Parte do aumento do volume de cargas neste ano deve-se à retomada do transporte de minério de ferro
Se a velocidade de trens de cargas no Brasil ainda
deixa a desejar, na outra ponta a demanda dá sinais de retomada. De janeiro a
agosto deste ano, o volume transportado cresceu 6,5% sobre o intervalo
anterior, chegando a 246 bilhões de toneladas por quilômetro útil (TKU). O índice,
que a primeira vista pode parecer modesto, se destaca em um cenário impactado
pela pandemia. Mesmo quando se olha para 2019, período anterior á crise
sanitária, houve aumento de cargas de 2,3% nos oito meses.
Considerando os números de 2021, que até agosto
registrou média mensal de 7,7% superior ao ano passado, estima-se um total de
transporte ferroviário de 390 bilhões de TKU ante 365,1 bilhões de TKU em 2020,
mas abaixo dos 407,1 bilhões de TKU de 2018. “O setor foi pouco impactado pela
pandemia, embora determinados segmentos, como combustíveis e produtos
industriais, tenham experimentado algum tipo de redução dos volumes”, diz
Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional de Transportes
Ferroviários (ANTF).
Paes credita a alta em parte pelo aumento na produção
de minério de ferro, com transporte de 170 bilhões de TKU, aumento de 7,6%. Os
setores agrícola, de extração vegetal e de celulose contribuíram para o bom
desempenho, com acréscimo de 2,5%, ou seja, 57 bilhões de TKU. Outros tipos de
mercadoria cresceram 9,6%, com volume de 18,5 bilhões de TKU. “Mas há outros
fatores que favoreceram a expansão, como os investimentos das concessionárias
em segurança e via permanente e o início de operação de novos fluxos de
transporte.”
Crítico da prioridade que o modal concede ao
transporte de minério de ferro, Luis Henrique Teixeira Baldez,
presidente-executivo da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga
(Anut), entende que não se trata de um aumento da carga propriamente dito. “O
fato é que o transporte ferroviário é concentrado em minério de ferro, que tem
sua lógica de mercado própria”, afirma. A elevação de carga seria decorrência
da retomada de volumes anteriores, que sofreu uma redução após o desastre
ambiental em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019.
Além do peso do minério, Baldez destaca o agronegócio,
que tem participação de 15% nas ferrovias. “Apesar dos recordes das safras de
grãos, não há expansão desse tipo de mercadoria, porque o modal ferroviário não
tem capacidade para atender toda a demanda do setor”, afirma. Segundo Paes, da
ANTF, a antecipação das concessões poderá compensar parte dessa limitação.
Segundo ele, as empresas associadas à ANTE realizarão investimentos de mais de
R$ 30 bilhões nos primeiros cinco anos de contrato, a partir da assinatura do
termo aditivo.
Após um longo período de análise e tramitações, a
Rumo, empresa de logística do grupo Cosan, foi a primeira, em 2020, a assinar o
termo de concessão que dá à companhia o direito de prorrogar o prazo de
vigência do seu contrato, que venceria em 2028. A Rumo informa “que o novo
valor da outorga da concessão será de cerca de R$ 2,9 bilhões, que serão pagos
em parcelas trimestrais ao longo da vigência contratual prevista até 2058, e os
investimentos estão estimados em R$ 6,1 bilhões”.
Em dezembro de 2020, houve a renovação dos contratos
da Estrada de Ferro Vitória a Minas e da Estrada de Ferro Carajás com a Vale. A
renovação de 30 anos prevê R$ 17 bilhões em investimentos, além de R$ 4,6
bilhões em outorgas. Parte do valor será usada para a construção da Ferrovia de
Integração do Centro-Oeste (Fico), entre as cidades de Mara Rosa (GO) e Água
Boa (MT). O objetivo é viabilizar o escoamento de grãos do Vale do Araguaia até
a Ferrovia Norte-Sul.
A MRS Logística será a próxima a assinar o termo
aditivo. “Estamos propondo uma série de investimentos para o setor e para a
MRS, que seriam impensáveis sem o mecanismo da renovação. Os impactos serão
sentidos em diversos setores-chave da economia no curto prazo”, diz Guilherme
Mello, presidente da MRS Logística. Os aportes financeiros serão de R$ 9,7
bilhões em 280 projetos.
A expectativa é que o processo seja enviado ao
Tribunal de Contas da União (TCU) até fim deste mês, com expectativa de que o
contra to seja assinado no primeiro trimestre de 2022, diz Rafael Hipólito,
gerente de planejamento estratégico e gestão de resultados da MRS. Com a
renovação, um dos principais objetivos da concessionária, que atua no triângulo
entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, é diversificar as cargas
transportadas, antes muito focadas na produção da Vale, Gerdau, Usiminas e CSN.
“O foco é continuar diversificando e expandir o market
share de carga geral”, diz Hipólito. No primeiro semestre, já representou 36,7%
do volume transportado e o objetivo é chegar a 47% no máximo em 12 anos. “No
primeiro semestre, o volume movimentado cresceu 8,5% sobre igual período de
2020.” Boa parte dos recursos financeiros previstos, segundo ele, será
absorvida na construção de polos intermodais, “tripé fundamental para fazer a
ampliação da carga geral, entre Minas Gerais e São Paulo e o porto do Rio para
expandir a carga geral no Rio de Janeiro”.
Segundo Paes, da ANTF, é viável que a estrada de
ferro, que hoje responde por 21% do transporte de mercadorias pelo modal,
atinja 30%, como prevê o Plano Nacional de Logística. “Todas as renovações
antecipadas dos contra tos de concessão preveem aumentos expressivos da
movimentação de cargas por trilhos”, diz, citando a Rumo como exemplo.
A Rumo informa "que projeta um volume entre 72
bilhões e 76 bilhões de toneladas de mercadorias por TKU neste ano”. A empresa
investirá em um novo empreendimento batizado de Ferrovia Autorizada de
Transporte Olacyr de Moraes (Fato), que terá 730 quilômetros e será uma
extensão do atual corredor operado pela Rumo, que vai do porto de Santos (SP) a
Rondonópolis (MT).
Serão construídos dois novos ramais: um até Cuiabá e
outro até Lucas do Rio Verde, ao norte de Mato Grosso, onde se concentra a
carga agrícola da região. O contrato foi assinado no fim de setembro. A
previsão é que as licenças ambientais sejam concedidas nos próximos meses e que
as obras iniciem no fim de 2022 ou início de 2023. O empreendimento foi orçado
entre R$ 9 bilhões e R$ 11 bilhões.
Em julho, a Rumo inaugurou um trecho considerado
relevante de sua operação na Ferrovia Norte-Sul. O início da movimentação de
carga começou no fim do terceiro trimestre entre Estrela D’Oeste (SP) e São
Simão (GO). Nessa segunda etapa, entrou em funciona mento o novo terminal de
Rio Verde (GO), que permitirá ampliar o volume transportado. Os recursos
injetados foram de R$ 400 milhões, com capacidade para transportar 11 milhões
de toneladas de grãos por ano.
Concebido no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, o projeto da Nova Transnordestina, em princípio, seria concluído 11
anos atrás e colecionou inúmeras interrupções. O novo marco legal das
ferrovias, anunciado em setembro, deu novo ânimo à estrada de ferro. Antes
gerido pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), trocou de mãos e será tocado
pelo banqueiro Daniel Dantas, dono do banco Opportunity. Quatro dias após o
lançamento do regime de autorização para as ferrovias, com o envio da Medida
Provisória 1.065 ao Congresso, a mineradora Bemisa, controlada pelo
Opportunity, formalizou requerimento para assumir o trecho de 717 quilômetros
de Curral Novo (PI) até o porto de Suape (PE).
A conclusão do trecho de Pernambuco é estimada em
quase RS 6 bilhões e a ferrovia consumiu cerca de R$ 7 bilhões até hoje. O
objetivo é escoar minério de ferro do Piauí até Suape. Apesar de contar coma
entrega de alguns trechos e atingir quase 50% de execução das obras, a ferrovia
ainda não é capaz de a tender a qualquer demanda por transporte da região.
O contrato de concessão do trecho 1 da Ferrovia de
Integração Oeste-Leste (Fiol) foi assinado em setembro deste ano. A ferrovia,
que vai interiorizar o desenvolvimento e integrar regiões, terá 537 quilômetros
de extensão, ligando as cidades de Ilhéus e Caetité, na Bahia. O leilão do
trecho da Fiol ocorreu em abril deste ano e a Bahia Mineração (Bamin) assinou o
contra to de concessão por um período de 35 anos. Segundo o Ministério da
Infraestrutura, a Fiol 1 receberá investimentos privados de R$ 3,3 bilhões,
sendo que R$ 1,6 bilhão serão usados para o término do segmento de 537
quilômetros, hoje com 75% das obras concluídas.
Já o processo de concessão da Ferrogrão, de Sinop (MT)
ao porto de Miritituba (PA), continua travado por conta de uma liminar do ministro
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que contesta a
alteração de limites da Floresta Nacional do Jamanxim (PA) para a passagem dos
trilhos. Prioridade do governo federal na área de infraestrutura, o ministro
Tarcísio de Freitas reitera que “só insistimos no projeto da Ferrogrão porque
temos players interessados. Vamos seguir em frente”. Levantamento feito por 40
entidades da sociedade civil organizada, enviado a potenciais financiadores do
projeto, aponta que a Ferrogrão pode levar ao desmata mento de dois mil
quilômetros quadrados de floresta nativa, com um custo de implantação até 3,5
vezes superior ao orçado pelo Ministério da Infraestrutura.
Rosangela Capozoli, Revista Valor
Setorial / Noticias
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