Cerca de 50 mil ações de indenização contra seguradoras devem gerar acordos
Uma discussão antiga na Justiça começou a ser
resolvida fora dos autos neste ano e já é apontada como uma das maiores
mediações em curso no país. O foco são as 50 mil ações de indenização propostas
por compradores de moradias populares pelo Sistema Financeiro de Habitação
(SFH) nos anos 80. Após adquiridos, com seguro incluído, muitos imóveis
apresentaram defeitos de construção. Desde então foi travada uma batalha no
Poder Judiciário.
As negociações começaram em novembro com um projeto
piloto em Pernambuco, onde estão muitos imóveis com as alegadas falhas de
construção. Participaram 440 mutuários e o valor pago foi cerca de R$ 6
milhões. A ideia é expandir as mediações para outros Estados no ano que vem.
Diante de problemas nas construções, mutuários do SFH
passaram a buscar indenizações na Justiça. Muitas ações foram propostas contra
seguradoras privadas, que participavam de um pool responsável pelo seguro
adquirido na compra. O Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) foi
vinculado ao seguro habitacional entre 1988 e 2009 e havia uma discussão sobre
a responsabilidade dele. A partir de uma decisão do Tribunal de Contas da União
(TCU) em 2004, indicando a relevância do tema para o FCVS, a Caixa Econômica
Federal passou a pedir o ingresso nas ações.
Em 2014, a Lei nº 13.000 determinou que a Caixa fosse
intimada nos processos que tramitam na Justiça estadual sobre a extinta apólice
pública do Seguro Habitacional do SFH para manifestar possível interesse. Nos
processos em que a apólice de seguro não é coberta pelo FCVS, a causa deve ser
processada na Justiça comum.
Por causa do interesse da Caixa, em julho, o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu que os processos em que não havia sentença até
2010 deveriam passar para a competência da Justiça Federal. A decisão pode
atrasar o encerramento dos casos que já estão na esfera estadual.
O seguro vendido no momento da compra das casas tinha
previsão de cobertura de danos decorrentes de vícios construtivos, segundo o
advogado que representa mutuários, Diego Barbosa Campos, do escritório
Figueiredo e Velloso Advogados. “Todos foram construídos com baixa qualidade,
da maneira errada e poucos anos depois de prontos os problemas começaram a
aparecer”, afirma. Foi quando os segurados começaram a ajuizar ações contra o
pool de seguradoras.
A reserva técnica do seguro ficava em um fundo
coletivo que passou a ser administrado pela Caixa em 2012. Apesar de a Caixa
estar envolvida, o dinheiro é todo privado, segundo o advogado. “Foram muitas
ações e o Judiciário vem se ocupando disso há décadas”, afirma. Campos representa
40 escritórios que atuam para cerca de 350 mil pessoas.
Em 2010, o Ministério Público deu início a um
movimento para realizar acordos nesses processos, segundo o advogado, e em 2018
o Judiciário abraçou a ideia. A partir de uma iniciativa do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) foram reunidos os escritórios de advocacia que representam os
mutuários até chegar ao projeto piloto que começou neste ano em Caruaru (PE).
Na ocasião, foram fechados acordos de R$ 21,6 mil — a estimativa média de
condenação era de R$ 90 mil. Os acordos são homologados pela Justiça.
Para o acordo, foram excluídos índice de correção,
multa contratual e juros de mora, segundo o advogado. Ainda segundo Campos,
além de aliviar a Justiça, a mediação tira dos mutuários o fardo de litigar em
processos que se arrastam há décadas. Já para as seguradoras, negociar gera
previsibilidade.
Segundo André Tavares, advogado da Confederação
Nacional das Seguradoras (CNseg) as apólices foram emitidas pelas seguradoras
privadas e o seguro foi sendo “estatizado” aos poucos. Existem ações em que a
Caixa participa, mas muitas direcionadas às seguradoras privadas. Por causa
dessa participação na seara judicial, as seguradoras também participam das
ações. “Essa mediação é importantíssima como resolução de um problema da
sociedade”, afirma. Em 2016, a Caixa Econômica Federal, administradora do FCVS,
estimava um impacto de R$ 11 bilhões em caso de derrota. O valor não seria pago
pelo banco, mas por meio do fundo.
Sobre o modelo mais recente de acordos, em nota ao
Valor , a Caixa informou que está engajada na operacionalização da proposta de
mediação. “O acordo é fruto de iniciativa de todas as partes envolvidas, com a
participação da Advocacia-Geral da União e não implica em reconhecimento do
direito discutido nos processos judiciais, mas busca pacificar os litígios
judiciais”, afirmou na nota. A Caixa atua como representante do FCVS e entra em
mediações apenas nos processos vinculados às antigas apólices públicas.
Os pilotos estão sendo realizados em conjuntos
habitacionais com características similares, para que os acordos sigam um
modelo. A próxima etapa será em conjuntos de Natal (RN) e Campina Grande (PB),
segundo Aldir Passarinho, ex-ministro do STJ e um dos mediadores do projeto. A
ideia é levar os acordos a todo o país.
O valor total dos acordos fechados em Caruaru já foi
pago, segundo o mediador. Não é necessário fazer o procedimento por meio de
precatórios. “O pagamento teve um impacto econômico grande nesse período da
pandemia”, afirma.
“É um processo de mediação bem atípico e envolve
muitas partes”, afirma Juliana Loss, que atua como mediadora no caso. A questão
é complexa e envolve muitas famílias e discussões que vão desde o direito
privado até questionamentos na seara pública, segundo a mediadora. “Os valores
envolvidos são altos, mas ao mesmo tempo, o impacto social e público é relevante”,
afirma.
Embora os pilotos ainda sejam pequenos e localizados,
são aplicados modelos que podem ser replicados no país. “O papel do mediador é
ajudar na solução do conflito entre as partes e também dar suporte para a
tomada de decisão interna dos atores. Nunca é uma pessoa só que toma a decisão,
são várias”, afirma Juliana.
Por Beatriz
Olivon, no Valor Econômico
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