Edson Fachin usou célebre frase de Ulysses
Guimarães após Estadão mostrar que voto decisivo sobre parcialidade de Moro na
condenação do ex-presidente Lula deve ser do ministro Nunes Marques
O relator da Operação Lava Jato no Supremo
Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, disse nesta quinta-feira, 28, ao Estadão
que a "corrupção parece
triunfar novamente como 'cupim da República'" no Brasil, em referência ao
célebre discurso de Ulysses Guimarães, que fez em sessão no Congresso uma
defesa apaixonada da promulgação da Constituição de 1988 - e de repúdio à
ditadura militar.
"Se, após trinta anos de Constituição, a democracia brasileira evidencia
crise, é também porque faltou (e ainda falta) ao poder público dar respostas
aos crimes impunes: mostrar o que de fato aconteceu e responsabilizar as
condutas desviantes", disse Fachin à reportagem, em nota enviada pelo seu
gabinete. "É possível (e necessário) na democracia apurar e (quando
couber) punir a corrupção.
Com 'nojo da ditadura', como afirmou Ulysses Guimarães, os males da corrupção devem ser enfrentados
dentro da proteção da legalidade constitucional", acrescentou o ministro.
O comentário de Fachin foi enviado à reportagem após o Estadão mostrar que o
ministro Nunes Marques deve dar o voto decisivo que vai definir o placar do
julgamento que discute se o ex-juiz federal Sérgio Moro agiu com parcialidade
ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do
Guarujá. A discussão, iniciada em dezembro de 2018, ganhou força após hackers
divulgarem mensagens privadas trocadas por Moro e integrantes da força-tarefa
da Lava Jato em Curitiba.
Fachin já votou para rejeitar o habeas corpus movido pela defesa do petista,
mas ainda faltam os votos de Nunes Marques, Ricardo Lewandowski e do presidente
da Segunda Turma, Gilmar Mendes. Foi Gilmar quem pediu vista (mais tempo para
análise) no início do julgamento do caso há dois anos. A expectativa é a de que
a discussão do processo seja concluída neste semestre.
"A questão não se circunscreve a um julgamento, ainda a ser concluído.
Ocorre que o sistema de justiça criminal no Brasil é mesmo injusto e seletivo.
Acolá e aqui estão ressurgindo casos clássicos de corrupção. A corrupção parece
triunfar novamente como 'cupim da República', agravando a seletividade e a
exclusão social. Como advertia Ulysses no discurso da promulgação, 'a República
suja pela corrupção impune
tomba nas mãos de demagogos que a pretexto de salvá-la a tiranizam'",
destacou Fachin.
Desde que o ministro Celso de Mello se aposentou da Corte em outubro do ano
passado, Fachin se tornou o principal contraponto ao governo do presidente Jair
Bolsonaro no Supremo. O ministro tem, reiteradas vezes, saído em defesa da
democracia, dos direitos individuais e alertado para os riscos do
autoritarismo.
Na última segunda-feira, Lewandowski determinou a abertura de um inquérito para
apurar a atuação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, no colapso da rede
pública de saúde em Manaus.
O presidente da República, por sua vez, é investigado no STF em inquérito que
apura interferência indevida na Polícia
Federal. Bolsonaro reagiu na última quarta-feira com xingamentos à
imprensa às críticas pelo gasto de R$ 15 milhões com leite condensado por
órgãos da administração federal no ano passado. A compra levou parlamentares da
oposição a pedirem ao Tribunal de
Contas da União (TCU)
a abertura de uma investigação sobre as compras do Executivo.
"A ninguém se pode negar um julgamento justo e imparcial. Essa é uma
garantia do Estado de Direito democrático. Cabe ao colegiado, onde há debates e
eventuais dissensos, contrabalançar direitos e integridade pública, bem como
enfrentar eventuais erros com justiça e espírito público. Não devemos nos
conformar com respostas fáceis que ora atribuem culpa ao mensageiro, ora
normalizam o desvio", acrescentou Fachin.
Resistência
Fachin também é vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tem
sido visto por aliados de Bolsonaro como um dos expoentes da ala
"punitivista" e o maior foco de resistência ao chefe do Executivo no
tribunal.
Em 2018, o ministro pediu vista no julgamento de uma ação considerada menos
complexa, que investigava suposto abuso do poder econômico por parte de Luciano
Hang, que teria coagido seus funcionários a votarem no então candidato do PSL.
Fachin acabou concordando com os colegas pelo arquivamento do caso, mas o
pedido de vista foi interpretado por auxiliares de Bolsonaro como uma tentativa
de revirar a ação para ver se achava algo. O ministro também liderou a corrente
de votos que determinou a realização de uma perícia para apurar o ataque cibernético
ao grupo "Mulheres unidas contra Bolsonaro".
No início deste mês, veio de Fachin a reação mais contundente no Poder
Judiciário contra a invasão do Capitólio e em defesa da Justiça Eleitoral
brasileira. "A violência cometida, nesse início de 2021, contra o
Congresso norte-americano deve colocar em alerta a democracia brasileira. Na
truculência da invasão do Capitólio, a sociedade e o próprio Estado parecem se
desalojar de uma região civilizatória para habitar um proposital terreno da
barbárie", afirmou o ministro, em nota divulgada à imprensa.
O vice-presidente do TSE destacou na ocasião que, em outubro de 2022, o Brasil
irá às urnas nas eleições presidenciais, seguindo as regras estabelecidas pela
Constituição que preveem a realização de eleições periódicas. "Quem
desestabiliza a renovação do poder ou que falsamente confronte a integridade
das eleições deve ser responsabilizado em um processo público e transparente. A
democracia não tem lugar para os que dela abusam", afirmou Fachin.
O recado foi interpretado por colegas de Fachin como uma resposta aos
sucessivos ataques que Bolsonaro tem feito à credibilidade da Justiça Eleitoral
e do sistema eletrônico de votação adotado no País.
Por Rafael
Moraes Moura, em O Estado de S.Paulo
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