Às vésperas da COP-26, o Grupo Carta de Belém, que reúne
cerca de 30 organizações da sociedade civil, lançou neste domingo um manifesto
no qual alerta que o mercado de créditos de carbono se transformou numa falsa
solução à crise climática mundial.
O mecanismo permite que uma empresa poluidora europeia, por exemplo,
adquira créditos de carbono no Brasil, por meio de operação contábil, e
registre como percentual de redução de suas emissões.
Tatiana Oliveira, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos
(Inesc), uma das entidades que integram o Grupo Carta de Belém, explica que a
compra de papéis não significa que uma indústria implementou processos e
tecnologias que, efetivamente, reduzam seus níveis de poluição.
— Imagine que você precisa emagrecer e transfere para outra pessoa a fazer
a dieta e os exercícios no seu lugar. O mercado de carbono faz exatamente isso
— diz Tatiana.
O Grupo Carta de Belém, que inclui ONGs como Greenpeace, Movimento Xingu
Vivo para Sempre e a Marcha Mundial das Mulheres, alerta ainda para o desmonte
dos mecanismos institucionais de preservação do meio ambiente no Brasil, o que
tem levado a sucessivos recordes de desmatamento e queimadas em todo o país,
além do aumento da violência no campo.
"Apesar dos fracassos dos mecanismos de mercados em produzir reduções
reais de emissões em todo mundo, estes seguem sendo promovidos como a grande
aposta estrutural para viabilizar a descarbonização e o objetivo de
neutralidade climática", afirma o documento.
As entidades avaliam que o chamado mercado de carbono é "uma licença
para poluir", na medida em que permite aumentar a destruição do meio
ambiente em determinados lugares e compensar em outro lugar, sem levar em conta
o papel de cada um dos ecossistemas na manutenção do clima mundial. Por isso,
acrescentam, o mecanismo não resolve a necessidade de preservação ambiental do
planeta.
No Brasil, diz o grupo, o mesmo raciocínio é usado pelo governo federal no
programa Adote um Parque e Floresta + Carbono, destinado justamente a empresas
que afirmam não ter como reduzir suas emissões de carbono e que querem
compensá-las pagando valores por áreas que, pela lei, já são preservadas.
O grupo defende o adiamento de decisões da COP-26 até que se apresentem
condições mais equânimes de participação entre países. O manifesto ressalta que
o último relatório do IPCC reforçou o tom da emergência climática,
principalmente diante da retomada econômica e da digitalização pós-pandemia.
Ressalta ainda que está prevista para o segundo trimestre de 2022 a Convenção
de Diversidade Biológica (COP-16), cuja meta é ampliar para 30% a superfície
terrestre e marinha mantida em regime de áreas protegidas ou unidades de
conservação.
O grupo entende que as chamadas ações de mitigação dependem
prioritariamente do acesso e do controle do uso da terra no mundo todo, levando
a uma lógica que acirra os conflitos e a violência contra as populações que
vivem nos locais em disputa. Para as entidades, os sistemas não são suficientes
para garantir a preservação da natureza e a justiça social. Ressaltam que a
implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que serviria para controle do
desmatamento, tem servido para promover a grilagem digital de terras.
O manifesto afirma ainda que propostas como troca de dívida por ação
climática têm como garantidores os tesouros nacionais dos países, gerando risco
e endividamento público na negociação de dívidas privadas. "Consequentemente,
aprofundam desigualdades sociais e geram transferências massivas de renda dos
pobres para os já muito ricos", assinala.
O grupo se posiciona contra o uso de florestas e ecossistemas em
instrumentos do mercado financeiro, ainda que o argumento seja de que poderá
beneficiar a ação climática dos países envolvidos. No Brasil, afirmam, as
soluções definitivas são a demarcação de terras indígenas e quilombolas, a
defesa das terras de uso coletivo e o fortalecimento de iniciativas
agroecológicas, que permitem associar a conservação da biodiversidade com a
garantia alimentar.
Cleide
Carvalho, O Globo
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