Estatal é acusada de protelar dados sobre usina; empresa não se
pronuncia
Entidades de servidores da
Eletrobras apresentaram nesta terça-feira (17) à SEC (órgão regulador do
mercado de capitais dos Estados Unidos) uma denúncia contra a companhia. De
acordo com o documento, a Eletrobras omite de seus acionistas a dimensão dos
riscos financeiros que sofre com a hidrelétrica de Santo Antônio.
A usina, que enfrenta
dificuldades para pagar uma sentença, tem Furnas, subsidiária da estatal, entre
os seus acionistas, com 43,06% de participação.
A Eletrobras é listada no
mercado americano: tem depósitos de recibos, os ADRs (American Deposita-ry
Receipt), negociados na Bolsa de Valores de Nova York. Por isso, está sujeita a
acompanhamento pelos órgãos reguladores locais.
Procurada, a estatal disse
que não vai se manifestar sobre o caso. No entanto, durante entrevista nesta
terça (17) para detalhar o resultado da empresa, o presidente-executivo da
Eletrobras, Rodrigo Limp, disse que a empresa ainda não foi comunicada
oficialmente do processo na SEC e defendeu que teve atuação transparente no
caso, cumprindo os requisitos de divulgação de comunicados ao mercado.
Subscrevem a denúncia à
SEC (órgão equivalente à brasileira CVM) três entidades de servidores da
estatal: Ae-el (Associação dos Empregados da Eletrobras), Asef (Associação dos
Empregados de Furnas) e CNE (Coletivo Nacional dos Eletricitários).
Na avaliação delas, a
Eletrobras protela a divulgação de detalhes financeiros sensíveis sobre Santo
Antônio na tentativa de agilizar o calendário de sua privatização, ainda que
isso impo-nha prejuízos para a companhia e seus acionistas.
A usina Santo Antônio é
uma das maiores do Brasil. Está instalada no rio Madeira, na altura de Porto
Velho (RO). A hidrelétrica é controlada pela Madeira Energia, que tem como
sócios, além de Furnas, Andrade Gutierrez, Odebrecht, FIP Caixa Amazônia
Energia e Cemig.
O documento enviado à SEC
detalha que a Madeira Energia enfrenta bilionária derrota numa câmara arbitrai
internacional, movida por construtores e fornecedores de equipamentos para a
obra da usina. A sentença contra a Madeira Energia já foi proferida, mas a
aplicação foi adiada após pedido de esclarecimentos adicionais.
De acordo com o texto
protocolado na SEC, a arbitragem decidiu que a Madeira Energia terá de pagar
cerca de US$ 300 milhões (R$ 1,5 bilhão).
A denúncia destaca que, em
comunicado ao mercado em 18 de março de 2022, a Eletrobras demonstrou sua
preocupação com a arbitragem. No entanto, no balanço apresentado à
assembleia-geral ordinária da Eletrobras, realizada mais de um mês depois, em
22 de abril, não divulgou o montante total, apesar de já ter conhecimento dele.
Segundo a denúncia, a
Eletrobras preferiu apresentar que a provisão para a dívida era de cerca de R$
706 milhões, ou US$ 141 milhões, subestimando as perdas com a arbitragem em
cerca de 50%, além do risco de inadimplência total da Madeira Energia.
'A dívida bilionária que
Furnas pode carregar e, portanto, a Eletrobras, já eram conhecidas pelo
controlador da Eletrobras, mas surpreendentemente nenhuma divulgação foi feita
a nenhum dos acionistas', afirma a denúncia protocolada na SEC.
A intenção de realizar a
operação de aumento de capital foi avaliada e aprovada em 29 de abril e
comunicada ao mercado pela Santo Antônio e pela Eletrobras.
De acordo com a denúncia
na SEC, a Eletrobras ainda omite outras informações dos acionistas. O texto
afirma que os demais sócios da usina, Andrade Gutierrez, Odebrecht e FIP Caixa
Amazônia Energia, já declararam que não vão fazer parte do aumento de capital,
sem que essa informação tenha sido divulgada.
A Cemig oficializou que
não participará em comunicado a mercado.
Como acionistas, as
entidades Anel e Asef destacam que a Eletrobras também não informou ainda qual
valor caberia a Furnas nessa operação, nem tratou dos cenários de riscos com ou
sem participação de sua subsidiária na operação.
Afirmam que, sem aporte, e
empresa pode quebrar, mas com um aporte integral de Furnas, ela passa a ser
estatal, fazendo com que a subsidiária e, por consequência, a Eletrobras
absorva uma dívida de R$ 18 bilhões.
A denúncia na SEC também
questiona os procedimentos adotados para a divulgação dos balanços.
Segundo a denúncia, a
diretoria da Madeira Energia aprovou o balanço da empresa em 8 de fevereiro, um
dia antes de declarar seu prejuízo ao mercado e sem registrar em seus livros o
verdadeiro valor desse enorme prejuízo.
'Fomos informados de que a
Deloitte, empresa de auditoria independente responsável pela auditoria do
balanço da MESA [Madeira Energia], havia recomendado fortemente que a empresa
republicasse seus resultados, incluindo o valor integral definido pela referida
arbitragem', destaca o texto da denúncia.
Por sua vez, o balanço da
Eletrobras, dizaqueixa, foi aprovado antesdo balanço de Fumas.
Enquanto o conselho de
administração da Eletrobras Holding aprovou o balanço anual de 2021 em 18 de
março de 2022, o balanço de Furnas foi aprovado por seu conselho em 21 de março
de 2022, três dias depois.
'Há evidências de que o
conselho de administração de Furnas aprovou o balanço anual da empresa sem
considerar qualquer documento escrito fornecido pela auditoria interna ou pela
auditoria independente [Deloitte]. É importante dizer que a aprovação não foi
unânime, com pelo menos um conselheiro votando contra', afirma a denúncia.
Nesse meio-tempo, ocorreu
a troca do presidente de Furnas. O advogado Clóvis Torres, que conduzia o processo
de privatização na subsidiária, foi substituído em 9 de abril. No seu lugar
assumiu Caio Pompeu, diretor financeiro de Furnas.
Na avaliação dos
denunciantes, tanta falta de transparência beira a fraude.
Diante disso, as entidades
solicitam à SEC que investigue o conselho de administração da Eletrobras por má
conduta na apresentação de informações prestadas durante a assembléia geral
ordinária, que aprovou o balanço anual da companhia.
A denúncia contra a
Eletrobras foi inspirada na decisão da SEC de questionar a Vale por não ter
informado aos acionistas os problemas e riscos operacionais da mina Córrego do
Fepo, o que levou à tragédia de Brumadinho.
As divergências ocorrem ao
mesmo tempo em que a estatal entra na reta final para ser vendida. Nesta
quarta-feira (18), a privatização da Eletrobras volta à pauta para julgamento
no TCU (Tribunal de Contas da União).
Superada essa fase, será
preciso cumprir os protocolos no mercado de capitais para levar à oferta em
Bolsas de Valores, no Brasil e nos Estados Unidos. Segundo bancos de
investimentos, não é recomendável fazer a operação no segundo semestre.
Jornal
Folha de S. Paulo, Alexa Salomão (colaborou Nicola Pamplona)
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