Sugestões constam no
documento 'Brasil Pós Covid-19', que é lançado nesta quarta-feira, 22, e traz
propostas de medidas para ajudar a impulsionar a retomada da economia
brasileira após os impactos do novo coronavírus
BRASÍLIA - Em meio ao aumento do desemprego e à
preocupação do governo com a retomada da geração de vagas no mercado de
trabalho no momento pós-pandemia, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea) defende uma desoneração temporária de tributos sobre salários, com
maiores benefícios para contratos de jornada parcial, e a extensão dos
instrumentos que permitem redução de jornada e salários na crise.
As sugestões constam no documento "Brasil Pós Covid-19", que é lançado nesta quarta-feira, 22, e traz propostas de medidas para ajudar a impulsionar a retomada da economia brasileira após os impactos do novo coronavírus.
No caso da autorização para cortes de jornada e salário, o Ipea argumenta que os efeitos da crise devem permanecer mesmo após a fase mais aguda da pandemia, deixando empresas em situação de dificuldade. O foco dessa ação seria a preservação de empregos.
Por outro lado, o órgão reconhece que o governo não possui recursos suficientes
para seguir bancando compensações aos trabalhadores atingidos por essas
negociações. A União já destinou R$ 51,2 bilhões ao pagamento do benefício
emergencial (BEm) para empregados que fecharam acordos de redução de jornada e
salário ou suspensão de contrato.
Na proposta do Ipea, o formato dos acordos seria ajustado para caber no
Orçamento. Não seria mais permitida a suspensão do contrato (que obriga o
governo a pagar a parcela cheia do seguro-desemprego que seria devido em caso
de demissão). As empresas que adotaram essa modalidade poderiam migrar para uma
redução de jornada e salário de até 70%.
Já os acordos de redução de jornada e salário, que hoje permitem corte de até
70%, ficariam restritos a diminuições de 25% e 50%. Na avaliação do Ipea, a
medida poderia vir acompanhada de maior adiamento em pagamento de tributos para
as empresas que mantiverem os pagamentos dos salários, ainda que de forma
parcial, e oferta de empréstimos em 'condições facilitadas' aos trabalhadores.
Além da preservação de empregos, os técnicos do órgão defendem uma política
desenhada para alavancar a geração de novos postos de trabalho. Para isso,
propõem uma desoneração temporária de tributos sobre salários, para que as
companhias tenham incentivos nas contratações. Os benefícios seriam
diferenciados de acordo com o contrato: um empregado com jornada parcial (20
horas) traria incentivo maior para a empresa, com redução de 15 pontos
porcentuais na alíquota de 20% de contribuição sobre a folha, do que um de
jornada integral (40 horas), com corte de 5 pp.
O foco da desoneração seria a contratação de funcionários com salário
equivalente a até três salários mínimos (R$ 3.135). O estudo não detalha qual
seria o custo da política, mas propõe como fonte de recursos uma taxação
adicional sobre horas extras pagas aos trabalhadores e uma alíquota extra em
contratos que ultrapassem as 40 horas semanais.
Dividido em quatro eixos, o estudo do Ipea traz uma série de sugestões de
iniciativas para melhorar o ambiente de negócios no Brasil e destravar os
investimentos. Há ações focadas nas atividades produtivas e reconstrução das
cadeias de produção, inserção internacional, investimento em infraestrutura e
proteção econômica e social de populações vulneráveis - o que inclui um
benefício universal infantil para menores de 18 anos, ao custo de R$ 26,6
bilhões. O programa seria feito a partir da unificação de benefícios do Bolsa
Família, salário família e dedução de dependentes do Imposto de Renda da Pessoa
Física (IRPF).
O presidente do Ipea, Carlos von Doellinger, afirma que o documento é um 'ponto
de partida' para as discussões que começam a se aprofundar no governo.
'Tentamos mostrar caminhos específicos. Selecionamos os mais viáveis e os que
teriam maior impacto na economia', diz.
O estudo destaca ainda a necessidade de continuar o ajuste nas contas públicas
e aprovar reformas para controlar a trajetória de gastos, afetada devido à
necessidade do governo de abrir os cofres para bancar ações de combate à
covid-19. No texto, os pesquisadores defendem a aprovação das reformas do Pacto
Federativo, que garante instrumentos para conter o avanço de despesas na União
e nos governos regionais, da desvinculação dos fundos e a reforma
administrativa, que ataca a despesa com pessoal do governo.
A partir dessas medidas de ajuste, o governo já conseguiria ter uma recuperação
em 2021, com crescimento de 3,6% do PIB no ano que vem, após um tombo estimado
em 6,0% em 2020.
Num cenário 'transformador', com outras reformas microeconômicas, o Ipea estima
que seria possível alcançar um crescimento mais veloz, de 4,7%. Para isso,
seriam necessários a criação de uma carteira de investimentos de longo prazo, a
aprovação dos novos marcos regulatórios do setor elétrico e das novas
concessões e a regulamentação do marco regulatório de telecomunicações,
aprovado em 2019.
'A produtividade cresceria a taxas significativamente maiores que a observada
na média dos últimos quarenta anos - que foi pouco maior que zero', diz o
documento. 'Com isso, seria possível ultrapassar a tendência anterior de
crescimento em meados dos anos 2020. A taxa de crescimento acumulada no período
(2021 a 2031) seria significativamente maior no cenário transformador (42,5%)
que no cenário de referência (25,1%).'
Em meio à necessidade de continuar com o ajuste fiscal, o estudo do Ipea também
alerta para a falta de capacidade do setor público de alavancar investimentos.
Segundo o órgão, esse motor precisa vir do setor privado - num discurso
alinhado ao do ministro da Economia, Paulo Guedes, mas que ainda não tem apoio
integral do governo. Como mostrou o Broadcast, a Casa Civil chegou a preparar
uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a
possibilidade de usar créditos extraordinários, fora do teto de gastos, para
investir em infraestrutura sob a justificativa da covid-19, a pedido do
Ministério do Desenvolvimento Regional. A repercussão negativa, porém, levou a
pasta a desistir da ideia.
'Para que um aumento dos investimentos públicos, por exemplo, fosse
suficiente para estimular a economia de forma significativa e ajudasse o País a
superar os gargalos de infraestrutura, seria preciso uma elevação muito
substancial desses gastos. Os efeitos negativos desse tipo de medida, via piora
na percepção de risco dos agentes em relação a` sustentabilidade da dívida
pública, possivelmente seriam maiores do que os efeitos positivos dos
investimentos. A solução mais adequada, portanto, deve ser a atração de
investimentos privados nacionais e estrangeiros, especialmente em
infraestrutura', argumenta o Ipea.
Por Idiana Tomazelli, em O Estado de S.Paulo
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