O Projeto de Lei nº 4.253/2020
promete trazer importantes inovações ao regime jurídico das contratações públicas, consolidando,
em uma única norma, leis esparsas sobre o tema, o que visa a facilitar a
análise e interpretação das regras de licitações e contratos por parte das empresas e, igualmente,
da Administração Pública, favorecendo um ambiente menos burocrático e de maior
segurança jurídica aos envolvidos e à sociedade civil.
Um aspecto especialmente relevante no referido projeto de lei consiste na positivação
de entendimentos jurisprudenciais e práticas administrativas consolidadas, em
especial no que tange à atuação da advocacia pública na seara do processo
licitatório.
Nesse contexto, cita-se, a título de exemplo, o princípio da segregação de
funções, agora previsto expressamente no artigo 7º, §§1º e 2º, do supracitado
PL, o qual impede que a autoridade máxima do órgão designe o mesmo agente
público para atuar simultaneamente em funções mais suscetíveis a riscos no
âmbito da licitação, o que
reduz a possibilidade de ocultação de erros e ocorrência de fraudes, visto que
os atos praticados por um servidor serão revistos por outros, o que vai ao
encontro do que já vinha sendo decidido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) [1].
Tal disposição, segundo o §2º do referido artigo 7º, se aplica também aos
"órgãos de assessoramento jurídico", evitando que, a exemplo do que
acontece com alguns entes públicos, especialmente os de menor porte, o
procurador ou advogado público exerça outras atividades alheias à sua função
institucional, como é o caso de pregoeiro ou integrante da comissão de licitação.
Por sua vez, o artigo 10 institui a possibilidade de os agentes públicos
valerem-se do órgão da advocacia pública para sua defesa pessoal nas esferas
administrativa, controladora ou judicial, caso tenham agido em estrita
observância ao parecer jurídico exarado pelo órgão de assessoramento jurídico
no âmbito da licitação.
Vale dizer que tal possibilidade já vinha sendo empregada em determinadas
esferas de poder, como é o caso da Administração federal, a qual, por meio do
artigo 22 da Lei 9.028/95, autorizou a Advocacia-Geral da União e seus órgãos vinculados a
representar determinadas autoridades e agentes públicos no que tange a atos
praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou
regulamentares.
Portanto, o PL que institui a Nova Lei de Licitações estendeu tal obrigatoriedade às demais esferas de
poder no que tange especificamente ao processo contratações públicas, desde que, é claro, o agente público o
queira e tenha agido em conformidade com o parecer exarado pelo órgão de
assessoramento jurídico.
Nesse ponto, entendemos que a defesa deva se limitar ao aspecto institucional
da atuação do agente público, excluindo-se eventuais pleitos de natureza
eminentemente individual, como é o caso de indenizações por danos materiais e
morais.
Outrossim, cita-se ainda o dever imposto aos entes públicos de instituírem, com
auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de
minutas de editais e contratos, além de outros documentos, sendo admitida a
adoção das minutas do Poder Executivo federal (artigo 19, IV).
Nota-se que é prática comum no âmbito dos entes públicos a aprovação de
minutas-padrão de editais e contratos comumente utilizados em compras públicas,
as quais, quando contam com a chancela da advocacia pública, dispensam a
análise jurídica individual de cada um dos processos de licitação conduzidos pelo órgão,
racionalizando e agilizando sua tramitação administrativa, o que encontra
suporte na jurisprudência do TCU [2].
Ainda nessa esteira, o artigo 52, §5º, do PL ora analisado autoriza a dispensa
de parecer jurídico em hipóteses previamente definidas em ato da autoridade
jurídica máxima competente, não só nos casos de utilização de minuta-padrão de
edital ou contrato previamente aprovado pela advocacia pública, mas também nas
hipóteses de baixo valor, baixa complexidade ou entrega imediata do bem
adquirido.
Tal previsão, embora já venha sendo aplicada por determinados entes com
fundamento na jurisprudência das cortes de contas, contribui sobremaneira com
os órgãos de assessoramento jurídico da Administração Pública, uma vez que a
análise de todo e qualquer processo de compra, em especial as dispensas de
baixo valor ou complexidade, inviabilizaria a atuação dos procuradores e
advogados públicos, dado o volume desse tipo de operação na rotina
administrativa.
Por sua vez, observa-se que a lei dispôs acerca do conteúdo mínimo e de
diretrizes para elaboração do parecer jurídico (artigo 52) a ser exarado ao
final da fase interna do procedimento licitatório, o que, a nosso ver, embora
objetive uniformizar e facilitar o entendimento por parte dos demais agentes
públicos, retira certa parcela de autonomia e independência dos advogados
públicos.
Isso porque o supracitado dispositivo elenca, por exemplo, que a conclusão
"deverá ser apartada da fundamentação, ter uniformidade com os seus
entendimentos prévios, ser apresentada em tópicos, com orientações específicas
para cada recomendação" (artigo 52, III). Embora o objetivo seja,
inegavelmente, promover maior clareza e objetividade nas manifestações
jurídicas, não é possível dizer que eventual parecer estruturado de forma
diversa será necessariamente obscuro e de difícil compreensão, o que está muito
mais atrelado à capacidade profissional do procurador ou advogado público do
que à estruturação do ato administrativo.
Ainda no que tange especificamente ao parecer jurídico, o projeto da Nova Lei
de Licitações reforçou
a grande importância desse ato administrativo no âmbito das contratações públicas, uma vez que,
embora tenha conservado sua força não vinculante já consagrada na
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (MS 24.631, rel. min. Joaquim
Barbosa), tornou obrigatória a motivação de sua rejeição por parte da
autoridade máxima do órgão ou entidade, além de transferir a responsabilidade
pessoal e exclusiva a esta por eventuais irregularidades que, em razão desse fato, lhe forem imputadas.
Por outro lado, no que tange à responsabilidade do parecerista, ainda há dúvida
acerca dos elementos subjetivos necessários à sua configuração. Isso porque a
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42)
responsabiliza o agente público que, em suas decisões ou opiniões técnicas,
agir em caso de "dolo ou erro grosseiro" (artigo 28). Já a
jurisprudência do STF consagra "culpa ou erro grosseiro" (MS 24.631,
min. Joaquim Barbosa e MS 27.867 AgR, min. Dias Toffoli) como elementos
subjetivos necessários à responsabilidade, ao passo que o Código de Processo
Civil e o projeto da Nova Lei de Licitações consideram
o "dolo ou fraude"
(artigo 184 e artigo 52, §6º, respectivamente) como caracterizadores da
responsabilidade no exercício da função.
Nesse caso, defendemos que a atuação do advogado público só pode ser
repreendida no caso de "dolo ou fraude", seja em sua atuação judicial (artigo 184 do CPC) ou
na qualidade de parecerista em processos de licitação (artigo 52, §6º, do Projeto da Nova Lei de Licitações).
Por sua vez, observa-se a grande importância conferida aos órgãos de
assessoramento jurídico no âmbito do projeto da Nova Lei de Licitações, vez que, a partir de
então, a aplicação da grave sanção consistente na declaração de inidoneidade
para licitar ou contratar dependerá de análise jurídica (artigo 155, §6º),
assim como no caso de desconsideração da personalidade jurídica (artigo 159) e
reabilitação de licitante (artigo 162, V).
Ainda, o supracitado projeto de lei coloca, ao lado do controle interno da
entidade, os órgãos de assessoramento jurídico como "segunda linha de
defesa" no sistema de controle das contratações, o qual compreende
"práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle
preventivo" (artigo 168, caput, e inciso II).
Portanto, como vimos, a Nova Lei de Licitações positiva inúmeros aspectos já consolidados na
jurisprudência das cortes de contas e na praxe administrativa relativos à
atuação da advocacia pública, o que, embora não represente qualquer revolução,
contribui para a segurança jurídica e para o entendimento do importante papel
dos procuradores e advogados públicos nos processos de contratações efetuados
pela Administração estatal.
[1] Acórdão nº 686/2011-Plenário, TC-001.594/2007-6,
rel. min-Subst. André Luís de Carvalho, 23/3/2011
[2] Acórdão nº 2674/2014-Plenário, TC-004.757/2014-9, rel. min-Subst. André
Luís de Carvalho, 8/10/2014
Por Rodrigo Pugliesi Lara, no Consultor
Jurídico
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