Governos de todo o mundo, da China à Rússia, passando por Brasil, Nicarágua, Venezuela e Cuba, usaram a pandemia como pretexto para calar as críticas ou restringir o acesso à informação, revela um informe da Anistia Internacional
Nas 38 páginas de "Silenciados e desinformados, a liberdade de
expressão em perigo durante a covid-19", a ONG detalha como desde o ano
passado estes governos "lançaram um ataque sem precedentes contra a
liberdade de expressão, restringindo gravemente os direitos", censurando
redes sociais, fechando meios de comunicação e obstaculizando canais de
comunicação.
"Em meio a uma pandemia, jornalistas e profissionais sanitários foram
silenciados e encarcerados", explicou Rajat Khosla, encarregado da Anistia
Internacional. "Como resultado, as pessoas não tiveram acesso à informação
sobre a covid-19, inclusive como proteger a si mesmos e suas comunidades".
"Aproximadamente cinco milhões de pessoas perderam a vida por causa
da covid-19 e a falta de informação provavelmente terá contribuído",
destacou.
Assim, já em fevereiro de 2020 na China, onde o coronavírus foi detectado
inicialmente no fim de 2019, tinham sido abertas 5.511 investigações penais contra
pessoas por "fabricar e difundir deliberadamente informação falsa"
sobre a natureza e o alcance da epidemia.
Na Nicarágua, "somando-se à violenta repressão dos protestos sociais
iniciados em 2018 e a um número crescente de leis destinadas a restringir
severamente o espaço da dissidência, o jornalismo independente e a sociedade
civil, o Parlamento aprovou a Lei Especial de Ciberdelitos em outubro de
2020", destaca o informe.
Segundo o Centro Nicaraguense dos Direitos Humanos (CENIDH) esta "não
só reprime a liberdade de expressão e de imprensa na Nicarágua, mas também
impõe a vigilância e o controle absoluto das redes sociais, das plataformas
digitais, dos perfis on-line de ativistas políticos e defensores dos direitos
humanos, e de todos aqueles que se atrevem a se opor às políticas do
governo", acrescenta.
- Sanções
penais e acesso à informação -
Na Venezuela, "as campanhas de desprestígio e estigmatização contra
quem critica o governo se intensificaram no último ano".
Nos últimos oito meses do estado de emergência decretado pela pandemia, 66
jornalistas e trabalhadores de imprensa foram detidos arbitrariamente no país,
denuncia, citando o caso de Darvinson Rojas, detido em março de 2020 em
represália pela informação sobre a propagação da covid-19, acusado de
"apologia do ódio" e "instigação a cometer delitos", ainda
sem data para julgamento.
Em Cuba, o Decreto-Lei 370, relacionado com a expressão on-line, pareceu
reforçar a censura durante a pandemia, com multas a jornalistas independentes e
"julgamentos arbitrários" por compartilhar informação e opiniões
sobre a covid-19. Entre eles, o jornalista Roberto Quiñones esteve detido
durante um ano, destaca o informe.
Na mesma linha, a ONG sediada em Londres denuncia que na Rússia, a
introdução de leis contra as "notícias falsas" e as sanções penais em
relação à covid-19 provavelmente vão continuar em vigor quando a pandemia tiver
terminado.
O informe também critica que muitos países tenham obstaculizado o acesso à
informação, modificando as leis de liberdade de informação ou suspendendo a
obrigação das entidades públicas a permitir que os cidadãos acessassem a informação
em seu poder.
"Vários países europeus, entre eles a Espanha, citaram a pandemia ao
relaxar ou suspender os prazos para responder às solicitações de liberdade de
informação mediante um estado de emergência que suspendeu os prazos de
procedimentos dos organismos do setor público", afirma.
No Brasil, a "medida provisória 928" suspendeu temporariamente
os prazos para responder às solicitações sob a Lei de Direito à Informação e
proibiu jornalistas ou outras pessoas de apelar dos pedidos negados.
Na opinião de Khosla, além de combater a desinformação, "os Estados e
as empresas de redes sociais também devem garantir que o público tenha acesso
sem restrições a informação precisa, baseada em provas, e oportuna".
"Este é um passo crucial", por exemplo, "para minimizar as
dúvidas sobre as vacinas, impulsionadas pela desinformação", destacou.
Anna Cuenca,
AFP
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