Mulher e criança passam por membros do Talebã em Jalalabad, perto da fronteira com o Paquistão, em foto recente; grupo retomou o poder em agosto |
O dia 25 de dezembro nunca teve muita importância para o muçulmano Zabi, afegão que emigrou sozinho ao Brasil em 2008 e se tornou cidadão brasileiro em 2020.
Mas, neste ano, ele recebeu um presente especial: foi
no dia de Natal que seu irmão Atiqullah finalmente conseguiu chegar ao Brasil,
depois de quatro meses escapando do regime do Talebã e buscando um visto.
"Foi tão especial ver meu irmão chegar",
conta Zabi, em português com sotaque, à BBC News Brasil.
"Só quem já sofreu isso (viver como refugiado) na
vida sabe o valor deste momento. A gente nunca tinha imaginado que chegaria a
este ponto, de as pessoas terem que correr para fugir do Afeganistão,
nunca."
Assim como muitas outras famílias afegãs, a de Zabi
tem medo do Talebã por ter trabalhado para o governo anterior, aliado do
Ocidente, e para os militares americanos, agora já evacuados do país.
Portanto, para evitar riscos adicionais à segurança
deles, sobrenomes, fotos e detalhes pessoais da família serão omitidos da
reportagem.
Zabi ainda teme pela vida de seus pais, sua mulher,
seus filhos e outros parentes, que permanecem em território afegão por ainda
não terem conseguido tirar passaporte.
E seu irmão mais velho - esse, sim, com passaporte -
aguarda, junto a mulher e filhos, o desfecho de um pedido de visto humanitário
feito na Embaixada brasileira no Paquistão (o Brasil não tem representação
consular no Afeganistão).
"Tenho muita preocupação com ele, porque ele foi
tradutor para os americanos. Quero que ele saia logo de lá", conta Zabi.
Fuga do Afeganistão
A família de Zabi é uma das que tiveram suas vidas
viradas de cabeça para baixo pela tomada do poder central pelo Talebã, em
agosto.
Nos primeiros dias em que o regime fundamentalista
anunciou o controle do país, todos evitaram sair de casa. Até hoje, diz Zabi, o
contato com os parentes que permanecem no Afeganistão é esporádico, por
WhatsApp, e eles saíram de sua cidade natal para outra em que pudessem
permanecer anônimos.
Passagem de pedestres na fronteira entre Afeganistão e Paquistão, em foto de 15 de agosto; alguns pontos foram fechados temporariamente após chegada do Talebã |
Saem pouco de casa - só para fazer compras -, e as crianças estão sem ir à escola.
Enquanto isso, os parentes que tinham passaportes
válidos conseguiram ir para a fronteira de táxi.
É o caso de Atiqullah, que contou seu calvário para
reportagem em pashto (uma das línguas afegãs) e foi traduzido pelo irmão.
Na cidade afegã de Jalalabad, perto da fronteira com o
Paquistão, Atiqullah teve de passar dois dias sentado na fila de imigração.
Algumas passagens de fronteira chegaram a ficar
temporariamente fechadas após a chegada do Talebã ao poder, e algumas reabriram
mais tarde para a passagem de pedestres.
Mas, com os representantes do Talebã já controlando o
processo migratório, agentes de fronteira chegam a chicotear os afegãos que
tentam emigrar a pé, conta Atiqullah.
"Eles batem nas pessoas, dizem 'fiquem na linha,
não saiam da fila'", diz, por intermédio do irmão. "Eles sabem que é
gente que já trabalhou para o governo afegão e está indo embora. Foi muito
sofrimento para passar."
A vida no Paquistão
Ao atravessar a fronteira, Atiqullah passou dois meses
na cidade de Peshawar, próxima ao Afeganistão e por isso um destino comum de
imigrantes afegãos.
O Paquistão abriga, segundo a Acnur (agência da ONU
para refugiados), 1,4 milhão de afegãos registrados - uma das maiores
populações de refugiados do mundo e uma das maiores crises humanitárias
atendidas pela agência.
Há mais cerca de 800 mil afegãos vivendo em outros
países vizinhos, e outros 600 mil foram forçados a se deslocar internamente por
conta da onda de violência iniciada em 2021 - e esses números podem estar
subestimados diante do avanço da migração desde a chegada do Talebã ao poder.
Com o fim do auxílio internacional ao Afeganistão desde agosto, têm crescido
também a pobreza e a fome no país.
Deslocados internos no Afeganistão aguardam recebimento de auxílio da Acnur; é uma das maiores crises humanitárias do mundo |
No Paquistão, muitos afegãos relatam sofrer preconceito ou acabam forçados a morar em campos de refugiados.
No caso de Atiqullah, ele conseguiu abrigo, mas
evitava sair de casa porque tinha medo de ser abordado por policiais
paquistaneses.
Segundo ele, não é incomum que autoridades parem
afegãos para reter seus documentos, em alguns casos pedindo dinheiro - já que
sabem que, sem passaportes, os afegãos não conseguirão continuar sua rota
migratória para outros países ou continentes.
"Ele chegou aqui (ao Brasil) branquinho, porque
ficava o tempo todo em casa (sem tomar sol), só saía para comprar as coisas que
precisava para comer com medo da polícia, que tira tudo o que você tem",
conta Zabi sobre o irmão.
"Ele me disse que sentia medo o tempo todo,
porque a polícia paquistanesa pergunta aos afegãos: 'o que você está fazendo
aqui? Por que você está aqui?'."
Atiqullah e o restante da família vêm sendo
sustentados pelo dinheiro enviado (via empresas de remessas internacionais) por
Zabi, que é dono de uma lanchonete de comida árabe em uma cidade mineira.
Daqui do Brasil, Zabi está desde agosto em contato com
as autoridades consulares brasileiras no Paquistão para dar entrada ao pedido
de visto humanitário (modalidade que passou a ser concedida pelo Brasil a
afegãos em setembro) de seus irmãos.
O visto de Atiqullah saiu poucas semanas depois de o
pedido ter sido oficializado. O do irmão mais velho e seus dependentes está sob
análise há quase dois meses, e Zabi se desespera por não conseguir descobrir o
motivo da demora.
Consultado pela reportagem, o Itamaraty diz que, por
direito à privacidade, não pode divulgar informações sobre casos individuais.
No caso de Atiqullah, os últimos meses no Paquistão
foram passados em Islamabad, a capital do país, onde retirou seu visto
brasileiro e finalmente viajou para o Brasil.
Mas, segundo Atiqullah, mesmo quando já em posse de
vistos internacionais, os afegãos passam por maus bocados com algumas
autoridades migratórias paquistanesas nos aeroportos.
"Eles olham o visto e falam que é falso, ou ficam
horas (analisando) na imigração", conta.
Sonhos no Brasil
Campo de refugiados afegãos em Peshawar, no Paquistão; cidade é uma das portas de entrada de afegãos fugindo de seu país |
Por enquanto, as únicas palavras que Atiqullah sabe em português são "obrigado" e "tudo bem". Ele tem ajudado o irmão na lanchonete enquanto ambos aguardam notícias de vistos e passaportes dos demais parentes.
"Qualquer país é melhor do que o meu do jeito que
está hoje, mas o que gostei aqui (no interior de Minas Gerais) é que não tem
tanto frio nem calor, é melhor do que eu imaginava na minha cabeça. Porque no
Afeganistão faz muito frio", conta Atiqullah.
Aos 29 anos, ele sonha em aprender português e
conseguir estudar e trabalhar em engenharia. Ele também sonha em trazer sua
esposa e filho, todos no Afeganistão por enquanto.
Zabi, por sua vez, está dividido entre a preocupação
com os parentes que ainda não vieram e a euforia por ter o irmão ao lado.
"Acredita que não dormi no dia em que ele chegou
e que fui buscá-lo na rodoviária? Só fui dormir no outro dia. Estava me
sentindo tão bem."
Paula Adamo Idoeta - Da BBC News Brasil
em São Paulo
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