Mostra
da Memorial International, símbolo da democratização pós-União Soviética e
proibida nesta semana pela Justiça russa, revela o legado de mulheres enviadas
pelo regime de Stalin a campos de prisioneiros.
"Eu peço permissão para enviar um telegrama. No
momento da minha prisão, duas crianças, de dois e quatro anos, estavam no meu
apartamento!" Este pedido foi escrito em uma bela e curva caligrafia. Já a
resposta do diretor penitenciário foi curta e direta: "Negado!"
Este telegrama é apenas um dos mais de mil documentos
coletados pela fundação russa e pela organização de direitos humanos Memorial
International. Trata-se, provavelmente, da última mostra da entidade conhecida
por denunciar perseguições desde a época do líder soviético Josef Stalin e tida
como um símbolo da democratização pós-União Soviética. A Suprema Corte russa
ordenou a dissolução da entidade, sob a acusação de violar leis sobre fontes de
financiamento do exterior.
Cerca de 200 objetos − incluindo roupas remendadas,
objetos de uso diário, como uma lixa de unhas feita de um pedaço de cerâmica ou
uma agulha feita de uma espinha de peixe, cartas e desenhos, alguns dos quais
nunca foram enviados − foram coletados pela fundação para a exposição
"Material, a memória feminina do gulag", no porão da sede da Memorial
International em Moscou.
Carta em tinta vermelha com desenhos de um menino e
uma menina
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Carta de uma menina à mãe num campo de prisioneiros em 1951 Foto: Anatassia Boutsko/DW |
Há 33 anos, a mais antiga organização russa de
direitos humanos, cujo cofundador foi o Nobel da Paz Andrei Sakharov, vem
fazendo campanha pela memória das vítimas da época de Stalin e tentando
enfrentar esse período de opressão. Mais de 12 milhões de pessoas foram
perseguidas como "inimigas do povo" do final dos anos 1920 até a
morte de Stalin, em 1953. Muitas vezes, uma nacionalidade "errada",
um nome de sonoridade ocidental ou um nível superior de educação eram
suficientes para serem presos ou executados ou para desaparecer por muitos
anos, até mesmo décadas, num dos chamados gulags, campos de prisioneiros do
regime soviético.
Mulheres comuns
Muitas das vítimas eram mulheres. "Apenas algumas
realmente haviam sido opositoras ao poder soviético", diz Irina
Sherbakova, historiadora e curadora da exposição. "Na maioria das vezes,
eram mulheres comuns, como você e eu − professoras, funcionárias públicas,
donas de casa. Muitas vezes a única culpa das mulheres era ser a esposa, filha
ou irmã de um 'inimigo do povo'", continua Sherbakowa.
"Por exemplo, durante o Grande Terror de
1937-1938 [nota da redação: Grande Terror foi o nome dado a uma sistemática
campanha de prisões e execuções na antiga União Soviética contra supostos
opositores de Stalin], mais de 20 mil 'esposas de inimigos' foram presas
somente em Moscou e condenadas a oito ou mais anos de prisão em campos. Mais de
30 mil crianças foram enviadas para lares de menores e em muitos casos nunca
mais viram seus pais."
Irina SherbakovaIrina Sherbakova
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Irina Sherbakova, curadora da mostra: "Muitas vezes a única culpa das mulheres era ser a esposa, filha ou irmã de um 'inimigo do povo'"Foto: Kostyanov/DW |
Os destinos das crianças dos gulags são um capítulo
por si só, continua Sherbakova. "A taxa de mortalidade infantil nos lares
era enorme, e os traumas psicológicos, incuráveis."
A exposição foi chamada "A Memória Feminina do
gulag" porque foram principalmente as mulheres "que guardaram
cuidadosamente as lembranças da opressão", continua a historiadora.
Legado do terror
Em 1988, Sherbakova foi um dos membros que criaram a
Fundação Memorial: "Nenhum de nós pensava então que a história de nosso
país, de nossa sociedade, tomaria tal rumo", diz em referência à
dissolução da entidade. Ela vê as razões da situação atual, de "quase
absoluta falta de liberdade", no fato de que nunca se lidou com os crimes
da era Stalin.
Janelas com flores bordadas em pano branco
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Bordado de detenta de um campo de prisioneiros na SibériaFoto: Anatassia Boutsko/DW |
"Até hoje, nossa sociedade está marcada pelo
terror de Stalin: medo das autoridades, padrões duplos de acordo com o
princípio 'pensar uma coisa, dizer outra, fazer uma terceira', encapsulamento
em uma 'camada protetora' privada, desinteresse por tudo o que é social − tudo
isso é o legado do terror", diz.
Repetidamente, o Judiciário russo acusou a Memorial
International de violar uma lei russa de 2012 que permite ao país classificar
as organizações que recebem pagamentos do exterior como "agentes
estrangeiros". A Memorial é considerada um "agente estrangeiro"
na Rússia desde 2016 porque a organização é parcialmente financiada a partir do
exterior. Por isso, um tribunal de Moscou decidiu proibir a organização de
direitos humanos.
Para Sherbakova, a decisão não foi surpresa:
"Somos os guardiões da memória daquela parte da história que o Estado
russo preferiria esquecer, pois só quer lembrar suas conquistas e
vitórias". Em qualquer caso, a historiadora quer continuar seu trabalho.
Como fará isso, ainda não está claro.
Anastassia Boutsko, DW
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