“(...)Hoje, o licenciamento
ambiental é considerado o instrumento mais importante da Política Nacional de
Meio Ambiente, de 1981, e é responsável por equilibrar a proteção do meio
ambiente com o progresso econômico, através de exigência de estudos prévios e
de condicionantes para que obras sejam autorizadas, a fim de mitigar impactos
ambientais (...)”
Prestes a ser votado no Senado, a lei que dá novas
regras ao licenciamento ambiental tem potencial para contribuir com o
desmatamento de 170 mil quilômetros quadrados na Amazônia até 2050, área
similar à do Paraná, além de destruir vegetação nativa de uma extensão
semelhante à do Rio Grande do Norte até 2030. Esse é o resultado de um estudo
do Instituto Socioambiental (ISA) e a Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), sobre os impactos da nova legislação, que retira uma série de
obrigatoriedades atuais.
A pesquisa ainda alerta para a possibilidade de
licenciamento automático de 85% das atividades de mineração em Minas, palco das
recentes tragédias de Mariana e Brumadinho. Já o deputado federal Neri Geller
(PP) autor do texto aprovado na Câmara, diz que não haverá dispensas de
licenciamento para barragens.
Os debates acerca da lei ocorrem há mais de 15 anos,
quando, em 2004, o então deputado federal Luciano Zica (PT/SP) escreveu o
projeto de lei para padronizar os processos de licenças ambientais pelo país,
entre os entes municipais, estaduais e federais. Hoje, o licenciamento
ambiental é considerado o instrumento mais importante da Política Nacional de
Meio Ambiente, de 1981, e é responsável por equilibrar a proteção do meio
ambiente com o progresso econômico, através de exigência de estudos prévios e
de condicionantes para que obras sejam autorizadas, a fim de mitigar impactos
ambientais.
Desde a proposição da lei, porém, o texto foi
profundamente alterado, principalmente quando abraçado pela Frente Parlamentar
da Agropecuária. Em maio, a Câmara aprovou o texto substitutivo do deputado
federal Neri Geller, ex ministro da agricultura e vice-presidente da Frente
Parlamentar da Agropecuária. Na nova redação, condicionantes ambientais, como
exigência de medidas de combate ao desmatamento, foram eliminadas, e os
critérios para que um empreendimento passe por análise prévia de órgãos
ambientais foram flexibilizados, a fim de facilitar a auto declaração e o
licenciamento automático.
— As condicionantes são o coração do licenciamento. É
quando o poder público diz o que o empreendedor precisa seguir de orientações
para mitigar o impacto. Ao eliminar algumas das condicionantes mais
importantes, passaremos a ter empreendimentos do século XIX, sem qualquer grau
de sustentabilidade. Isso num mundo que hoje prima pelo combate às mudanças
climáticas, o que pode gerar problemas econômicos para o país — afirma Mauricio
Guetta, consultor jurídico do ISA, que enxerga inconstitucionalidade no texto,
— Se for aprovada, não há dúvida que a lei será alvo de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade. No STF, a jurisprudência mais recente tem sido protetiva
sobre legislação ambiental, ao rejeitar leis estaduais que flexibilizavam
licenciamentos, porque esvaziariam sua finalidade, de prevenção de impacto e
garantia de sustentabilidade.
A principal crítica sobre o PL é que, ao estabelecer
uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental, o texto atual altera o espírito do
que é praticado hoje, e o licenciamento viraria uma exceção e não uma regra,
como forma de desonerar o empreendedor e agilizar a burocracia. Os artigos 8 e
9 preveem a dispensa para treze atividades potencialmente causadoras de
impactos ambientais, como atividades agropecuárias, numa lista que ainda pode
ser ampliada por estados e municípios.
Além disso, o artigo 13 diz que que o órgão ambiental
não poderá mais estabelecer, como condicionantes a um empreendimento, medidas
de combate ao desmatamento ilegal na Amazônia e em outros biomas. Atualmente,
numa obra na Amazônia, por exemplo, é comum a exigência de se instalar
instrumentos de fiscalização, como câmeras para tentar evitar queimadas e
desmatamentos , ou de programas de controle contra "danos causados por
terceiros", como ações de grileiros na abertura de vias adjacentes a uma
rodovia.
Relatora do projeto no Senado, a ex-ministra Katia
Abreu ainda não apresentou nenhuma emenda ao texto aprovado na Câmara. Após a
realização de audiências públicas, a última na semana passada, ela vem
afirmando que pretende colocar a matéria em votação no plenário. Procurada, a
senadora não respondeu.
O estudo utilizou dois projetos de grandes obras para
analisar o potencial de aumento de desmatamento: a reconstrução a rodovia
BR-319, que liga Rondônia à Amazônia central, e a Ferrovia Ferrogrão, que
ligaria Mato Grosso ao Pará. Os dois são de interesse do governo federal e
podem ser realizados em breve.
Segundo um estudo de 2014 da revista Biological
Conservation, 85% das queimadas e 95% do desmatamento acumulado da Amazônia se concentram
em uma distância de até 5,5 km de estradas. Com base nisso, a UFMG fez um
modelo matemático e concluiu que a pavimentação da Rodovia BR319, "e num
cenário sem governança, como o previsto", pode aumentar em até 9,4 mil km²
por ano o desmatamento na Amazônia, chegando a 170 mil km² em 2050, quatro
vezes maior do que o valor projetado para o período. O "cenário
inviabilizaria o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil no âmbito do
Acordo de Paris" diz o IAS e a UFMG.
Já no caso da ferrovia, que reduziria os custos de
transporte de mercadorias, os pesquisadores consideraram a alta aptidão das
terras do entorno para a agropecuária. No trajeto, 61% da vegetação nativa está
localizada em áreas de alta aptidão para o cultivo de soja. Por isso, sem medidas
de fiscalização, é esperado um desmatamento de 53.113,5 km² em floresta nativa
até 2030, segundo o estudo.
Já o artigo 21 diz que todas as atividades não
qualificadas como de significativo impacto ambiental passarão a ser objeto de
Licença por Adesão e Compromisso, de natureza autodeclaratória e automática.
Isso significa que não haveria qualquer avaliação prévia por parte de órgão
ambiental, então qualquer empreendimento de baixo ou médio impacto ambiental
podem ser rapidamente licenciados, sem estudos ou pareceres dos órgãos de
controle.
Entre empreendimentos oficialmente classificados de
médio impacto, entretanto, há construções grandes. Como argumento, o estudo
destacou que a mina Córrego do Feijão, em Brumadinho tinha classificação 4 para
licenciamento ambiental na época da tragédia com o rompimento da barragem, que
vitimou 272 pessoas em 2019. Isso porque uma mudança na legislação estadual de
Minas, após o caso de Samarco, flexibilizara sua classificação, antes mais
rígida, de nível 6.
De acordo com dados da Agência Nacional de Mineração
(ANM), no seu relatório mais recente sobre Minas Gerais, de 2016, das 1757
minas no estado, apenas 57, ou 3%, eram considerados de grande porte. Já no
Pará, o segundo estado com mais atividades minerais no país, apenas 10, 7%, das
146 minas são classificadas de grande porte.
— As grandes obras são a esmagadora minoria. Em São
Paulo, é só 1% dos licenciamentos que tramitam, e em Brasília 2%. Tudo o que
não for considerado de repercussão enorme, vai ser licenciado automaticamente,
sem qualquer tipo de análise ou estudo ambiental. Como se o órgão ambiental
estivesse emitindo auto autorizativo, sem analisar suas condições. Do quiosque
para praia à mina de Brumadinho — disse Guetta. — Licenciamento não é só
burocracia. Quando não havia, nas décadas de 60 e 70, vimos casos de descontrole
ambiental e de danos à saúde da população, como no boom de bebês anencéfalos em
Cubatão (SP).
Atualmente, segundo dados enviados pelo governo
estadual para a pesquisa, há 456 processos de licenciamento ambiental para
atividades minerárias e suas barragens de rejeitos em trâmite, em Minas, dos
quais em 66, ou 14%, foram exigidos Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e, portanto, são considerados de grande porte. Ou
seja, se a lei for aprovada, 85% dos processos poderiam usar o instrumento da
autodeclaração, o que dispensa a análise prévia de órgãos ambientais.
Por isso, o estudo do IAS e da UFMG conclui que esse
cenário causa intensa preocupação, uma vez que seu resultado poderá ser a
proliferação da ocorrência de novos desastres socioambientais, como os
ocorridos em Mariana/MG e Brumadinho/MG.
Autor do texto substitutivo que foi aprovado na Câmara,
e agora tramita no Senado, o deputado federal Neri Geller (PP/MT) respondeu à
reportagem que o "conteúdo da “Lei Geral do Licenciamento” não abre
qualquer espaço para a dispensa de licenciamento ambiental ou para a utilização
da Licença por Adesão e Compromisso para qualquer tipo barragem, muito menos as
utilizadas na mineração", e que não haverá risco para à segurança da população
ou para o meio ambiente. O parlamentar defende que a nova legislação servirá
para racionalizar o licenciamento de empreendimentos mais simples e, assim, os
órgãos ambientais se dedicarem "à fiscalização e aos empreendimentos mais
complexos, evitando-se novas tragédias ambientais".
Segundo Geller, a licença automática só será aplicável
para "empreendimentos nos quais o órgão licenciador consiga objetivar, de
maneira prévia, todas as condicionantes em um termo de compromisso", o que
seria "simplesmente impossível de se fazer para o caso das
barragens". Em relação ao exemplo de Brumadinho, o deputado disse que as
suas barragens não eram consideradas de baixo impacto ambiental, apenas o seu
"alteamento" (elevação de muro), mas não a sua construção, o que
demandou licenciamento.
Lucas
Altino, Extra
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