Investidores
avaliam que Pequim não vai aliviar restrições. Especialistas reunidos pelo
Cebri dizem que caso reflete mudanças estruturais que devem desacelerar PIB
A Fantasia Holdings, uma incorporadora imobiliária da China, deixou de
pagar títulos na segunda-feira e voltou a preocupar investidores sobre a saúde
do setor imobiliário do país nesta terça.
Ações de outras empresas chinesas do ramo tiveram queda da ordem de 10% com
percepção entre os investidores de que autoridades não planejam medidas
contundentes para aliviar a crise de crédito que atinge o setor imobiliário.
Um indicador de ações chinesas em Hong Kong fechou no menor patamar em cinco
anos.
A Evergrande, a gigante imobiliária em crise que vem abalando os mercados
globais há semanas, manteve o silêncio sobre uma suposta venda de participação
em uma de suas unidades para fazer caixa e manteve suspensas as negociações de
suas ações na Bolsa de Hong Kong.
O não pagamento da Fantasia 'fornece um sinal claro de que, apesar dos resgates
fragmentados de ativos selecionados da Evergrande, as tensões do mercado
imobiliário permanecem elevadas', disse Craig Botham, economista-chefe para a
China da Pantheon Macroeconomics.
Ilusão?: Wall Street está apostando suas
fichas no Partido Comunista Chinês para salvar Evergrande
A Fantasia deve representar menor risco para os mercados do que a Evergrande. A
empresa estava apenas na 60a posição em uma lista de vendas de imóveis
contratadas no primeiro trimestre deste ano, enquanto a Evergrande ocupava o
terceiro lugar.
Os US$ 12,9 bilhões em passivos totais da Fantasia são ofuscados pelos US$
304,5 bilhões da Evergrande. A Fantasia também é uma emissora de títulos menos
prolífica, com cerca de US$ 4,7 bilhões em dívidas locais e offshore, mostram
dados compilados pela Bloomberg. Na Evergrande, a cifra é de US$ 27,6 bilhões.
O caso da Fantasia importa mais porque analistas avaliam que é mais um sinal de
que é improvável que o governo chinês diminua as restrições ao setor
imobiliário, apesar das especulações recentes.
Mudanças estruturais com impacto no
Brasil
Até agora, tudo indica que a crise da Evergrande não deverá ter grande impacto
sobre o sistema financeiro chinês, mas de fato evidencia a disposição do
governo de Xi Jinping de promover ajustes regulatórios na economia.
Essa foi a conclusão de especialistas que acompanham conjuntura da China
reunidos na manhã desta terça-feira em um evento on-line promovido pelo Centro
Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).
Eles concordaram que a redução de riscos no setor imobiliário é um dos sinais
de reorientação da estratégia econômica chinesa, que deve resultar em
desaceleração do seu crescimento.
Isso terá repercussões em países como o Brasil, que tem no país asiático seu
maior parceiro comercial, avaliaram os participantes do encontro mediado pela
diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China, Claudia Trevisan.
Fabiana D'Atri, coordenadora do Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos
do Bradesco, aponta outras reformas em cursto como alterações na matriz
energética em busca de sustentabilidade ambiental e o redirecionamento de
setores de tecnologia como vetores econômicos.
- As mudanças apontam para uma transição de mais qualidade em vez de
quantidade, o que significa que abrem caminho para taxas menores de crescimento
- afirmou Fabiana.
A desaceleração terá impacto no Brasil, que tem na China seu principal parceiro
comercial e maior comprador de commodities.
Fabiana contou que estudos dá área de pesquisa do Bradesco aponta que o preço
justo, de equilíbrio, do minério de ferro hoje é algo em torno de US$ 120 por
tonelada. E recentemente chegou a ultrapassar US$ 200, provocando reação do
governo chinês na tentativa de conter a alta do preço da commodity para evitar
impactos em sua cadeia interna de indústrias.
- A China não vai crescer 10% como no passado. A minha projeção para o ano que
vem é abaixo de 5%, mas com uma base muito superior. Então isso significa que a
demanda vai continuar crescendo, mas num ritmo menor. A quantidade exportada
segue num ritmo elevado, a China não está retraindo, está crescendo menos, com
preços muito mais ajustados. Isso tira certamente bastantes bilhões de dólares
da nossa pauta de exportação - afirmou Fabiana.
Governo tem condições de proteger
poupança dos chineses
Outro participante do debate, Sergio Quadros, professor visitante do MBA em
Negócios e Empreendimentos Internacionais da Unisinos e ex-gerente do Banco do
Brasil em Xangai, previu uma desaceleração mais leve para a China, com
crescimento de 7,5% do PIB chinês este ano, na recuperação após o baque da
pandemia, e de 6% em 2022.
Ele observou que a dívida total da Evergrande, estimada em cerca de US$ 305
bilhões, embora significativa, não é alta em comparação com o tamanho da
segunda maior economia do mundo. Só o total de ativos bancários na China,
observou Quadros, é da ordem de US$ 46 trilhões.
No entanto, ressaltou que ainda não são conhecidos todos os riscos associados a
um possível calote. A decomposição da dívida mostra que 32% dela é com
fornecedores e 20% são empréstimos bancários, mas ainda não se sabe se o
passivo está distribuído entre os mais de 4 mil bancos da China ou concentrado
em algumas instituições, afirmou o economista.
A dívida com pagamentos antecipados de chineses por imóveis é de cerca de 8% do
total, disse Quadros. Ele observou que 87% das vendas de imóveis no país em
2018 foram para chineses que já possuíam um imóvel, numa evidência de que o
mercado imobiliário é uma alternativa de poupança de muitas famílias.
Ainda assim, ele avaliou que os cidadãos serão protegidos pelo governo se não
houver solução de mercado para a Evergrande.
- O desafio da China é conter o risco sistêmico, e faz parte disso reduzir
alavancagem do setor imobiliário - afirmou Quadros, que citou a forte
especulação imobiliária em grandes cidades chinesas nos últimos anos.
Para Marcos Caramuru, ex-embaixador do Brasil na China e conselheiro do Cebri,
o atual ambiente de ameaças à economia chinesa - marcado pela tensão comercial
com os EUA e as consequências da pandemia - podem favorecer as reformas do
presidente Xi Jinping, que buscará um novo mandato em 2022.
- A Evergrande é resultado de administração heterodoxa da empresa, mas também
de ações do governo para reduzir alavancagem do setor imobiliário - afirmou. -
Ambiente de crise pode favorecer condições políticas de reformas que façam com
que o país aceite um ritmo menor de crescimento.
Bloomberg e O
Globo
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