Polêmicas recentes
envolvendo o pagamento por shows de músicos renomados em cidades pelo Brasil
afora chamaram a atenção para as dificuldades no controle e fiscalização da
aplicação de recursos públicos.
O fomento à cultura é parte
das obrigações do Estado, atende o interesse da população, estando
expressamente previsto na Constituição, em seção própria, artigos 215 a 216-A.
'O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais', diz o caput do artigo 215. O Sistema
Nacional de Cultura tem como princípios a universalização do acesso aos bens e
serviços culturais, o fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento
e bens culturais, em regime de cooperação entre os entes federados, agentes
públicos e privados que atuam na área (Constituição, art. 216-A, § 1º, II, III
e IV). O apoio ao fomento, divulgação e promoção do acesso às manifestações de
cultura por todos os entes federados está perfeitamente alinhado ao que prega
nossa Constituição, sendo legítima a ação do Estado nesse sentido. A
participação do Estado nesse setor é especialmente relevante, uma vez que nem
sempre as produções culturais conseguem ser remuneradas diretamente pelos
particulares, e não se concebe que o patrimônio cultural de um país seja
prejudicado pela eventual e até temporária falta de interesse comercial.
Como toda ação do Estado que
envolve gasto público, a transparência, fiscalização e controle são
fundamentais, e nessa área não é diferente. Pelo contrário. É mais necessária e
exige mais atenção, dadas as várias formas pelas quais os recursos públicos
podem ser utilizados e a multiplicidade de entes federados que estão envolvidos
nas políticas públicas do setor. Mas não é só. No setor cultural, a
identificação de produtos, metas e resultados é sempre complexa, envolve alto
grau de discricionariedade e subjetividade. Uma somatória de fatores que
invariavelmente abre portas para a malversação dos recursos públicos.
No caso da bastante
conhecida 'Lei Rouanet' (Lei federal 8.313/1991), há incentivos fiscais que
importam em renúncias de receitas públicas, envolvendo o dispêndio indireto de
recursos públicos na forma dos chamados 'gastos tributários', cuja fiscalização
da adequação e correto uso é sempre mais difícil e complexo, uma vez que não há
aplicação direta de recursos públicos do orçamento nas atividades patrocinadas.
A adequação na seleção dos projetos e uso de recursos exige atenção, pois as receitas
que deixarão de ser revertidas em tributos sempre poderão fazer falta aos
cofres públicos para atender necessidades básicas da população. Sem contar a
dificuldade adicional em apurar o benefício a ser revertido à sociedade com a
perda de receita. Desnecessário mostrar que, nesses casos, maior ainda é a
dificuldade em exercer a fiscalização.
Mesmo no caso de renúncias
fiscais que envolvem receitas próprias, como tributos da competência do ente
responsável pelo fomento da atividade cultural., passará pelas mesmas
dificuldades, sendo bom lembrar que municípios pequenos, no mais das vezes,
seque dispõem de quadro técnico qualificado e meios adequados para bem
desempenhar essas tarefas.
Os entes federados podem
ainda promover programas que disponibilizam recursos para outros entes da
federação, por meio de transferências voluntárias, e com isso permitir que
municípios com menor capacidade financeira possam também dispor de recursos
para fomentar atividades culturais. A disponibilização de recursos do orçamento
para outros entes da federação, além de distanciar o provedor de recursos do
executor da política e do beneficiário, também prejudica a fiscalização. Um
recurso federal transferido a um município por transferência voluntária
dependerá de ação do Tribunal de Contas da União para atestar seu bom uso, e
evitar desvios e fraudes, exigindo uma capilaridade que o órgão não tem
condições de viabilizar.
E ainda o uso de recursos
próprios do orçamento para custear atividades, como o recente caso que chamou a
atenção da mídia no caso do município mineiro de Conceição do Mato Dentro e o
cantor sertanejo Gusttavo Lima, abre espaço para gastos cuja quantificação é
pouco clara. Como mensurar o valor de mercado do show de um cantor famoso,
considerando que há variações que envolvem o interesse da população pelo
evento, a logística necessária para operacionalizá-lo e tantos outros cuja
variação de preços é por demais elástica.
Essas e outras formas de
fomento às atividades culturais pelo Poder Público evidenciam largos espaços
para a corrupção e toda sorte de malversação de recursos públicos, mostrando
não ser fácil separar o joio do trigo. A sociedade não pode deixar perecer seu
patrimônio cultural, e o Estado tem o dever de zelar por isso.
Há que se investir na superação
das dificuldades na fiscalização, exigindo especial atenção dos órgãos de
controle interno e externo, e também do sistema de controle social, para que o
país possa fazer bom uso dos recursos públicos para preservar um de seus bens
mais preciosos, que é sua cultura.
José Mauricio Conti, Estadão
- Blogs - Fausto Macedo
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