"A competição vai baratear o sistema financeiro"
Pix e Open Banking. Essa dupla irá ampliar a
bancarização, aumentar a concorrência e reduzir o spread. Ganhos que podem
mudar o País.
Quando regulamentou o
Sistema de Pagamentos Brasileiro (BPB), em 2002, o sistema financeiro nacional
já era uma referência em termos de agilidade e segurança. Em abril daquele ano
foi criada a TED, sigla para Transferência Eletrônica Disponível, que inovou ao
permitir trocas de valores entre contas-correntes no mesmo dia, desde que
feitas até as 17h. Desde a entrada em vigor do Pix, em 16 de novembro, a TED
começou a parecer uma peça de museu. O novo meio de pagamento eletrônico
desenvolvido pelo Banco Central é instantâneo, funciona sem limite de horário
em qualquer dia e não gera custo algum para pessoas físicas. Como outras
inovações tecnológicas, o Pix foi imediatamente abraçado pelos brasileiros. Ele
se insere em uma estratégia de bancarização que ficará completa com o Open
Banking, dois temas desta entrevista exclusiva com o presidente do BC.
DINHEIRO – Em termos de agilidade e segurança nos
pagamentos, o Brasil já é referência mundial há pelo menos duas décadas. Por
que o Banco Central decidiu fazer esforços adicionais nesse setor?
ROBERTO CAMPOS NETO — O
Brasil conviveu com inflação alta e indexação na economia por muito tempo.
Nesse contexto, o País sempre demonstrou uma grande agilidade em promover a
inovação financeira, porque era uma forma de escapar da inflação. A inovação
era uma característica das instituições financeiras e dos clientes para
conseguir sobreviver em um ambiente inflacionário e de muitas mudanças
regulatórias. Para lidar com esse ambiente, os bancos aderiram a um modelo de forte
investimento em tecnologia. O que precisamos hoje é de um sistema de pagamentos
e de intermediação financeira que reduza o custo operacional, não apenas das
empresas como também das pessoas. É preciso um sistema de intermediação mais
acessível e o mais barato possível, pois assim vamos conseguir gerar novos
modelos de negócio.
Como ampliar a inclusão bancária e aumentar a
competição no sistema financeiro?
A primeira coisa que
precisamos entender é para onde está indo a indústria bancária. Ela está
mudando radicalmente. Está deixando de atuar apenas na intermediação, de ser
apenas uma processadora de transações financeiras, para ser uma indústria de
serviços financeiros cada vez mais baseada em tecnologia. Até recentemente, o
pipoqueiro não tinha como cobrar do cliente (exceto em espécie). Depois,
surgiram as maquininhas com preço mais baixo. No entanto, o grande salto aqui é
democratizar o sistema de pagamentos, baixando o custo e aumentando a
velocidade, a eficiência e a transparência das transações.
E como isso muda o sistema?
O negócio de intermediação
financeira é baseado em informação. A instituição financeira poderá oferecer um
produto melhor para o cliente se tiver mais informações, porque saberá o que o
cliente precisa. Por exemplo, será possível fazer empréstimos melhores se forem
conhecidos o risco de crédito do cliente e o tipo de crédito de que ele
precisa. Quanto mais informação a instituição tiver, mais eficiente será o
processo de intermediação. Os bancos demoraram um pouco para entender que o
verdadeiro poder da intermediação não estava em extrair o máximo possível dos
clientes, mas em ter o máximo de informação possível sobre eles. Isso permite
otimizar o retorno da operação financeira.
Isso já está acontecendo?
O que vemos hoje é uma
migração nessa direção, em que o valor não está na quantidade nem na
agressividade, mas na informação, que reduz o risco e permite à operação ter
maior retorno. O sistema financeiro é uma indústria que caminha para produzir e
analisar dados de forma cada vez mais digital.
E, nesse cenário, como elevar a competitividade?
Quais as barreiras de entrada que travam o aumento da competição?
Uma grande barreira à
entrada das pequenas empresas financeiras é exatamente não conhecer o cliente
como o banco conhece. Ao longo da evolução da intermediação, os bancos foram
conhecendo mais e mais sobre o cliente e oferecendo mais e mais produtos. Os
bancos têm uma estrutura vertical que vende seguros, fundos, caderneta de
poupança, cartão de crédito, etc. E os bancos sabem quanto o cliente gasta e
como ele gasta. A organização dessas informações foi o que permitiu aos bancos
criarem uma barreira de entrada cada vez mais alta. É preciso que o Banco
Central acompanhe esse movimento de grande uso de informação e digitalização.
Qual o impacto do Pix?
É preciso ter uma porta
mais rápida para a entrada dos pequenos players no mundo da intermediação
financeira. Ou seja, é preciso que haja um instrumento de entrada no sistema de
pagamentos que tenha um custo baixo e que seja fácil de operar, de forma que
qualquer instituição de pequeno porte possa captar o cliente da mesma forma que
as grandes instituições. O Pix faz esse trabalho.
Com ele, tanto uma pequena instituição quanto um grande banco terão a mesma
possibilidade de prestar serviços de pagamentos para os clientes. O Pix
democratiza o mundo de pagamentos e reduz as barreiras à entrada.
Só o Pix é suficiente?
Não. Para avançar no
aumento da competitividade, é preciso ter informação sobre o cliente. E hoje o
domínio dessa informação está nos incumbentes, nos líderes de mercado. É neste
ponto que entra o Open Banking. Ele consolida esse movimento em que a pequena
instituição não apenas tem a capacidade de entrar no sistema de pagamentos, mas
também tem o mesmo nível de informação que os concorrentes de grande porte. Com
o Open Banking, a informação não é mais do banco. Ela agora é do cliente. Se
uma plataforma pequena quiser acessar as informações de um cliente, e esse
cliente autorizar o acesso, ela tem a mesma possibilidade de competir que o
banco grande. Dessa forma, tornamos possível que as plataformas pequenas entrem
no mundo de pagamentos e façam a análise dos produtos de que o cliente precisa.
Por que o senhor considera que o acesso aos dados é
inclusivo?
Porque vamos promover uma
competição que vai baratear, amplificar e vai incluir muito mais gente no
sistema financeiro. Na verdade, isso já está acontecendo com o Pix. Ele remove
as barreiras, democratiza a informação e, por meio de um sistema de pagamentos
barato, permite a entrada de pequenos agentes no sistema financeiro. A
intermediação financeira caminha nessa direção.
Quando estiverem em pleno funcionamento, Open
Banking e Pix poderão reduzir de maneira sustentável o spread bancário e os
custos do sistema financeiro?
Sim. Quanto todas as
mudanças que pretendemos fazer estiverem funcionando, teremos um sistema com
menores barreiras à entrada. O tíquete para estar no sistema de pagamento será
menor, uma vez que o Pix proporciona a qualquer empresa condições para competir
com as grandes instituições financeiras. Haverá um aumento da competição e
redução dos custos de pagamento e do crédito. Se a informação está mais
disponível e mais organizada para todos — e os produtos financeiros dependem de
informação — o spread cai. Com a instituição financeira tendo mais informação
sobre uma pessoa ou empresa, poderá reduzir o spread.
Isso não vai afetar a solidez do sistema
financeiro?
É importante frisar que
essa mudança não acarreta um processo de canibalização dos grandes bancos. Essa
é uma interpretação equivocada do processo. Com o aumento da bancarização e a
maior segmentação do mercado, o resultado final é que todos vão sair ganhando.
Em quanto tempo essas mudanças poderão ser notadas
pelos clientes do sistema financeiro?
As mudanças já estão sendo
percebidas. Vemos que o Pix entrou recentemente em operação e já tem novos
modelos de negócio nascendo. Vemos que pessoas que tinham pequenos negócios no
interior do Nordeste, por exemplo, e que tinham de guardar o dinheiro em caixa
ou dirigir quilômetros para depositar esse dinheiro em uma agência bancária,
estão mudando sua conduta. Vamos democratizar e ampliar esse processo. Mas é
importante enfatizar que já estamos vendo essa mudança.
E quais serão as mudanças mais perceptíveis?
Teremos um efeito muito
maior ao longo dos próximos anos, pois vamos bancarizar mais pessoas, haverá
mais informação disponível sobre as pessoas e as empresas, e teremos uma
segmentação de produtos com baixo custo e maior acessibilidade. Mais
importante: teremos um sistema mais transparente, mais aberto e com mais
competição. Nos próximos cinco anos vamos evoluir mais nesse processo do que
nos últimos dez anos, pois o avanço da tecnologia aplicada à intermediação
financeira será maior, e parte dessa evolução tem características exponenciais.
Por Cláudio Gradilone, na Revista Isto é Dinheiro
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