Para evitar
pagamentos de benefícios indevidos, governo precisa melhorar bases de dados de
programas sociais
A auditoria do Tribunal de
Contas da União (TCU) nos cadastros sociais atesta afaltade controle do governo
sobre as informações dos cidadãos. A análise constatou 101 milhões de erros na
base de dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), que podem
acarretar pagamentos indevidos de aposentadorias, pensões e auxílios. Ainda que
esse número resulte de uma projeção e que muitos dos erros apontados, como
registros repetidos, não sejam graves, a situação impressiona pelo descontrole.
Como mostrou reportagem do
GLOBO, 24 milhões de dados estão incompletos, inválidos ou inconsistentes - mais
de 2 milhões com CPF não reconhecido pela Receita Federal. Há falhas graves,
como 14,6 milhões de registros cujo titular é dado como morto há mais de cinco
anos. Os auditores também tiveram dificuldade para obter os dados, que chegaram
só depois de oito meses (outra investigação fracassara porque eles nem vieram).
Os problemas em cadastros do
governo são de natureza complexa, pois dependem de mais que bons sistemas. De
acordo com o diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS),
Fabro Steibel, 5% dos brasileiros não têm sequer registro civil. O Registro
Geral (RG) -a popular carteira de identidade -, atribuição estadual, é
pulverizado por 27 unidades da Federação. Não é impossível alguém ter dois em
estados diferentes. 'O Brasil aceita seis tipos de documentos, como passaporte,
Carteira Nacional de Habilitação, RG ou carteira da OAB. O cidadão pode ter até
40', diz Steibel. 'Deveria haver um só, como noutros países. O importante mesmo
é o RG, com foto e dados biográficos do cidadão.'
Para manter os cadastros
atualizados, é preciso melhorar a infraestrutu-ra de dados, ter um sistema que
identifique fraudes e reduzir o número de documentos oficiais. O ideal é uma
identidade digital única e comum a todos os departamentos do governo. Nenhum
absurdo para um país pioneiro em declarações de renda digitais ou na
implementação de um sistema como o Pix.
Uma das experiências mais
bem-sucedidas nesse setor é a identidade digital adotada na índia em 2009, onde
havia uma miríade de documentos para mais de 1 bilhão de pessoas. A plataforma
Aadhaar, o maior sistema de identificação biométrica do mundo, reúne dados dos
cidadãos, que aderem voluntariamente. Cada participante recebe um número de 12
dígitos, usado como identidade. Mais de 95% dos indianos estão cadastrados. Um
estudo de 2019 mostrou que 49% dos cidadãos usaram a Aadhaar para ter acesso
pela primeira vez a benefícios do governo.
Sem buscar inspiração em
experiências do tipo, o Brasil pune seus cidadãos. A auditoria do TCU não
estimou prejuízos, mas eles são inequívocos. Recursos vão parar nas mãos de
frauda-dores ou de quem não precisa, enquanto famílias carentes não recebem.
Outra auditoria constatou que o governo pagou indevidamente R$ 809 milhões a
1,8 milhão de cidadãos que não tinham direito ao Auxílio Emergencial em 2020.
Entre os contemplados, 32.282 detentos, 16.680 residentes no exterior e 15.571
mortos.
Permitir que fraudadores
recebam benefícios em vez de quem precisa é o cúmulo da desorganização, do
descontrole e da incompetência. Ainda que não haja solução rápida, não há razão
para manter bancos de dados desatualizados e com erros. Só quem ganha com o
descalabro são os vigaristas.
Jornal O Globo
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