O Senado aprovou recentemente
o Projeto de Lei nº 4.253/2020, disciplinador da nova lei geral das licitações e contratos
administrativos, a ser aplicável no âmbito da Administração Pública direta,
autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
municípios.
Em ato contínuo, encaminhou-o para a aguardada
sanção presidencial, oportunidade em que ainda poderá sofrer veto total ou
parcial.
Com a formalização de eventual sanção presidencial, serão revogadas: a atual
Lei de Licitações (Lei
nº 8.666/1993), a Lei nº 10.520/2002 (instituidora da licitação na modalidade pregão) e a Lei nº 12.462/2011
(delimitadora do regime
diferenciado de contratações - RDC). Todavia, pelo período de dois
anos a contar da publicação do novel normativo, se admitirá que as entidades
licitantes optem pela aplicação da antiga ou da nova legislação.
De qualquer sorte, é importante destacar que o novo marco legal foi inspirado
pela necessidade de unificação e pacificação das normas esparsas, bem assim
pelo imperativo de tornar a sistemática das contratações públicas mais ágil, eficaz, econômica e menos
burocrática. Contudo, de uma primeira análise verifica-se que o legislador, em
grande parte do texto produziu uma releitura das normas vigentes, adaptando-as,
em alguns casos, ao entendimento externado pelos tribunais, especialmente pela
corte de contas da União, a exemplo da:
a) Inversão das fases, contemplando o julgamento anterior à fase de
habilitação, como admitido na Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão), na Lei nº 11.079/2004 (normas
gerais para licitação e
contratos de parceria
público-privada), na Lei nº 12.462/2011 (RDC) e na Lei nº 13.303/2016
(disciplinadora das contratações e licitações realizadas
pelas empresas estatais);
b) Adoção do orçamento sigiloso, como já previsto na Lei nº 12.462/2011 (RDC) e
na citada Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais);
c) Exigência de estipulação de matriz de risco, cláusula definidora dos riscos
e responsabilidades das partes e caracterizadora do equilíbrio
econômico-financeiro inicial do contrato, a exemplo do instituído pela Lei nº
13.303/2016 (Lei das Estatais);
d) Previsão da modalidade de contratação integrada
(projetos básico e executivo sob responsabilidade do contratado) e contratação semi-integrada
(imputação ao contratado apenas do projeto executivo), espelhadas pela Lei nº
12.462/2011 (RDC) e igualmente pela Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais);
e) Positivação do procedimento de manifestação de interesse, já previsto na Lei
nº 8.428/2015 e aplicável no âmbito das concessões públicas, a partir do qual
se possibilita pleitear à iniciativa privada a apresentação de propostas e
realização de estudos, investigações, levantamento e projetos de soluções
inovadoras que contribuam com questões de relevância pública;
f) Ratificação da tendência já consagrada na legislação, a exemplo da Lei nº
11.079/2004 (instituidora das normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada), ao admitir
a adoção de mecanismos alternativos de solução de controvérsias, notadamente
conciliação, mediação, comitê de resolução de disputas e arbitragem;
g) Possibilidade de utilização da modalidade pregão para contratação de
serviços comuns de engenharia, como consolidado na Súmula 257 do Tribunal de Contas da União;
h) Vedação de realização de obras e serviços de engenharia sem o projeto
executivo, de modo a inibir a transfiguração do objeto originariamente
licitado, consoante já evidenciado na Súmula 261 do Tribunal de Contas da União.
De qualquer sorte, em que pese as reprises legislativas, é possível pontuar
alguns aspectos mais inovadores do projeto de lei:
a) Inclusão da modalidade de licitação denominada
"diálogo competitivo", inspirada no modelo europeu e concebida
essencialmente para as situações em que há desnível informacional entre a
Administração Pública e os fornecedores, de modo que a solução mais adequada
depende do estabelecimento de efetivo diálogo entre as partes;
b) Ampliação do percentual de cobertura do seguro garantia dos atuais 5% para
20% nas obras, serviços e fornecimentos, e dos vigentes 10% para 30% nos casos
de contratação de
grande vulto;
c) Possibilidade de o edital exigir, para os casos de obras e serviços de
engenharia, a prestação de seguro na modalidade seguro-garantia com previsão da
responsabilidade da seguradora de, em casos de inadimplemento, assumir a
execução e concluir o objeto contratado, sob pena de arcar, inclusive, com a
multa contratual e com a indenização dos prejuízos e sobrecustos advindos de
nova contratação;
d) Introdução do regime de execução de obra e serviço de engenharia denominado
fornecimento e prestação de serviço associado, em que se confere ao contratado
a reponsabilidade pelo fornecimento do objeto e posterior operação e/ou
manutenção;
d) Estabelecimento de parâmetros e condicionantes que devem guiar o gestor do
contrato na decisão de suspender a execução do contrato;
e) Realização de audiência, presencial ou a distância, ou consulta pública,
sobre licitações pretendidas
pela Administração Pública;
f) Previsão do contrato de eficiência, destinado a propiciar economia de
recursos a partir da proporcionalidade da remuneração do contratado ao
percentual de economia gerada pela atuação eficiente;
g) Instituição da figura do agente de contratação, designado entre servidores efetivos ou empregados dos
quadros permanentes para tomada de decisão, acompanhamento, impulso e bom
andamento dos procedimentos licitatórios;
h) Obrigatoriedade de cada ente federativo, na forma de regulamento, elaborar
plano de contratação anual,
com o escopo de racionalizar as contratações e subsidiar a edição das leis orçamentárias;
i) Estipulação da fase preparatória das licitações compatibilizada com o plano de contratação anual, contemplando,
dentre outros, a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução
contratual;
j) Exigência quando da contratação de
obras e serviços de engenharia, de obtenção pelo ente contratante da licença
prévia para fins de licenciamento ambiental, além da previsão de prioridade de
tramitação dos licenciamentos nos órgãos integrantes do Sistema Nacional de
Meio Ambiente (Sisnama);
k) Extinção das modalidades de tomada de preços e convite;
l) Criação do portal nacional de contratações
públicas, sítio oficial eletrônico destinado a divulgação centralizada e
obrigatória das licitações por
todos os entes federativos.
Por fim, merece destaque a circunstância de que a proposta legislativa
estabeleceu tímidas disposições relacionadas a gestão de contratos, instrumento
fundamental ao planejamento e economicidade reclamados no texto. Além disso,
outro aspecto negativo a ser mencionado é o formalismo, que torna as
contratações mais custosas, além do detalhismo exacerbado do texto.
Assim, em que pese o projeto da nova Lei de Licitações consolidar, em grande medida, a fragmentada
legislação atinente às compras públicas, ainda que com redação truncada e rebuscada,
o legislador demonstra esforço tímido em aperfeiçoar o sistema, incorporando
disposições consagradas encartadas em leis vigentes, aliadas a aspecto inovadores.
Por Anaíse Anádia Pires Ferreira Lima e Marcylio de Alencar Ferreira Lima na Revista Consultor Jurídico
Anaíse Anádia Pires Ferreira Lima é advogada, especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Marcylio de Alencar Ferreira Lima é advogado, especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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