A nova Lei de Licitações traz
em seu texto acréscimos valiosos sobre a atuação jurídica no processo
licitatório, inclusive, como correção legislativa com a positivação da
responsabilidade pessoal do parecerista, somente nos casos de dolo ou fraude.
No entanto, para o momento, o que interessa são os requisitos que deverão ser
observados na elaboração do parecer, conforme disposto no artigo 52, §1º, que
dispõe:
"Na elaboração do parecer jurídico, o órgão de assessoramento jurídico da
Administração deverá:
I - apreciar o processo licitatório conforme critérios objetivos prévios de
atribuição de prioridade;
II - redigir sua manifestação em linguagem simples e compreensível e de forma
clara e objetiva, com apreciação de todos os elementos indispensáveis à
contratação e com exposição dos pressupostos de fato e de direito levados em
consideração na análise jurídica;
III - dar especial atenção à conclusão, que deverá ser apartada da
fundamentação, ter uniformidade com os seus entendimentos prévios, ser
apresentada em tópicos, com orientações específicas para cada recomendação, a
fim permitir à autoridade consulente sua fácil compreensão e atendimento, e, se
constatada ilegalidade, apresentar posicionamento conclusivo quanto à
impossibilidade de continuidade da contratação nos termos analisados, com
sugestão de medidas que possam ser adotadas para adequá-la à legislação
aplicável".
O inciso I inaugura uma importante garantia para as assessorias jurídicas, que
pode ser interpretada como norma de prudência, em que é possível disciplinar a
nível interno quais são os critérios objetivos para atribuição de prioridade,
que devem coincidir com as necessidades públicas prioritárias e não com a falta
de diligência do administrador em enviar o documento para análise em momento
tardio. Portanto, mesmo que inovadora e ainda sujeita a interpretações
variadas, a atribuição de prioridade deve ser determinada pelo administrador,
de forma escrita e objetiva, o que não impede que a própria assessoria jurídica
discipline utilizando balizas constantes na própria lei de critérios objetivos
que definam prioridade.
O inciso II trata que a redação do parecer deve ter uma linguagem simples,
clara e objetiva e atesta que a apreciação deve ser realizada de todos os
elementos indispensáveis a contratação, devendo o parecerista expor não só os
pressupostos de direito levados em consideração, como os pressupostos de fato.
No mesmo sentido, mesmo em questões predominantemente técnicas, a linguagem de
todo o processo licitatório deve ser simples, clara e objetiva. Dessa forma, o
pressuposto de fato a ser levado em consideração não deverá ser compreendido
somente como o check list dos documentos juntados aos autos. Como, juntamente
com os pressupostos de direito, as questões de fato passam a integrar a
motivação, seja pela possibilidade ou não do certame.
Portanto, havendo dúvida fática do parecerista, esse pode e deve levar em
consideração com o mesmo peso que as questões de Direito. O esclarecimento
vincula o administrador, mas o pressuposto fático agora compõe as razões de
decidir.
Por exemplo, no caso de dúvida sobre os valores e tabelas de preço utilizadas,
sobre o projeto ou mesmo sobre as razões de uma contratação direta todos os
fatos devem ser esclarecidos, uma vez que, se os fatos são levados em
consideração na análise jurídica, sobre os mesmos não devem pairar dúvidas.
A própria lei concede, igualmente, a solução para a tal avaliação no artigo 5º,
em que preconiza que serão observados os princípios da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse
público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da
transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da
vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da
razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da
economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as
disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
A esse respeito, vale destacar que o Tribunal de Contas da União (à guisa exemplificativa, leia-se
o Acórdão 13.375/2020) tem sua jurisprudência orientada a reconhecer,
atualmente, que o parecerista jurídico pode ser responsabilizado de erro
grosseiro consistente em violar a jurisprudência da corte. Juliana Palma tece
críticas a tal orientação, assim como Lademir Rocha [1]. Em apertadíssima
síntese, a lição propositiva da mencionada doutrinadora parece digna de
destaque: "Ônus de dizer a jurisprudência pacífica não pode ser
transferido ao particular e nem aos advogados públicos, que jamais poderão ser
responsabilizados por deixar de reconhecê-la ou desconsiderá-la (tipificação
assim fere a reserva de lei)".
Em outras palavras, relegar a definição de um conceito jurídico aberto, como é
o caso do erro grosseiro, a concepção da escolha acertada do homem médio não
parece contribuir para dotar de segurança jurídica tão necessária à matéria.
Dessa forma, caminha bem o legislador pátrio por ocasião do projeto de lei em tramitação
na tentativa de instituir critérios objetivos e numerus clausulus dos standards
de avaliação da juridicidade de um parecer jurídico. Ou seja: impossível
realizar interpretação extensiva para gerar responsabilização do parecerista.
Negacionismos extremados, para ambos os lados, em nada contribuem para o
desenvolvimento do Direito. Em outras palavras: negar hipóteses de
responsabilização do parecerista jurídico é legitimar que um dos atores do
processo licitatório está imune a qualquer tipo de responsabilização, gerando
os perversos efeitos da impunidade. De outra sorte, gerar responsabilização em
hipóteses que fogem ao domínio de conhecimento, bem como o domínio final sobre
o fato, é igualmente capaz de afastar os gestores probos da Administração, diante
do reconhecimento do que se convencionou denominar de "Direito
Administrativo do medo" [2].
Assim, surgindo dúvida na análise fática que possa aviltar algum desses
princípios, tem espaço o posicionamento pontual do órgão jurídico. É lógico que
a responsabilidade sobre a afirmativa é do gestor, porém, na busca da
transparência e probidade, é seu dever esclarecer, informar e vincular as
respostas de suas decisões.
A transparência é um princípio imperioso em todas as ações que envolvam a
sociedade e o Estado, principalmente na alocação de recursos públicos, e cabe a todos os
envolvidos nesse processo a colaboração para que se alcance a efetividade do
desenvolvimento nacional sustentável.
[1] Texto disponível em: 'TCU erra ao responsabilizar indevidamente advogado
parecerista' é tema de artigo do Presidente da ANAFE - Anafe
(anafenacional.org.br). Acesso em 18/1/2021.
[2] Sobre o tema, vale a leitura de VALGAS, Rodrigo. Direito Administrativo do
medo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
Por Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho e Thaís
Marçal, no Consultor Jurídico
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