O pioneirismo brasileiro na
construção de um sistema universal na produção de remédios imunizantes pode se
repetir em 2020 na luta contra o coronavírus
É irrepreensível o histórico de sucesso brasileiro
no que diz respeito à prevenção de doenças por meio de vacinação. Não é exagero
dizer que o processo de fabricação dessa categoria de medicamentos, produzidos
em laboratório, a partir de microorganismos causadores de doenças, fez do País
uma referência mundial em imunização. A tecnologia nacional empregada no setor
está no mesmo nível de nações mais desenvolvidas nessa área, como o Canadá, a
Austrália e o Reino Unido. Para alcançar esse patamar, o Brasil sempre
disponibilizou recursos para pesquisas — o Ministério da Saúde vai
investir, este ano, R$ 400 milhões em vacinas. Assim, o Brasil faz parte de um
seleto grupo de países que têm a população protegida de doenças como a
poliomielite, que por aqui foi erradicada em 1990.
A expertise brasileira vem sendo construída há mais de cem anos. Os dois
principais pólos públicos de excelência são o Instituto Butantan, em São Paulo,
e a Fundação Fiocruz/Manguinhos, no Rio de Janeiro, instituições centenárias
que estão em busca de uma vacina contra a Covid-19. Desde os anos 40 do século
passado, o Butantan, que já era especialista na produção soros antienvenamento,
e criou uma estrutura produtiva de vacinas que o credencia para a elaboração de
um imunizante contra a pandemia. Nesse processo o instituto firmou parceria com
a farmacêutica chinesa Sinovac, dando sequência aos estudos realizados por essa
empresa. Desse trabalho, surgiu a Corona Vac, uma vacina já na fase de
ensaios clínicos, com testes em humanos: nove mil voluntários participarão do
projeto. Dimas Tadeu Covas, diretor do Butantan, explica que por causa da
experiência da entidade na produção de imunizantes e em ensaios clínicos, a
possibilidade de termos uma vacina segura contra a Covid-19, antes do prazo
mínimo de dezoito meses é crível. “A junção da experiência chinesa com os vírus
da Sars, e o nosso know how em biotecnologia, permitirá ao Butantan completar o
ciclo de desenvolvimento da vacina. Queremos garantir proteção em
larga escala e certificação. Isso deve acontecer antes do final do ano”, disse.
Parceria eficaz
O surgimento da pandemia Covid-19 impôs ao mundo a busca urgente de mais
conhecimentos científicos para entender e combater o vírus. A Organização
Mundial de Saúde observa mais de cem estudos que podem resultar em um
remédio eficiente. Na Fiocruz não é diferente. Lá se desenvolvem três frentes
de trabalho, e a principal é a manufatura de vacinas, utilizando preparos
sintéticos e proteínas do vírus. Com a intenção de disponibilizar um imunizante
à população brasileira, a fundação optou por associar-se à Universidade de
Oxford, que já trabalha junto à empresa farmacêutica Astra Zeneca, em estágio
avançado para a criação de uma vacina. A parceria deve permitir que o primeiro
imunizante seja utilizado na população brasileira amplamente já no início do
ano que vem.
De acordo com Akira Homma, pesquisador emérito da Fiocruz, o acordo firmado com
a AstraZeneca permitirá que o Brasil receba 15,2 milhões de doses em dezembro e
30,4 milhões até janeiro. “É um investimento de risco, mas necessário para
garantir o suprimento de vacinas para o país”, diz. Nesse caso, o Brasil deve
ter 70 milhões de doses no total. Ainda segundo o professor Homma, haverá
transferência tecnológica de todo o ciclo de produção da vacina para a Fiocruz.
Ao final dos estudos clínicos, e do cumprimento dos protocolos de segurança, o
laboratório brasileiro deve fabricar 40 milhões de doses mensais, ainda longe
de atingir a estimativa prévia para atender a demanda de sete bilhões de doses
para vacinar toda a humanidade. A crise provocada pela pandemia não tirou do
Brasil o pioneirismo na busca por uma vacina. Com os trabalhos do Instituto
Butantan e Fiocruz/Manguinhos, o País está cada vez mais próximo de erradicar o
vírus com segurança. Mas, por enquanto, lavar as mãos, manter o distanciamento
social e usar máscaras, são a única proteção.
Por Fernando Lavieri, na Revista
Isto é
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