Prefeitura terá reunião virtual com TCU para discutir modelo do leilão do Santos Dumont. Administrador municipal diz que, se não houver restrição de voos, o que prejudicaria o Galeão, concessionário não terá 'vida fácil'
Enquanto não estiver garantida uma restrição ao número de
voos no Santos Dumont, a prefeitura do Rio vai manter uma representação no
Tribunal de Contas da União contra o edital de leilão do aeroporto. O objetivo
é evitar o esvaziamento do Galeão, o aeroporto internacional da cidade, que tem
papel relevante não só no turismo, como na conectividade (ligações diretas de
voos com outros destinos) e no abastecimento da indústria com o transporte de
cargas. O prefeito afirma que já tem audiência virtual marcada com o ministro
Walton Rodrigues hoje para discutir o assunto. Ele não descarta a via judicial
para evitar maior expansão do terminal no Centro do Rio e diz que se os
interesses da cidade não forem protegidos nas regras do leilão, o investidor
que arrematar o aeroporto 'não terá vida fácil'.
Tribunal de Contas da União (TCU) contra o edital?
Primeiro, essa decisão a gente tem que comemorar. Ela
mostra o quanto tivemos ouvidos surdos durante pelo menos um ano por parte do
Ministério da Infraestrutura. Sempre tivemos como resposta um completo desprezo
pelas afirmações, comentários ou questões que levantáva-mos. Esse movimento do
governo federal é para ser aplaudido. Recuar não é problema, não é vergonha. E
demonstração de que se está aberto ao diálogo. Quero agradecer ao governo
federal e ao ministro Tarcísio (de Freitas, da Infraestrutura) por ter, mesmo
tardiamente, mostrado capacidade de diálogo. Já havia esse sinal com a criação
do grupo de trabalho. Quero crer, e as atitudes do governo federal agora
demonstram que não é uma coisa deliberada para destruir o Galeão e sim
viabilizar o Galeão. Era muito mais uma visão equivocada do que se pretende
para Galeão e Santos Dumont. Agora, a questão de fundo é que, com as nossas
características, momento econômico e até a geografia do Rio, tem que pensar o
conjunto. O Galeão tem importância estratégica e econômica para a cidade. Deve
ser priorizado. O Santos Dumont é charmosinho, tem lindo visual. E muito fofo,
mas não pode ser o que norteia as decisões.
0 Rio vai à Justiça se não houver restrição ao aumento de
voos?
A prefeitura vai manter a representação junto ao TCU,
esperando que as coisas possam ser resolvidas em um fórum de discussão que não
precise de ação judicial, embargo ambiental, de medidas ao TCU. Mas fica a
mensagem clara de que iremos ao limite do limite para impedir esse crime contra
o Rio.
E qual seria o limite?
O limite do limite é um recado muito claro aos
(investidores) privados que, se não tiver um edital que proteja os interesses
do Rio de Janeiro, o recado que deixo é que não entrem nessa concessão e nessa
licitação porque a vida deles não vai ser fácil com a prefeitura do Rio. Tenho
certeza de que a Câmara de Vereadores, a Assembléia Legislativa e o governo do
estado também não darão vida fácil. Dar vida fácil a qualquer (concessionário)
privado que defenda um modelo que não atenda os interesses do Rio seria entregar
os interesses da cidade. O limite é esse... de eu dizer um absurdo aqui. Olha,
dou um jeito de tomar o acesso do Santos Dumont um inferno de quem quiser ir
para lá. Claro que estou falando aqui de forma figurada, mas é um pouco isso.
Recorrer às ferramentas possíveis e imagináveis: ambiental, trânsito, sob o
ponto de vista legal, institucional. Sigo o diálogo, mas tendo em vista a
experiência do último ano, é a forma que a gente encontra para fazer valer os
interesses do Rio. Agora, acreditando que esse grupo de trabalho vai chegar a
um consenso.
0 senhor já disse em rede social que a licitação parecia
ter sido dirigida antes da decisão de leiloar o Santos Dumont isoladamente.
Porquê?
Porque na hora que bota na conta esses aeroportos de
Minas Gerais, prejudica o Galeão e favorece Confins (MG). Não estou acusando
ninguém. E uma suposição. Mas a própria manifestação e desejo de Gua-rulhos,
Confins e Brasília de participar do grupo de trabalho... Eles sabiam que ia
prejudicar o Galeão. Não quero condenar o privado porque está ali defendendo o
interesse dele. Mas é uma prova de que o governo não pode defender interesses
privados.
Vender o aeroporto isoladamente vai aumentar o interesse
do investidor?
A prefeitura do Rio é mais do que amigável ao
investimento privado, a PPPs (parcerias público-privadas), concessões.
Aprefeitura jáfez várias na minha administração. Desde que as regras estejam
bem estabelecidas, claras, para que não se prejudique o Galeão, acho ótimo.
0 senhor vai participar do grupo de trabalho que revisa
as regras da licitação?
Prefiro que seja conduzido pelo secretário (de
Desenvolvimento Econômico), Chicão Bulhões, mas se necessário for,
participarei.
Se o modelo original da licitação for mantido, qual o
impacto para o Rio?
O grande prejuízo que agente já observa, além dos
diretos, é a diminuição do número de turistas. As pessoas deixam de vir pela
dificuldade de voos. E o terminal de cargas tem papel fundamental, está
acoplado aos interesses dos voos internacionais para o Rio. Fora o hub (centro
de distribuição de voos) doméstico, que é necessário para atrair voos
internacionais. Tem impacto direto na economia, nos produtos e na negociação do
terminal de cargas e e turistas. E, lamento informar, o Rio continua sendo o
principal local para recepção de turistas estrangeiros.
0 senhor fez uma série de críticas ao modelo. Vê
motivação política para favorecer outros estados no edital do governo federal?
Falei objetivamente. Acho legítimo, maravilhoso ele
(Tarcísio de Freitas) concorrer ao governo de São Paulo. Mas ele não pode usar
o cargo de ministro da Infraestrutura, posição na qual tem que atender
interesses de todo o Brasil, para fazer sua campanha. E uma das suspeitas que
levantei. Respeito, admiro o trabalho, mas não use a função para defender uma
unidade da federação que, por acaso, ele quer ser candidato a governador.
Como tem sido a interlocução com o governo federal?
Esse governo Bolsonaro é muito ideológico e partidário.
Ou você é capacho ou é meio maltratado. Mas estou confortável na minha posição
de maltratado. A mim não tem problema. Só não maltrate a minha cidade. A gente
tem que ser republicano nessas horas. Tem de tratar bem todos os níveis de
governo, independentemente da posição eleitoral.
O Galeão já sente algum impacto desse debate?
Há um excesso de voos no Santos Dumont que pre-judicao
Galeão. A gente precisa começar a discutir como melhorar.
'Fica a mensagem clara de que iremos ao limite do limite
para impedir esse crime contra o Rio'
'Esse governo Bolsonaro é muito ideológico e partidário.
Ou você é capacho ou é meio maltratado. Mas estou confortável na minha posição
de maltratado'
Raphaela Ribas, Jornal O Globo
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