Nuvens carregadas tapam o sol e desaguam pela primeira vez em seis meses no oeste da Bahia. Os geraizeiros, comunidades tradicionais que habitam os vales entre os famosos chapadões da região, dão as boas-vindas às pancadas de chuva que regam suas plantações de mandioca, milho e feijão.
Ainda assim,
muitos deles se sentem inseguros. Várias nascentes que sempre irrigaram suas
terras durante os períodos de estiagem prolongada, comuns na região, têm
desaparecido. E os agricultores que sempre contaram com a estabilidade desses
cursos d'água agora têm que se contentar em colher menos alimentos.
Desde os
anos 1990, uma área do tamanho do estado de Alagoas --ou um quarto da floresta
de cerrado das chapadas do oeste baiano-- foi desmatada e transformada em um
mar de fazendas de milho, soja e algodão. Um número crescente desses
latifúndios utiliza água de irrigação em seus cultivos, o que lhes permite
operar ininterruptamente durante o ano, tendo mais colheitas.
Eles retiram
a água do aquífero Urucuia, um gigantesco reservatório que fica abaixo das
chapadas e dos rios que as cruzam. Os geraizeiros, que vivem do cultivo das
terras mais acidentadas e pouco aptas para a agricultura mecanizada que é
praticada nos planaltos, há muito afirmam que a irrigação em grande escala está
roubando a água das suas nascentes nos vales. Mas até agora pouca atenção tem
sido dada ao problema.
Recentemente,
no entanto, os agricultores ganharam aliados: hidrólogos têm conseguido provar
que o aquífero Urucuia está diminuindo e que os rios do oeste baiano estão
secando.
Alguns
cientistas afirmam que essas mudanças podem estar enfraquecendo as nascentes,
apesar de ninguém ter estudado ainda por que elas estão prejudicadas. Os
especialistas ainda não chegaram a um consenso sobre quem, ou o quê, seria o
maior culpado da diminuição dessa fonte de água, embora todos concordem que o
agronegócio tem ao menos uma parcela de responsabilidade.
Em setembro
passado, ao lado de um rio próximo ao seu sítio, o geraizeiro Eldo Pereira
Barreto contemplava a corrente que serpenteava em um pequeno oásis coberto de
capim alto e verde, circundado por uma frondosa mata ciliar.
A menos de
cem metros dali, uma floresta de árvores espinhosas e sem folhas, provavelmente
em hibernação, cobria a terra ondulante até onde a vista alcançasse.
"Olha,
que beleza de palmeira!", dizia, apontando para um buriti. "Essas
árvores só crescem em áreas úmidas, como esta. Quando eles estão bem, as
nascentes estão saudáveis."
Mas a
nascente já não é mais tão pujante e saudável quanto no passado. E isso o
preocupa porque ela é a fonte da irrigação de seus terrenos e do vilarejo de
Praia, a poucos quilômetros dali.
Barreto foi
até a nascente junto com uma equipe de voluntários da comunidade para podar os
arbustos que crescem próximos da cerca erguida ao redor da vereda. Ela serve
para manter o gado afastado, evitando o pisoteamento da vegetação delicada e do
solo macio.
Ele afirma
que o corte da vegetação ao redor da cerca evita que focos de incêndio, comuns
no bioma durante os meses mais secos, mas também provocados por gente
interessada em desmatar, adentrem pela vereda e danifiquem as nascentes.
Hung Kiang
Chang, professor de geologia da USP, afirma que a proteção da mata ciliar, como
os moradores estão fazendo, pode ajudar a prolongar a vida de uma nascente
moribunda. Mas, por outro lado, tais esforços não são capazes de reverter a
causa provável de seu declínio, ou seja, o esgotamento do aquífero Urucuia. Se
ele não for interrompido, ele diz, o trabalho de Barreto e sua comunidade terá
sido em vão.
No começo de
2020, Chang, o pesquisador Roger Dias Gonçalves e outros dois colegas da
Alemanha publicaram um estudo sobre o aquífero utilizando dados obtidos de
satélites da Nasa chamados Grace (sigla em inglês para Experimento de Clima e
de Recuperação da Gravidade).
Os
satélites, que medem atração gravitacional, forneceram material para que os
pesquisadores pudessem deduzir a massa de água que se encontrava no lençol
freático por 12 anos (desde quando o satélite foi lançado, em 2002, até 2014).
Eles descobriram que durante esse período o aquífero perdeu cerca de 10 km
cúbicos de água.
O
esgotamento das reservas do aquífero pode explicar a diminuição da vazão das
nascentes, como as usadas pelos agricultores do vilarejo de Praia, diz Chang.
"Minha suspeita é que provavelmente uma pequena queda no lençol freático
já afetaria as nascentes", diz ele. Esses efeitos têm sido descritos em
alguns artigos científicos.
Em 2018,
Gonçalves e dois colaboradores publicaram um artigo que examinava registros
oficiais de 35 anos de marcas históricas no nível dos rios. Eles concluíram
que, entre 1980 e 2015, a vazão dos três rios principais durante a época seca
--quando dependem exclusivamente do aquífero-- despencou 49%.
Alguns
cientistas questionam esse número. Mas, ainda assim, todos os especialistas
concordam que a vazão dos rios e o nível do lençol freático estão diminuindo.
Determinar o
que causa essas mudanças têm, portanto, implicações políticas importantes. Por
exemplo, para prever o futuro do suprimento de água, não apenas na Bahia, mas
ao longo de todo o curso do São Francisco, uma vez que o Urucuia é a fonte mais
significativa das águas do rio que se espalha por milhares de quilômetros em
cinco estados e ajuda a gerar um décimo da energia hidrelétrica do Brasil.
Muitos
hidrólogos concordam que a redução no regime de chuvas e a extensão dos
latifúndios monocultores têm tido um papel na diminuição dos níveis do Urucuia,
mas divergem quanto à proporção em que isso ocorre. "Não temos respostas
definitivas", diz Chang. "Apenas estamos começando."
A
precipitação no oeste da Bahia aumentou desde 1980, mas, a partir do começo dos
anos 1990, tem decrescido lentamente, causando a seca recente. Comparado à
década de 80, o período desde 1993 tem se mostrado 12% mais seco.
Eduardo
Marques, geólogo e professor da Universidade Federal de Viçosa, autor de um
artigo sobre o aquífero, diz que "uma década de diminuição de
precipitação" é provavelmente a causa primária do estresse hídrico
recente.
Chang e
Gonçalves discordam. "Isso não tem a ver com as chuvas", diz
Gonçalves. A gigantesca perda de água detectada em seus estudos e nos dados dos
satélites ocorreu durante um período de 12 anos em que a precipitação quase não
mudou. "A única coisa que pode explicar essa queda é a extração [da
irrigação]", afirma Chang.
O Estado
requer outorgas, como são conhecidas as permissões para o bombeamento de água
que estipulam máximos de vazão para as empresas. Chang explica, porém, que a
supervisão é mínima na Bahia e que é provável que muito do bombeamento seja
feito em poços artesianos ou bombas flutuantes nos rios das chapadas, ficando
assim subnotificado ou até mesmo inexistente no controle estadual.
Marco Heil
Costa, cientista atmosférico da Universidade Federal de Viçosa, prefere um
meio-termo. "Creio que os dois fatores são igualmente importantes",
diz. Ele e Marques, seu colega, acabam de completar um estudo sobre o aquífero
Urucuia, financiado pela Aiba (Associação de Agricultores e Irrigantes da
Bahia).
Cientistas
também divergem quanto à pertinência de limitar a irrigação em larga escala.
Costa e Marques argumentam que as entidades reguladoras deveriam colocar uma
moratória nas outorgas concedidas nas áreas mais densamente irrigadas, como
partes da bacia do rio Grande, um dos principais afluentes do São Francisco.
Nessas
áreas, eles dizem, não é possível extrair água do reservatório subterrâneo de
maneira responsável. Mas, pelo contrário, aumentar a irrigação em outras partes
das chapadas seria aceitável.
Já Chang se
opõe. Para ele, ainda não é momento de frear a extração, mesmo nas áreas mais
exploradas e irrigadas. "Primeiro precisamos entender o funcionamento do
aquífero como um todo, bem como a dinâmica de interação entre água superficial
e subterrânea", defende.
Muitos
pesquisadores têm trabalhado para aprimorar os modelos e, assim, entender
melhor os fluxos de água nos rios e no subterrâneo do oeste baiano. Esses
estudos, eles ressaltam, vão permitir quantificar os efeitos da agricultura na
região.
Gonçalves
nota, porém, com preocupação, que, quando esses estudos encontrarem as
respostas definitivas, o Urucuia pode já estar irremediavelmente danificado
--tarde demais para conter o estrago.
"Talvez
tenhamos respostas definitivas dentro de dez anos", ele diz, enquanto as
reservas do aquífero "trabalham com um tempo geológico". "Elas
podem levar milhares de anos para se recompor", conclui.
Os
jornalistas viajaram com apoio do Pulitzer Center on Crisis Reporting.
Daniel Grossman e Dado Galdieri,
Fohapres, Yahoo notícia
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