Piada pronta
Quando o Supremo
Tribunal Federal (STF) decretou a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro nos
processos contra o ex-presidente Lula, e, um atrás do outro, em diversos pontos
do país, eles foram sendo arquivados, logo surgiu a pergunta que não queria
calar, uma piada crítica ao absurdo da situação: 'E o dinheiro devolvido graças
aos acordos obtidos na Operação Lava-Jato terá de ser restituído a seus
donos?'.
Parecia provocação, mas,
sim, é verdade. Já há advogados defendendo que, com os processos arquivados e Moro
considerado parcial pelo STF, é possível pedir o dinheiro de volta ao Estado.
Para ter noção da situação surreal, apenas um gerente da Petrobras, Pedro
Barusco, devolveu à Petrobras R$182 milhões desviados no esquema montado pelo
governo petista. Virou medida de corrupção, um barusco.
Pois o país da piada pronta
bateu seu recorde com a ação popular ajuizada por representantes do PT contra
Moro, acusando-o de ter provocado prejuízos ao país ao 'manipular a maior
empresado Brasil, a Petrobras, como mero instrumento útil ao acobertamento dos
seus interesses pessoais'. Quer dizer, alegam que foi o trabalho da Justiça que
prejudicou a Petrobras, e não os roubos cometidos por executivos e políticos.
Segundo os autores da ação
popular, a atuação do então juiz prejudicou não apenas a economia do país, mas
também a vida dos trabalhadores da estatal e de outras subsidiárias, como a
Braskem. O interessante é que não se viu, à época em que os crimes cometidos na
Petrobras foram revelados, nenhuma marcha sindicalista protestando contra o
assalto à empresa.
O balanço da Petrobras em
2014 mostrou uma perda de R$ 6, 2 bilhões só com a corrupção. A maior parte
desse roubo (55%), segundo o documento oficial, ocorreu na área de
Abastecimento, comandada pelo famigerado Paulo Roberto Costa. Outros R$ 150
milhões referem-se a pagamentos indevidos de empresas não citadas na Lava-Jato.
Ao calcular as perdas com corrupção, a estatal concluiu, 'com base nos
depoimentos tornados públicos', que o esquema de pagamentos indevidos funcionou
entre 2004 e abril de 2012.
Em 2015, o então presidente
da empresa, Aldemir Bendine, mais tarde também condenado a oito anos de prisão
por corrupção na própria Petrobras, pediu desculpas e disseque'agente pode até
entender que esse número provisionado foi conservador'. O prejuízo líquido de
R$ 21, 6 bilhões em 2014 foi o maior da Petrobras desde 1991. Durante o governo
Dilma Rousseff, a Petrobras bateu seu próprio recorde e registrou o pior
prejuízo da sua história: nada menos que R$ 34, 8 bilhões.
O Tribunal de Contas da
União (TCU) aprovou, sob a relatoria do ministro Benjamin Zymler, estudo sobre
prejuízos causados pelo cartel que atuou em contratações da Petrobras entre
2004 e 2012. Essa associação de empreiteiras era chamada de 'clube' e comandada
pelas seis maiores: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz
Galvão e UTC. De acordo com o estudo, o valor superfaturado em cada contratação
era de 14, 53%. Ao todo, as 24 empresas que comprovadamente fizeram parte desse
cartel causaram prejuízo à Petrobras de R$ 12, 3 bilhões em valores da época.
O que causou o arquivamento
de processos contra Lula foi a mudança de jurisdição. Foram retirados de
Curitiba por decisão do ministro Edson Fachin. Em teoria, teriam de recomeçar
da estaca zero, mas, como o STF decidiu que Moro foi parcial em seus
julgamentos, todos os juízes de instâncias inferiores resolveram, um a um,
arquivar os processos, como consequência natural da decisão do Supremo.
Muitos consideraram que os
casos prescreveram, ou prescreveriam durante a nova tramitação. Mas é absurdo
imaginar que não houve roubo ou que a quebradeira da Petrobras foi causada
justamente pelo combate à corrupção. Depois dos governos petistas, a gestão da
empresa teve de ser completamente modificada para recuperá-la.
A Operação Lava-Jato
conseguiu devolver aos cofres públicos um total de R$ 25 bilhões, de acordo com
o Ministério Público do Paraná, por meio de acordos de leniência, delação
premiada e repatriação. Desses, R$ 6 bilhões foram encaminhados à Petrobras, o
restante aos cofres da União.
A devolução do dinheiro da
corrupção é um fato incontestável. De onde ele surgiu? Caiu do céu sem que
houvesse culpados?
Devolução do dinheiro da
corrupção é fato incontestável. De onde ele surgiu? Caiu do céu sem que
houvesse culpados?
Merval Pereira, Jornal O
Globo
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