, menor o lucro. "Isso significa uma taxa de retorno
menor para as companhias, comparativamente a outros países. Quando eu olho o
Brasil e olho outros emergentes, do ponto de vista tributário, esses outros
países se tornam muito mais interessantes", destaca Lorreine.
As empresas brasileiras perdem, em média, 1.501 horas ou 62,5 dias por ano para
calcular e pagar os seus impostos, segundo o Banco Mundial. A pior marca dentre
190 países analisados.
Dos R$ 5,4 trilhões em disputas tributárias, a maior parte envolve a União -
são cerca de R$ 3,8 trilhões (ou 52,7% do PIB). Estados concentram R$ 1,17
trilhão (16,2% do PIB), e capitais e demais municípios respondem por R$ 439,6
bilhões (6% do PIB).
Sistema
caótico
Há uma série de razões que explicam por que o Brasil criou um sistema tão
caótico. A primeira é a complexidade: "União, 26 estados e o Distrito
Federal e mais de cinco mil municípios podem legislar sobre as várias áreas da
tributação", explica Breno Vasconcelos, também pesquisador do Insper e
coautor do estudo.
Além dessa fragmentação de competências, há ainda uma produção excessiva de
regras tributárias, alertam os especialistas.
Dados do Tribunal de Contas da
União (TCU) mostram
que 337 mil normas foram editadas desde a Constituição de 1988, as quais,
muitas vezes, ganham novas interpretações com o passar do tempo. "Isso
cria um ambiente de enorme insegurança", destaca Vasconcelos.
Os processos também são extensos e demorados: o tempo médio de um litígio
tributário no Brasil é de quase 19 anos, segundo a consultoria EY (antiga
Ernest & Young).
No dia a dia da TMSA, uma empresa fabricante de máquinas e equipamentos, a
incerteza provocada pelo sistema tributário fica evidente. A companhia fatura
R$ 300 milhões por ano, mas já acumula um terço disso em disputas com o fisco.
Ao todo, tem pendentes 50 ações tributárias, parte de iniciativa própria e
outra parte aberta pela Receita Federal.
Para dar conta da demanda, a empresa teve de criar um departamento apenas para
lidar com os impostos.
"Na nossa área fiscal, se juntarmos desde o pessoal que faz recebimento de
notas até a etapa final, além do jurídico, falamos de 25, 30 pessoas. É um
absurdo", diz Mathias Elter, presidente da TMSA. "Entre 3% e 5% da
nossa força de trabalho lida com o fisco. É um verdadeiro caos."
Guerra
entre Estados
O estudo do Insper também apurou que a disputa envolvendo alguns tributos chega
a superar - e muito - toda a arrecadação.
Uma das maiores distorções é observada no Imposto sobre a Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS). O valor das ações envolvendo apenas esse tributo
equivale, por exemplo, à toda a arrecadação dos Estados do país em 2019,
segundo o levantamento. Dado, que segundo os pesquisadores, está subestimado,
já que nem todos os governos detalham o contencioso por tipo de imposto.
O ICMS é a principal fonte de receita dos Estados e tem uma legislação própria
em cada unidade da federação, o que estimula a chamada guerra fiscal. Ou seja,
uma concessão desmedida de benefícios tributários com o objetivo de atrair
empresas e investimentos.
"Esses números deixam claro que a discussão sobre a reforma tributária não
pode se furtar de olhar para os tributos subnacionais, em especial o ICMS",
alerta Lorreine.
"Esses números deixam claro que a discussão sobre a reforma tributária não
pode se furtar de olhar para os tributos subnacionais, em especial o
ICMS", alerta Lorreine.
Na esfera federal, a maior distorção está no Imposto de Renda da Pessoa
Jurídica (IRPJ). O contencioso representa 64% de toda a arrecadação federal em
2019. Já nos municípios, o gargalo está no Imposto Sobre Serviços (ISS), que
acumula disputas equivalentes a 61,5% da receita de todas as capitais no ano
passado.
Reformas
em discussão
A solução para reduzir esse contencioso trilionário passa, obrigatoriamente,
por uma reforma do sistema de impostos, alertam analistas.
No ano passado, a equipe econômica apresentou uma proposta considerada tímida,
com abrangência apenas federal. O texto propõe a unificação do PIS-Cofins, com
alíquota única de 12% para as empresas e de 5,8% para instituições financeiras.
O projeto está parado em uma comissão mista do Congresso, que também analisa
outros dois textos, mais amplos, vindos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
A proposta da Câmara prevê a substituição de cinco tributos federais, estaduais
e municipais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um só, o Imposto sobre Bens e
Serviços (IBS).
Já a do Senado prevê a união de nove tributos (também dos três níveis da
federação: ICMS, ISS, IPI, PIS, Cofins, Cide, Pasep, IOF e Salário-educação)
para criar o Imposto Sobre Operações de Bens e Serviços (IBS).
"As propostas que estão no Congresso precisam ser adaptadas e tornadas
mais compatíveis, já que em alguns casos elas se sobrepõem", diz o sócio e
economista da Kairós Capital, André Loes. "Se a gente tivesse um esforço
de compatibilizar essas propostas, que são boas, nós conseguiríamos ter uma
redução da complexidade e das possibilidades de se gerar contencioso."
"As propostas que estão no Congresso precisam ser adaptadas e tornadas
mais compatíveis, já que em alguns casos elas se sobrepõem", diz o sócio e
economista da Kairós Capital, André Loes. "Se a gente tivesse um esforço
de compatibilizar essas propostas, que são boas, nós conseguiríamos ter uma
redução da complexidade e das possibilidades de se gerar contencioso."
G1.Globo
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