O jovem brasileiro hoje está descrente, sem ânimo para
discussões políticas e até mesmo narcisista — a maioria confessa estar mais
preocupada com a própria imagem.
Os dados são da “Pesquisa Juventudes do Brasil”, elaborada pela Fundação
SM, em parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UniRio) e a Universidade do Estado do Rio (Uerj).
— Temos um trabalho a fazer do ponto de vista da educação democrática: 82%
dos jovens não participam de nenhum tipo de debate. Mas antes de pensar no
desinteresse dos jovens, tem que pensar que tipo de estímulo temos dado para
que eles se envolvam em discussões políticas. As escolas falham nisso e as
famílias também — diz Paulo Carrano, coordenador do estudo e do grupo de
pesquisa Observatório Jovem, da UFF.
O documento, que será lançado nesta sexta-feira, traça um retrato do que
pensam os jovens brasileiros sobre política, religião, família e outros temas
do dia a dia, como medos e preocupações com o futuro. Além disso, analisa
também as percepções deles sobre participação sociopolítica, valores,
diversidade e igualdade de gênero. E ainda mostra o impacto que a tecnologia
causa nas relações e nos hábitos de consumo.
Os resultados revelam, por exemplo, que 60% dos jovens brasileiros não
consideram as discussões políticas importantes no dia a dia. E, mais do que
isso, não acreditam nas instituições: 82% dos entrevistados afirmaram não
confiar nos partidos políticos, Congresso (80%), governo (69%) e Presidência da
República (63%).
A pesquisa também põe por terra a ideia de que os jovens não escutam os
pais: para 73% dos entrevistados, é em casa, com a família, onde são ditas as
coisas mais importantes. Caio Batalha, de 21 anos, é um desses jovens que se
mostram profundamente marcados pela família.
— Venho de uma criação espírita kardecista que me dá uma força muito
grande, minha crença fala sempre da importância do autoconhecimento. E isso me
abre uma esperança para um futuro bem melhor. Um mundo menos egoísta e mais
conectado uns com os outros — vê o jovem músico.
Foram entrevistados pessoalmente 1.740 jovens, entre 15 e 29 anos,
moradores das cinco regiões do país. Coordenado pelo Observatório da Juventude
na Ibero-América, o estudo faz parte da seção brasileira de uma investigação
mais ampla em países ibero-americanos, que contemplou Argentina, Chile,
Colômbia, Equador, México, Peru e República Dominicana. Jovens moradores da Espanha
também foram ouvidos.
No Brasil, os pesquisadores ainda questionaram o medo dos jovens. A falta
de segurança com o futuro, por exemplo, atinge 40% que receiam não ter
trabalho, 34% se assustam com a possibilidade de ficarem endividados (34%) e
23% com uma possível perda do atual emprego.
— Muito em função disso temos visto a fuga de cérebros. Jovens que não se
veem atuando no Brasil e outros que entram num processo de desânimo. Isso vai
gerando uma experiência geracional no limite traumático. São jovens cansados de
pensar no futuro — avalia
Um dos cérebros que o Brasil pode perder é o de Anna Julia Martins, de 19
anos. Preocupada com a economia, ela pensa se especializar fora do país cada
vez mais na profissão que já atua, a de maquiadora.
— O que me desanima é a economia. Foi-se o tempo que um diploma pagava as
contas. Hoje em dia no Brasil posso dizer que eu sendo maquiadora ganho mais do
que um advogado e um dia de noiva eu consigo fazer mais do que um dia de
plantão de um médico — explica a jovem. — Entre ficar em pé e ralar durante 16h
ou mais para mim mesma ou 8h para ganhar como CLT, prefiro ralar por mais de
16h fazendo o que me faz feliz e ganhando bem melhor.
Elaborada no segundo semestre de 2019, a pesquisa retrata justamente o
momento que antecede o início da pandemia provocada pela Covid-19, trazendo à
tona dados que já eram preocupantes e que foram intensificados com o aumento do
desemprego e as restrições impostas pela crise sanitária, como o fechamento das
escolas, a falta de acessibilidade para acompanhar atividades remotas, e os
impactos na saúde mental.
— Essa pesquisa nos apresenta dados significativos que nos permitem
compreender as preocupações, os interesses, as motivações e as principais
dificuldades que os jovens brasileiros enfrentam, para – a partir desse ponto
de partida, baseado no cuidado e na empatia – podermos acompanhá-los, criando
entornos e ambientes propícios para o pleno desenvolvimento dessa fase tão
importante da vida — afirma Mariana Franco, gerente da Fundação SM.
Os autores e autoras da pesquisa são pesquisadores especializados em
investigações sobre a juventude. Ainda, de acordo com Mariana Franco, a
publicação foi concebida para servir como material de apoio e inspiração para
instituições, educadores e todas as pessoas que atuam com processos educacionais
e com o desenvolvimento integral dos jovens brasileiros.
Bruno Alfano,
Extra
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