Importância dos oceanos para o equilíbrio ecológico da Terra ainda não recebe a devida atenção |
Pesquisador que integrou a maior expedição para estudar o microbioma oceânico cobra atenção a impactos da poluição e mudanças climáticas sobre a vida marinha. Mares respondem por 54% da produção de oxigênio do planeta.
É fácil compreender a importância dos oceanos para a
vida na Terra: além de regularem o clima do planeta, as algas marinhas são
responsáveis por 54% da produção global de oxigênio. Embora os mares exerçam
esse papel vital, ainda não recebem a devida atenção nas mesas de negociação do
clima. Essa é a avaliação do cientista Hugo Sarmento, pesquisador da fundação
francesa Tara Océan.
"Precisamos de uma COP só para os oceanos”,
afirma o biólogo, em entrevista à DW Brasil. "Já estamos em tempo de
pensar numa coisa assim, porque as problemáticas são muitas, e diferentes dos
ecossistemas terrestres”.
Sarmento fala com conhecimento de causa. O cientista
português participou da primeira volta ao mundo realizada pelo navio da Tara
Océan. Entre 2009 e 2013, a expedição coletou amostras de microrganismos em
todos os oceanos do globo, no maior estudo do microbioma oceânico já realizado.
A viagem resultou em cinco artigos científicos
publicados na prestigiada revista Science. A viagem tinha por objetivo o estudo
do microbioma oceânico – "consórcios” ou superorganismos de espécies
microbianas interdependentes, responsáveis por garantir as condições mínimas de
vida do planeta.
"Existem 1 milhão de bactérias e 10 milhões de
vírus em uma gotinha de água de mar. Esses microrganismos pertencem a milhares
de espécies diferentes, e cada um tem uma função bem específica”, explica
Sarmento. O cientista estuda como esses sistemas complexos são afetados pelas
mudanças climáticas.
Fundamental para a vida na Terra, o microbioma é
extremamente suscetível a mudanças de temperatura, correntes oceânicas e à
presença de plásticos. Apesar dos impactos que já começam a ser observados,
sobretudo nas regiões polares, as iniciativas de preservação ainda são tímidas.
Não há clareza, contudo, sobre a responsabilização pelas águas internacionais.
"O problema é que o oceano não é de ninguém”,
atesta o pesquisador. Sarmento apela para que a comunidade internacional chegue
a um entendimento sobre essa indefinição. "Temos o exemplo da Antártica,
que transformamos num santuário de pesquisa internacional. É um ambiente
saudável, de pesquisa, e todos os países que estão lá se responsabilizam por
uma parte.”
Professor da Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), ele coordena o projeto de pesquisa AtlantECO no Brasil. A iniciativa
financiada pela Comissão Europeia se dedica a pesquisar os oceanos,
principalmente o Atlântico Sul, nos próximos quatro anos. Nesta sexta-feira
(05/11), ele participa da conferência Um oceano sustentável, organizada pela
Tara Océan no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
A conferência abre a série de atividades gratuitas,
que irão até 10 de novembro e incluem exposições sobre microplástico no mar e o
microbioma marinho, além de visitas virtuais ao navio-laboratório Tara, que
ficará ancorado ao lado do Museu do Amanhã até o dia 7, e na Marina da Glória
entre 8 e 10 de novembro.
DW: Como você explica para completos
leigos o que é esse estudo, esse trabalho, qual é o foco dessa pesquisa, dessa
experiência em que você trabalha?
Hugo Sarmento: Pouca gente sabe, mas a vida no oceano
é totalmente dominada por microrganismos. Se nos ecossistemas terrestres temos
as florestas, onde as plantas puxam os nutrientes do solo e levam até as folhas
para fazer fotossíntese, no oceano são as correntes marinhas que transportam os
nutrientes do fundo para a superfície. E quem faz fotossíntese são esses
microrganismos. Portanto, a produção de oxigênio, a fotossíntese no oceano tem
a particularidade de ser feita por microrganismos. Os oceanos ocupam 70% da
superfície do globo terrestre. Se somarmos tudo, eles produzem metade do
oxigênio que respiramos. Juntando com todas as florestas, esses microrganismos têm
um papel muito importante para nós: eles produzem o ar que respiramos.
Tem outros aspectos importantes dos microrganismos
marinhos: um deles é que cerca de 25% das emissões de gases do efeito estufa
pela queima dos combustíveis fósseis são absorvidos pelos oceanos. Os gases
acabam sendo fixados por esses microrganismos e indo para o fundo do mar,
quando morrem ou são ingeridos por outros organismos. Eles acabam sendo esse
sumidouro de carbono que aliviam um pouco os efeitos da queima de combustíveis fósseis.
Por último, esses microrganismos são a base de toda a
cadeia alimentar do oceano. Todos os organismos do mar que a gente conhece
comem planta ou algum organismo que come planta. Eles são a base de toda a vida
no oceano. Esses microrganismos são extremamente suscetíveis a mudanças de
temperatura, correntes oceânicas e à presença de plásticos. Os plásticos são
colonizados por microrganismos e acabam servindo de transporte de
microrganismos de um lado para outro.
O foco do estudo acaba sendo o microbioma, que é o
conjunto de microrganismos e as suas interações, porque esses microrganismos
interagem entre si, formando autênticos consórcios microbianos. Em um mililitro
de água de mar existem 1 milhão de bactérias e 10 milhões de vírus – em uma
gotinha de água de mar. Esses microrganismos pertencem a milhares de espécies
diferentes, e cada um tem uma função bem específica. Pequenos distúrbios podem
afetar as interações. A gente está estudando isso com muito cuidado.
A importância dos oceanos fica relegada
a segundo plano nos debates sobre o futuro climático do planeta?
Já foi mais subestimada. Aos poucos, estamos começando
a falar de oceano, trazendo o tema. Acho que a Fundação Tara tem feito um
esforço importante junto da ONU, junto da Unesco, para levar a essas instâncias
a problemática não só do oceano, mas especificamente do microbioma e do
plâncton, que com certeza é muito importante. Os oceanos são o maior
ecossistema do planeta.
Pela importância que têm para as pessoas e por regular
o clima, ao transportar calor dos trópicos para as regiões temperadas, acredito
que precisamos de uma COP só para os oceanos. Já é tempo de pensarmos em uma
coisa assim. As problemáticas são muitas, e diferentes dos ecossistemas
terrestres. Temos questões como a sobrepesca e a acidificação do oceano,
causada pelo aumento do dióxido de carbono na atmosfera. Ele acaba entrando por
difusão no oceano e baixa o pH do oceano. Isso tem um impacto tremendo nos
corais e na biodiversidade. São muitas problemáticas, que justificariam uma COP
só para os oceanos.
Quais são os riscos mais iminentes para
esses microbiomas marinhos, tão importantes para a regulação climática?
Em primeiro lugar, o aumento da temperatura. Isso é
uma realidade. Os oceanos de latitudes maiores já estão se tropicalizando.
Observamos esses consórcios microbianos típicos de oceano tropical indo cada
vez mais para latitudes maiores. Profundas mudanças estão acontecendo nos
polos, e isso é muito problemático, porque é nessas regiões que temos as
mudanças de temperatura em ritmo muito mais acelerado do que nas regiões
temperadas, por exemplo.
Esses consórcios microbianos dos polos são muito mais
sensíveis a essas mudanças de temperatura. Logo, podemos desde já antecipar
graves impactos, tanto no funcionamento da cadeia alimentar, no sustento dos
organismos maiores, quanto nesse serviço ecossistêmico que leva o CO2 para o fundo
do mar.
Outra problemática grave é a dos plásticos, que vão se
quebrando ao longo do tempo, se degradando, e atingem o tamanho do plâncton. Os
pedaços maiores viram microplásticos que a gente não vê e acabam sendo
confundidos com plânctons pelos organismos marinhos. Eles acabam ingerindo os
plásticos, que não são digeridos e afetam a saúde do animal. Ele não sente mais
fome e acaba morrendo com o plástico no estômago.
Se fizéssemos uma investigação, acharíamos pedaços de
plásticos e microplásticos no estômago de praticamente todos os organismos do
oceano hoje. É um problema muito grave, para o qual também não vemos qualquer
solução no curto prazo. Precisamos discutir a redução do uso de plástico e,
principalmente, banir aquele plástico de uso único, que se usa durante alguns
minutos e já se joga fora. Se pudéssemos lidar com isso, já seria um avanço.
Alguns países já têm metas, com datas para a proibição dos plásticos de uso
único.
Temos ainda o problema do pH, de que eu acabei de
falar. Essa questão é muito séria, especialmente para os corais, que são muito
sensíveis a pequenas mudanças de pH. A acidificação dos oceanos é um produto do
aumento do CO2 na atmosfera, então também tem impactos grandes na vida marinha.
Além da sobrepesca, outro problema gravíssimo, há pressões
múltiplas: as zonas de baixo oxigênio estão se multiplicando ao redor do
planeta, com o aumento da urbanização em zonas costeiras. É o que chamamos de
zonas mortas, são zonas que ficam praticamente anóxicas, sem oxigênio. O mar
está sofrendo com estressores múltiplos, como dizemos em nosso jargão.
As estratégias de mitigação dos efeitos
climáticos sobre o oceano devem ser elaboradas por governos nacionais?
O problema é que o oceano não é de ninguém. Os países
têm as zonas econômicas exclusivas, mas as águas internacionais não têm um país
ou um dono que possa se responsabilizar. Já deveríamos estar negociando
internacionalmente um tratado para as águas internacionais, como existe na
Antártica, por exemplo. São águas de ninguém. Então, se você quiser jogar óleo,
ninguém vai se responsabilizar.
Essa lógica é reforçada pela intensificação da procura
por recursos minerais, e não só o petróleo. O pré-sal já é uma realidade, mas
outra realidade que começa a ser mais frequente é a mineração em águas
profundas. Só não se faz ainda porque é muito caro, mas em águas rasas já se
exploram minerais – e o fundo do mar é muito rico em minerais. Hoje em dia, não
existe nem legislação, nem debate. Do outro lado da balança, temos todas as
pressões, poluições e o aquecimento global. Nesse momento, a balança do oceano
está tendendo muito para o lado ruim, e as consequências podem ser muito
nefastas.
O aquecimento global está afetando as correntes
marinhas, e esses processos podem amplificar ainda mais os efeitos das mudanças
climáticas. Imaginemos que a Corrente do Golfo diminua sua velocidade. Ela vai
transportar menos calor do trópico para a Europa, e os invernos no continente passam
a ser muito mais rigorosos do que os atuais, nos níveis do Canadá: na mesma
latitude, temos invernos de -20°C, -30°C. Isso não acontece na Europa graças a
essa corrente. É apenas um exemplo do que pode vir a acontecer se a gente
amplificar mais os problemas que já estamos vivendo hoje em dia.
O oceano é o motor do clima do planeta. Se alterarmos
alguma pequena pecinha desse motor, com certeza haverá consequências. E os
microrganismos fazem parte desse sistema. Eles estão fazendo o trabalho deles,
levando o carbono para o fundo e transformando em petróleo. Ao longo de
milhares de anos no fundo do mar, esse plâncton vira o pré-sal, o petróleo. O
grande problema é que estamos extraindo esse petróleo numa taxa muito mais
rápida, pelo menos quatro vezes maior, do que a taxa em que o plâncton está
levando o carbono para o fundo. Esse desequilíbrio é preocupante. Temos que
desacelerar essa taxa de retirada, para dar tempo ao plâncton e ao oceano de se
recuperarem.
Deveríamos pensar em um sistema de
administração compartilhada dos oceanos?
O fundamental é que os órgãos internacionais possam
assinar verdadeiros acordos, em espaços como a COP, em que o oceano não seja
visto pelos governos na perspectiva simples de "o que eu posso tirar dele,
o que eu posso ganhar?”. Atualmente, os governos partem para as negociações
pensando em quanto vão conseguir ganhar em termos de acesso a recursos, rotas
marítimas ou coisas do gênero. Eu acho que deveríamos ter um ponto de partida
diferente.
Temos o exemplo da Antártica, que transformamos em um
santuário de pesquisa internacional. É um ambiente saudável, de pesquisa, e
todos os países que estão lá se responsabilizam por uma parte. No Ártico e no
mar aberto, já é diferente. Vemos uma série de países reivindicando áreas maiores,
zonas econômicas exclusivas maiores, mas baseados em interesses imediatos e
financeiros, unicamente.
Deveríamos partir para acordos internacionais mais
baseados no uso sustentável, tendo em conta também a parte social, de pesca com
pequenas embarcações, e também a parte ambiental da manutenção dos recursos no
longo prazo. Este seria um caminho interessante das negociações, mas de
qualquer maneira, tem que ser dar em nível internacional e pela via
diplomática.
João Pedro Soares, Deutsche Welle
Para saber mais, clique aqui. |
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |
Para saber mais clique aqui. |
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. |
Para saber mais sobre os livros, clique aqui. |
Para saber mais sobre a Coleção, clique aqui. |
Para saber mais sobre o livro, clique aqui. - - - - - - No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Coleção As mais belas lendas dos índios da Amazônia” e acesse os 24 livros da coleção. Ou clique aqui. No mecanismo de busca do site amazon.com.br, digite "Antônio Carlos dos Santos" e acesse dezenas de obras do autor. Ou clique aqui.
-----------
|